42091210229051065199.png O Axis Mundi: Introdução à Ciência Sagrada - Módulo III

Introdução à Ciência Sagrada - Módulo III

MÓDULO III

1
TARÔ
 

As 16 cartas chamadas "da Corte", somadas aos 22 Arcanos Maiores e os 40 Menores, completam os 78 arcanos do Tarô.
A estrutura destas dezesseis cartas está em relação com o quadrado de quatro (4 x 4 = 16), símbolo que foi venerado na Antigüidade, particularmente entre os pitagóricos.
Este grupo de lâminas está constituído por 4 figuras: Rei, Rainha, Cavaleiro –ou Cavalo– e Pajem que se repetem em cada um dos 4 naipes do baralho.
Já dissemos que estes naipes ou cores –Paus, Espadas, Copas e Ouros– correspondem-se de modo preciso com os 4 mundos ou planos da Árvore da Vida: Atsiluth, Beriyah, Yetsirah e Asiyah, e portanto também com os respectivos elementos (fogo, ar, água e terra) que, segundo estudamos, estão vinculados de modo geral com quatro estados do ser (espírito, alma superior, alma inferior e corpo).
Cada uma das figuras da corte se faz corresponder também a um elemento e a um mundo: o Rei ao mundo do fogo e do espírito; a Rainha, relacionada com o ar, à alma superior; o Cavaleiro (água) à alma inferior; e o Pajem se localiza no mundo material, figurado pelo elemento terra.
Estes quatro mundos, planos, estados ou níveis, não estão separados, mas constituem uma unidade e, portanto, são inter-relacionados intimamente até o ponto de, como explicamos, em cada plano da Árvore da Vida se achar uma Árvore inteira com seus quatro mundos.
Os 16 Arcanos da Corte nos levam ao conhecimento dessas relações que têm os 4 elementos entre si, de modo semelhante a como o faz também a Astrologia e alguns outros oráculos como o I Ching.
Para compreender melhor como se estabelecem ditas relações utilizando estes arcanos, poremos dois exemplos: o Rei de Copas estabelece um vínculo entre o mundo do espírito (Rei) e o psiquismo inferior (copas). Segundo a linguagem cabalística que temos utilizado, poderíamos chamar esta carta de "Atsiluth em Yetsirah", já que relaciona o fogo (Rei) com a água (copas), e nos pode ajudar a decifrar a influência do espírito em nosso psiquismo individual; outro: um Pajem de Espadas (Asiyah em Beriyah), estar-se-á referindo, pois, à relação do mundo material com os arquétipos puros da criação, ou seja, da terra com o ar; desta maneira, cada uma das 16 Cartas da Corte se vinculará então a 2 elementos e dois mundos, vendo-se também nelas as influências que um plano exerce em outro.
As Cartas da Corte são também (como os elementos e os mundos) o símbolo da hierarquia quaternária que rege e ordena o universo, a natureza, as sociedades e os homens. Disse-se que estas últimas 16 cartas respondem a um quaternário referente ao que a tradição indiana entende pelas castas, inclusive as relacionando com a influência e o poder que essas castas têm no devir histórico. Desde esse ângulo de visão, os reis corresponderiam aos sacerdotes (ou imperadores-sacerdotes), as rainhas à nobreza e aristocracia, os cavaleiros à burguesia comercial, política e administrativa, e os pajens aos camponeses, peões, funcionários e pessoal de serviço. Conquanto essas divisões existem, e são fundamentalmente espirituais e simbólicas, nada têm que ver com as concepções atuais de classe, baseadas no econômico, cultural ou racial. Desde faz muitos séculos os filhos de um mesmo casal podem pertencer a castas espirituais diferentes.


