42091210229051065199.png O Axis Mundi: O yin-yang da complementaridade

O yin-yang da complementaridade

por Osvaldo Pessoa Jr.
Niels Bohr (1885-1962) foi um físico muito importante para o desenvolvimento da física quântica. Em 1913, o jovem dinamarquês conseguiu aplicar as idéias da nascente física quântica (que se iniciou em 1900 com Max Planck) para representar o átomo, que seu orientador Ernest Rutherford, em Manchester, havia mostrado em 1911 ter um núcleo duro cercado de elétrons.

O chamado “modelo atômico de Bohr” é ensinado até hoje no Ensino Médio, apesar de ele ter sido superado pela nova mecânica quântica, que surgiria em 1925, com o trabalho do grupo de Göttingen (Heisenberg, Jordan & Born) – a chamada mecânica matricial –, e início de 1926, com a mecânica ondulatória de Schrödinger, que trabalhava em Zurique. Os físicos logo mostraram que essas duas abordagens eram equivalentes, e é o que hoje chamamos de “mecânica quântica”.

Em torno de 1927, Bohr já não estava na linha de frente dos cálculos matemáticos, mas sua maturidade o fez refletir profundamente sobre o significado da nova física dos átomos. Ele estava preocupado com a questão da interpretação da teoria quântica. Nos textos desta coluna, já indiquei várias vezes que a teoria quântica pode ser interpretada de diversas maneiras – com efeito, nos últimos textos explorei a “interpretação ondulatória realista”, que fala em colapsos reais da onda quântica, e da subcorrente “subjetivista” que defende que seria a consciência humana que causaria tais colapsos.

No entanto, não foi esta a interpretação que imperou na comunidade dos físicos. A interpretação que tornou-se hegemônica a partir de 1928 foi aquela construída em torno das idéias de Bohr, e conhecida como “interpretação da complementaridade” (às vezes chamada também de “interpretação de Copenhague”, ou “ortodoxa” – apesar da ortodoxia às vezes salientar abordagens próximas mas distintas da de Bohr).

Esquiando na Noruega, no início de 1927, Bohr teve a idéia de que as entidades fundamentais do mundo não eram partículas – como os atomistas sempre supuseram – e nem ondas – como Schrödinger supunha. Na verdade, nem faria sentido dizer o que seriam essas entidades fundamentais, pois o nosso conhecimento tem limites (como salientara o filósofo Immanuel Kant no século XVIII). Trabalhamos com representações da realidade, e não teríamos acesso às “coisas em si”. Então, a questão que se colocava para Bohr era a de qual é a melhor representação da realidade do mundo microscópico (hoje em dia falaríamos “nanoscópico”): uma baseada em partículas ou uma baseada em ondas?

Uma idéia que Werner Heisenberg considerava nesta época – este jovem alemão estava então trabalhando com Bohr em Copenhague – era de que tanto faz usar uma representação corpuscular (ou seja, em termos de partículas) ou ondulatória: ambas forneceriam as mesmas previsões experimentais (explicarei melhor isso quando estudarmos o princípio de incerteza).
Corpuscular ou ondulatório

A idéia de Bohr era de que o uso de um quadro corpuscular ou ondulatório dependeria do experimento em questão. Dado um experimento, o fenômeno seria ou corpuscular, ou ondulatório, nunca os dois ao mesmo tempo. Se um fenômeno é representado num quadro ondulatório, ele não poderia ser representado adequadamente em um quadro corpuscular, e vice-versa. E o que faria um experimento enquadrar-se num quadro ou no outro? A resposta era simples: se o experimento exibir franjas de interferência, ele é ondulatório (ver figuras no meu texto A Primeira Lição de Física Quântica - clique aqui); se pudermos inferir a trajetória do quantum detectado, o fenômeno é corpuscular (ver as duas primeiras figuras do texto Onde está o Átomo de Prata? - clique aqui).

O princípio da complementaridade afirma que um fenômeno ou é corpuscular, ou é ondulatório, nunca ambos ao mesmo tempo. Ou seja, se temos interferência, não temos trajetória, e vice-versa. Além disso, Bohr afirmava que essas duas descrições “exaurem” as possibilidades de descrição, ou seja, não haveria uma maneira mais completa de representar uma entidade quântica, como um elétron.

O que é um elétron? Em alguns experimentos, ele se comportaria como partícula, em outros, como onda. Poderíamos dizer que ele é uma entidade mais complexa, um “quanton” (como alguns autores sugerem), que só pode ser observado sob uma perspectiva ou outra? Essa leitura realista é interessante, mas não era assim que Bohr pensava. Pode-se dizer que Bohr era um “instrumentalista” ou “positivista” (apesar deste último termo ser impreciso, e Bohr até rejeitá-lo), ou seja, para ele a tarefa da ciência seria descrever o que se pode observar, e não especular metafisicamente sobre aquilo que está para além das possibilidades de observação.

Não me aprofundarei agora nessa noção de complementaridade de Bohr, que apresentamos aqui como sendo a “dualidade onda-partícula para arranjos experimentais”. Ao invés disso, eu queria só comentar a importância que esse princípio adquiriu para o pensador dinamarquês. Ele começou a aplicar a noção de complementaridade para várias áreas do saber.

De início, supôs que haveria uma complementaridade na biologia, entre a unidade de um ser vivo e a sua análise física, mas no final de sua vida abandonou essa idéia. Uma das origens da concepção de Bohr era a psicologia de William James, de onde ele derivou uma complementaridade entre pensar e sentir: se tento pensar sobre aquilo que estou sentindo, eu deixo de sentir aquilo. Na ética, sugeriu uma complementaridade entre justiça e compaixão, e na linguagem, entre o uso de uma palavra e sua definição estrita.

Bohr encontrou na filosofia chinesa do yin-yang uma expressão antiga de sua concepção filosófica, tanto que colocou o tradicional símbolo do yin-yang no centro do brasão que desenhou quando foi agraciado com a Ordem do Elefante da Dinamarca (ver figura). O lema do brasão é contraria sunt complementa (contrários são complementares).
Consultando meu manual de ciência chinesa, o Science and Civilization in China de Joseph Needham (vol. 1, p. 154), vejo que os termos “yin” e “yang” denotavam originalmente o lado sombreado e o lado ensolarado de morros e casas, e que em torno do séc. IV a.C. eles passaram a ter um sentido filosófico mais amplo, com o yin representando o escuro, fraco, feminino, noite, lua, etc., e o yang o iluminado, forte, masculino, dia, sol, etc. A meta dos filósofos do yin-yang era atingir uma vida humana com um balanço perfeito entre os dois princípios.
Com relação à filosofia de Bohr, em português, há um excelente artigo de Gerald Holton publicado na revista Humanidades, nº 9 (1984), pp. 49-71, da Universidade de Brasília, intitulado “As Raízes da Complementaridade”. Além disso, há diversos textos de divulgação escritos pelo próprio Niels Bohr, publicados no livro Física Atômica e Conhecimento Humano, da Editora Contraponto, 1995.

http://www2.uol.com.br/vyaestelar/fisicaquantica_yin_yang.htm 

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