 
2
AS QUATRO IDADES
 

Para a tradição indiana, "de cada poro de Brahma brota um universo a cada instante", e um ciclo de vida de um universo é chamado Kalpa, ao qual se representa como uma respiração desse Ser invisível. Um Kalpa está por sua vez dividido em quatorze Manvántaras, sendo cada um destes últimos um ciclo humano completo de existência, ou um “dia” da terra, o qual por sua vez é subdividido em quatro yugas, ou sub-ciclos, tal como às quatro idades dos gregos.
Podemos encontrar nas mitologias dos povos a recordação de um tempo primordial; um paraíso perdido –ou Idade de Ouro– na qual o homem vivia em perfeita harmonia com o cosmos e a natureza, em “estado de graça” e perene presença do Espírito. Nesse illo tempore, que os indianos denominam Satya Yuga, os homens se identificavam com os deuses, e a verdade, como a montanha, era visível para todos. Foi desses antepassados míticos que a humanidade herdou a cultura verdadeira e os valores espirituais mais elevados. No entanto, em razão das leis cíclicas, esse tempo foi seguido por outras idades, cada vez mais restringidas, nas quais se foi perdendo, pouco a pouco, o estado virginal das origens, os deuses caíram e a verdade teve que se ocultar no interior da caverna, no mundo subterrâneo, e revelar-se unicamente a uns poucos.
À Idade de Ouro ou Satya Yuga, seguiu uma de Prata ou Treta Yuga; depois veio a de Bronze ou Dvapara Yuga; e finalmente a de Ferro ou Kali Yuga que, segundo dados astrológicos tradicionais, está a ponto de chegar a seu fim.
Observemos agora dois ciclos: um, o de 25.920 anos, ao qual nos referimos no Módulo II, título 54; o outro, mais amplo, de 64.800 anos, relacionado numericamente com aquele. Uma maneira de vê-los é divididos em quatro partes iguais, em cujo caso a cada uma das fases do primeiro seria de 6.480 anos e as do segundo de 16.200. Mas outra forma tradicional de subdividir estes ciclos, que nos dá outra perspectiva sobre os mesmos, é a qual obtemos utilizando a lei da Tetraktys pitagórica (10 = 1 + 2 + 3 + 4), em cujo caso se atribui a cada uma das idades os seguintes números:
         10 = Ciclo de:    25.920 anos 64.800 anos 
          4 + Satya Yuga = 10.368 + 25.920 +
          3 + Treta Yuga =   7.776 + 19.440 +
          2 + Dvapara Yuga =   5.184 +  12.960 + 
          1 Kali Yuga    2.592 =   6.480 =


    25.920 64.800





Por isso, desde o ponto de vista do primeiro ciclo pode se ver o começo do Kali Yuga numa data muito próxima ao século VI a.C. (faz 2.592 anos), enquanto desde a perspectiva do segundo esse começo se remontaria a 6.480 anos antes do fim de ciclo. Em todo caso é notável observar que os dados da tradição nos mostram que ambos os ciclos estão chegando a seu final, e que nos encontramos num ponto de transição, fato que a sua vez anuncia o advento de uma nova Idade.


 
3
ARITMOSOFIA
 

As Magnitudes Lineares e Suas Proporções. As civilizações do Extremo Oriente e as pré-colombianas tomaram o número cinco como seu modelo matemático. Os pitagóricos o fizeram com o número dez. Isto supõe uma perfeita concordância já que o cinco corresponde ao módulo dos dedos de uma mão e o dez ao das duas. A mão, ou as duas mãos (e ainda em alguns casos a soma dos dedos das mãos e os pés = 20), constituiu o modelo numérico de onde derivaram todos seus conhecimentos macrocósmicos e microcósmicos, que desde então não são pouca coisa, já que com este módulo foram construídas as extraordinárias civilizações que hoje nos assombram e que chegaram a calcular as distâncias e revoluções das estrelas, inclusive o terceiro movimento, como de pião, da terra, chamado precessão dos equinócios, que ela efetua cada 25.920 anos. Isto se deve às analogias que estabeleceram entre todas as coisas e que a ciência mais moderna e seu instrumental confirmam, pois é óbvio que inumeráveis gerações de homens –ainda que vivessem 900 e 700 anos como na Bíblia se afirma– não poderiam ter uma experiência deste último fato. Daremos só um breve exemplo das proporções lineares referidas às potências de dez (as duas mãos).


Se o homem é dez elevado a zero (100), poderíamos dizer que sua habitação é 101. Dez à segunda potência (102) seria o campo que lavra um agricultor e que rodeia sua casa. 103 seria equiparável à comarca que habita, enquanto 104 constituiria sua província e 105 seu país. Dez à sexta potência (106) seria seu continente e 107 o mundo inteiro. 108 constituiria o sistema solar e 109 o Universo infinito; nesse caso dez à décima potência que seria?
Quer-se destacar que a série decimal é especialmente apta para as medidas lineares, enquanto a baseada no seis –ou em sua metade o três, e seu dobro o doze– e particularmente no nove (igual a 32 ou a 3 + 6) está relacionada com as medidas ou módulos circulares, ou seja aqueles que têm evidente conexão com o perímetro da circunferência (360°).


 
4
ALGUMAS ADVERTÊNCIAS BASICAS
 

– Todos os sábios e todas as antigas e altas civilizações destacaram o símbolo e a via simbólica, como veículo esotérico e mágico de realização, para aceder aos arcanos mais secretos e ocultos dos mistérios cosmogônicos, ou seja, do Homem e do Universo.
– Devemos considerar a diferenciação que há entre o esotérico e o exotérico, como duas leituras diferentes –e opostas– da realidade. O esotérico se relaciona com o invisível, oculto e secreto, tal o ponto central do círculo (ou eixo da roda); e o exotérico com o periférico, superficial, externo e com a circunferência (que se realiza tomando o ponto como princípio de partida) e assim mesmo com o movimento mutável da roda.
– O menor é o mais poderoso.
– Como bem se diz, o Ensino chega quando o estudante está a ponto para recebê-lo. A saber: quando sua necessidade é absolutamente imperiosa.


 
5
NOTA:
 

A esta altura do Ensino, há a possibilidade de que você ainda não saiba ou compreenda com clareza qual é verdadeiramente o conteúdo deste manual. Não o dê então por sabido –como costuma ser o habitual– e volte a estudá-lo relendo em profundidade e com suma lentidão (retardando o tempo) tudo o que nele se contém. É muito mais nobre e produtiva esta humildade, ou melhor, esta franqueza para consigo mesmo, que supor o que ainda não se sabe ou colocar uma rápida etiqueta àquilo que se quer despachar para sair outra vez do passo. Estas releituras lhe brindarão mais de uma surpresa e lhe oferecerão numerosas perspectivas, com as quais, neste momento, talvez, você não creia contar. Pensamos que é válida e nos está permitida a sugestão anterior avalizada pela experiência na realização de nosso Programa.


 
6
O MESTRE
 

Queremos aqui dizer umas palavras sobre alguns mal-entendidos vinculados ao "mestre", próprios da confusão em que se existe, que obedecem a uma dialética descendente do ciclo que o Ocidente e sua influência mundial exemplificam, já que este pensamento profano se infiltrou no mundo inteiro. Não nos referimos exclusivamente a determinadas apreciações que se fazem sobre o particular, envolvidas com o simples poder pessoal em qualquer de suas formas, nem às versões "cinematográfico-televisivas" sobre o tema. Tampouco a uma forma de "sublimação", tanto seja esta dos temas que se ensinam, como daqueles que os distribuem. Teme-se sempre, nestes casos, uma falsa perspectiva com respeito à autêntica espiritualidade, que é suplantada por adesões afetivas, ou empanadas pela penumbra de uma "crença" demasiado materializada. Todas estas possibilidades podem se enquadrar numa perspectiva linear e estreita, numa visão literal e –ainda que não se queira– racionalista, quando não sentimental e seguramente dependente. Estamos nos referindo às falsas idéias a respeito do "Mestre Superman", aquele que possui maiores poderes físicos e psíquicos do que os demais mortais, e ao tabu dos "dons" e do "ascetismo" deste personagem, ao que se lhe destaca por seus egos, e não por seus Ensinos Metafísicos diretamente conectados com o Espírito. Para pior, como alguns destes "poderes" e "dons" simbólicos são verídicos quanto àqueles que vão superando suas provas de Iniciação –ainda que jamais vistos desde uma perspectiva grosseiramente materializada– criam-se muitas confusões que, tal como são, não somos capazes de resolvê-las.
A rigor, na Tradição Hermética e na Alquimia, a Doutrina e o Ensino que o estudante aprende são um só, e este é o Conhecimento da Cosmogonia, a saber: a interpenetração de outros tempos, espaços, ritmos e estados de consciência diferentes dos ordinários, que são realidades tão autênticas –quando menos– como as concepções tomadas do cúmulo de esfumaturas e ineficiências que se nos oferece a sociedade contemporânea. Nesta tradição, os introdutores e iniciadores não são considerados "mestres" no sentido de exercer uma função de tipo psicológico ou de autoridade institucional, ou mesmo de exemplaridade em determinados usos e costumes que o mundo pode mudar uma e outra vez a seu desejo, de acordo a suas modas que perenemente ficarão na relatividade das formas. Não se faz, pois, tanta questão quanto ao "mestre", porque se ensina que a Realização é individual e que se a deve conseguir cada qual por si, inevitavelmente. Pelo que se aconselha ao leitor que não ponha em outros o que em verdade deve trabalhar em si.
Devemos recordar que, segundo Platão, seu mestre Sócrates identificava sua função com a de um obstetra, o que equivale a dizer que não considerava seu ofício como algo idealizado e magisterial segundo o imaginam nossos contemporâneos. O verdadeiro Mestre é uma energia celeste que se faz em nós, já que em nossa interioridade existe essa possibilidade. O autêntico Mestre é divino, é o Cristo interno, como o foi para os cristãos primitivos e como o é para todos aqueles que não têm uma visão infantilóide das coisas. A dificuldade de aceitar os ensinos deste Programa e realizá-los reside nesta questão, ou seja, que o leitor deve fazer seu trabalho por si, à intempérie, em solidão, sem o amparo que lhe brinda o que vulgarmente se entende por um mestre, a identificação com uma etiqueta ou esta ou aquela "instituição" mais ou menos aceita pelo meio.


 
7
EGITO
 

"... dado que o país santo de nossos antepassados se acha no Centro da Terra e corresponde à zona média do corpo humano, santuário do coração, habitáculo da alma, por esta razão, filho meu, os humanos desta região, não menos dotados do que os demais pelo que faz ao resto do corpo, são excepcionalmente mais inteligentes do que os restantes e mais sábios, dado que nasceram e cresceram no lugar do coração." (Hermes Trismegisto, Ensinos Secretos de Ísis a Hórus.)
A importância do Egito na história de nossa tradição é fundamental, já que Kemi (nome dado ao Egito antigo, que significa "terra negra", origem da palavra Alquimia), é berço de toda a cultura ocidental e particularmente do Hermetismo.
Segundo Plutarco, os egípcios comparam sua terra a um coração que representa também o céu. Esta visão, que concebe ao espaço habitado pelo homem como um reflexo do celeste e como uma região central e sagrada, é comum a toda civilização que provém da Tradição Primordial, como é o caso da egípcia, que compartilha com as altas culturas as verdades essenciais.
Thot, o deus egípcio que posteriormente tomará entre os gregos o nome de Hermes, é o que ensina a Ísis a arte sacerdotal que esta deusa transmitirá a seu filho Hórus. Estes mistérios são passados aos hierofantes, guardiões e transmissores de uma Sabedoria divina e esotérica, que se deposita e se revivifica nos símbolos, mitos e ritos dessa grande cultura, que com outras formas será também conhecida por gregos e romanos e pelo Ocidente medieval e renascentista.
O esquartejamento de Osíris nas mãos de Seth e a restituição que de seu corpo realiza Ísis, unindo o disperso, foi no Ocidente o modelo simbólico da Iniciação (morte e ressurreição). Guiados por Hermes e com o auxílio de Ísis, viajam os mortos para a verdadeira morada, num trajeto que é análogo à viagem iniciática. Ísis, no Egito, como Deméter em Elêusis, é a que institui as iniciações entre os homens e a que ensina seus ritos.
É clara a relação entre Egito e a cultura judaica. Recordemos que José, o filho de Jacó, foi vendido por seus irmãos a uns mercadores ismaelitas que lhe levaram ao Egito e, graças a seus dotes adivinhatórios, chegou a ser vice-rei, governando como outro faraó. Ali recebeu posteriormente seu pai e seus onze irmãos (Gênesis, 37 a 50) e, a partir deles, as doze tribos de Israel se engendraram em terras egípcias nas quais permaneceram até tempos de Moisés que, como é sabido, foi educado na corte faraônica.
É interessante também observar que José e Maria com o menino Jesus, por conselho de um anjo que apareceu em sonhos, fugiram ao Egito para escapar da matança de Herodes, “a fim de que se cumprisse o que tinha pronunciado o Senhor por seu profeta, dizendo: “Do Egito chamei o meu filho” (Mateus, 2, 15)”. Alguns afirmam que Jesus regressou a esse país durante sua vida oculta.
Existe um paralelismo indiscutível entre os deuses egípcios e os das mitologias grega e romana, o que demonstra uma clara influência da cosmovisão egípcia sobre a greco-romana, que se confirma com o fato de que vários pensadores pré-socráticos, encabeçados por Pitágoras, receberam boa parte de sua formação diretamente dos iniciados egípcios, que teriam transmitido a este último muito dos conhecimentos matemáticos, geométricos, musicais e astronômicos que nutriram nossa cultura até o dia de hoje.
Também é notável que tenha sido em Alexandria, no delta do Nilo, onde se desse uma assombrosa reunião de sábios de diversas tradições, nos séculos II, III e IV de nossa era, produzindo-se uma síntese da gnose egípcia, grega, romana, judaica e cristã, que dali passou ao Ocidente medieval, alumiando toda a história da Europa e do Próximo Oriente.
O antigo Egito se localiza na origem do Kali-Yuga e com segurança é a ponte que une esta era com as anteriores. As similitudes entre esta civilização e as culturas americanas pré-colombinas (especialmente no simbolismo construtivo) fizeram pensar a muitos que ambas provêm da desaparecida Atlântida.


 
8
PERFEIÇÃO OU PERFECCIONISMO?
 

Por quê? Por que o infinito amor do Universo se manifesta na confrontação de suas criaturas? Por que o terremoto da ilusão? Para que existe um mundo imperfeito onde o mau e a injustiça dominam?"
Tratemos de reflexionar: quem é o que fala, o que divaga desta maneira? Resposta: um perfeccionista, um interessado em mudar o rumo das coisas, do plano divino. E poderíamos reperguntar a esse personagem: De que serviria criar o melhor de acordo às normas de uma organização ilusória baseada nos benefícios da ciência e da saúde? Quem poderia "melhorar" de acordo ao estabelecido por uma entidade imaginária? Em todo caso, por que se deveria "melhorar", e em que aspecto? E quem seria capaz de certificar essas "melhorias", esse status anímico, esse "conforto espiritual"? Todo homem é mortal, tarde ou cedo acaba; sua viagem verdadeira é um retorno às origens. O ego chamado, hoje, desejo de "perfeição" relativo a certos tesouros, que não são sempre o sexo ou o dinheiro, senão que constituem para cada qual o que imaginariamente crê ser, ou suas aspirações a respeito, é algo perigosíssimo; uma mania que pode ser assassina.
Educar a outros no erro, seja no de uma psicologia higiênica, ou no de uma moral legalista, ou uma cultura desodorizada (quando não se os lança a uma concorrência sem meta verdadeira) é aceder ao caos ainda que pareça o inverso. É pretender "o melhor" deixando o bom de lado.
Se a perfeição é boa e desejável, o perfeccionismo pode chegar às vezes a ser o contrário dela. Por outro lado, a perfeição é algo difícil de obter e o perfeccionismo algo demasiado fácil de conseguir, até o ponto de constituir-se em algo mecânico, completamente afastado da sensibilidade. Toda perfeição de alguma maneira é uma imagem da Perfeição e portanto uma aspiração por aquilo que se desconhece e se anseia receber. O perfeccionismo é ativo e pretende efetuar lucros para utilizar dividendos. Esta atitude é racional enquanto a primeira é intuitiva. Em termos cristãos a perfeição aspira à Vontade do Pai, enquanto o perfeccionismo tende à vontade do homem. Nesses mesmos termos se afirma: "Sede perfeitos como vosso Pai Celestial é Perfeito", mas está bem claro que esse Pai Celestial não está preocupado por fomentar sua própria perfeição, constituir a demagogia nem por "cultivar seu espírito". Desde que haja uma identidade entre esse Pai e o Cosmos, porque de jeito nenhum Ele está fora de sua própria expressão. Se o leitor de Agartha tende à perfeição, não é por um perfeccionismo auto-suficiente que presume de bastar-se a si mesmo, impressionar a terceiros, ou instituir fábulas. Pelo contrário, seus estudos, meditações, exercícios e práticas tendem à identificação com as leis e entendimento do Cosmos, pois deste modo conhecerá a perfeição do Pai.


 
9
O TRABALHO
 

No terceiro capítulo do Gênesis se narra como Yahvé disse a Eva: "Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez", e a Adão: "Por ti será maldita a terra, com trabalho comerás dela todo o tempo de tua vida; dar-te-á espinhos e abrolhos e comerás das ervas do campo. Com o suor de teu rosto comerás o pão."
É importante destacar que isto acontece por conseqüência da tentação da serpente e da ingestão do fruto proibido, ou seja, como uma pena, imediatamente antes de serem expulsos do Paraíso. Em outros lugares deste manual se mencionou o significado da Queda em relação com as Eras e Ciclos, e o do simbolismo do Paraíso, vinculado a um "estado edênico", onde, por verdadeiro, todo esforço resultava desnecessário, estado que se espera recuperar. No entanto nos interessa tratar aqui o tema do trabalho, e em particular assinalar o conceito totalmente equivocado que sobre ele possui a sociedade em que vivemos, o que constitui às vezes um verdadeiro impedimento para o Ensino que esta Introdução à Ciência Sagrada propõe.
Referir-nos-emos em primeiro lugar à primazia da contemplação sobre a ação, idéia presente no hinduismo, no budismo, no judaísmo, no islã e, em geral, em todas as tradições. No cristianismo isto resulta nítido. Conta Mateus (VI, 26-30) que Jesus disse, no célebre Sermão da Montanha: "Olhai como as aves do céu não semeiam, nem ceifam, nem encerram em celeiros, e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vocês mais do que elas? Quem de vocês com suas preocupações pode adicionar a sua estatura um só côvado? E quanto ao vestuário, por que vos preocupar? Aprendei dos lírios do campo, como crescem; não se fatigam nem fiam. Pois eu vos digo que nem Salomão em toda sua glória se vestiu como um deles." É conhecida também a vinculação simbólica que as duas irmãs de Lázaro, Marta e Maria (a ação e a contemplação), têm a respeito, e o juízo do Mestre sobre qual das duas leva a melhor parte.
Por outro lado, podemos observar, sem nos esforçarmos demasiado, que esta preferência pela contemplação é totalmente alheia ao meio no qual vivemos, assinalado por uma incessante ação, por uma projeção de desejos que, por serem tais como são, jamais poderão se cumprir, por uma angústia e insatisfação permanentes que desembocam na ignorância e necessariamente na violência e na destruição. Mas o que verdadeiramente é alarmante é que esta ação –qualquer que seja o sentido que ela tenha– é considerada como um bem em si; a tal ponto que a discutir, ou não, praticá-la é ser mau visto, ou condenado por esse meio, pois o tema passou a ser uma questão moral nascida da associação trabalho-bondade. No entanto, queremos esclarecer que nada temos contra um trabalho que seria verdadeiramente sagrado, e portanto autenticamente dignificante, se estivesse guiado pela Vontade e pelo Livre Arbítrio. O que se critica é o conceito moderno do trabalho pelo próprio trabalho, ou seja, sem nenhuma finalidade de ordem metafísica, e sua equiparação a um fim e não a um meio veicular. Conquanto esta última crítica poderia ser aplicada a outras áreas da atividade contemporânea (a arte pela arte, a ciência pela ciência, o psíquico e o emocional, simplesmente pelo psíquico e emocional, etc., etc.), o conceito moderno do trabalho –que em termos sociais só faz do homem um fator da produção econômica, individual ou coletiva– tem um ônus de alta potência destrutiva, quanto sua obrigatoriedade e necessidade geram no alma uma série de turbações morais e impedimentos materiais numa sociedade tão injusta como a qual vivemos.
Numa sociedade tradicional ou primitiva os "trabalhos" não são tais como conhecemos, pois não levam implícita a insatisfação do que só deve ser efetuado com sofrimento, a desagrado, ou sob a pressão de um peso arbitrário e alienante ao qual não se lhe encontra finalidade última, senão mal a mera subsistência num mundo sem sentido. Pelo contrário, nas sociedades arcaicas os homens realizavam seus trabalhos de maneira ritual e de acordo com suas funções, nascidas de suas possibilidades, que os fazia mais aptos para aqueles ou estes labores, que cumpriam então com gosto, em perfeita relação e interdependência com os outros do organismo social. É paradoxal que em certos manuais escolares e ainda em certos textos universitários se fale ainda da "escravatura" como uma etapa historicamente superada quando, um simples olhar ao meio em que habitamos, faz-nos ver que nossos contemporâneos não só são escravos do trabalho, e como tais vivem, senão das funestas conseqüências desse trabalho sem razão, começando pelas correntes da acumulação de riqueza –individual e social– pela própria riqueza, a saber: novamente a substituição de um meio por um fim. Queremos recordar aqui outro fragmento do Sermão da Montanha: “Não acumuleis para vós tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração."
O trabalho é para o homem, não o homem para o trabalho. A vida é para o homem, não é o homem um devedor ou um escravo da vida. "O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado;" (Marcos II, 27).


10
CABALA
 

Já falamos das três letras mães, as sete duplas e as doze simples do alfabeto hebraico. Logo a seguir, apresentamos três quadros onde essas letras figuram com seu lugar no alfabeto, seu valor, e em particular com um determinado signo ao que estão vinculadas de modo simbólico.
Recorde-se o leitor que a Cabala constitui um manancial de inter-relações e associações de imagens que possibilitam a faculdade de conhecer de maneira intuitiva e direta.
As três mães são:
 
LUGAR NOME VALOR SIGNO
1 Alef 1 O homem
13 Mem 40 A mulher
21 Shin 300 A Flecha
 
As sete duplas são:  
 
LUGAR NOME VALOR SIGNO
2 Beth 2 A boca
3 Guimel 3 A mão que pega
4 Daleth 4 O seio
11 Kaf 20 A mão que aperta
17 Fe 80 A boca e a língua
20 Resh 200 A cabeça do homem
22 Tav 400 O tórax
 
As doze letras simples são:
 
LUGAR NOME VALOR SIGNO
5 He 5 O alento
6 Vau 6 O olho e a orelha
7 Zayin 7 O camelo
8 Heth 8 Um campo
9 Teth 9 Um telhado
10 Iod 10 O índice
12 Lamed 30 O braço aberto
14 Nun 50 Um fruto
15 Samekh 60 Uma serpente
16 Ayin 70 Um laço
18 Tsade 90 Um telhado
19 Qof 100 O machado

Nota: Em diferentes interpretações cabalísticas, estes signos adquirem diversos significados em virtude das diferentes associações às quais se prestam e fundamentalmente quanto à pluralidade de sentidos que os símbolos possuem, sem que tenham porque se invalidar uns em benefício dos outros.


 
11
A ALMA
 

Números e letras conjuntamente formam um código gráfico cuja origem é teúrgica, já que nas primeiras expressões deste tipo as grafias são "mágicas" para passarem, posteriormente, a ser ideogramáticas, ou seja, que expressam seus próprios sentidos conceituais. A multiplicação destes signos e sua alteridade fazem possíveis (por exemplo, na escala numérica pitagórica) todas as combinações e, portanto, seu discurso indefinido, ou seja, que fixam simbolicamente a totalidade cósmica, mediante um "sistema" no qual nada fica excluído, salvo o que nunca poderá ser exprimido, origem de qualquer manifestação. Esta é a realidade do símbolo, que revela a ordem criacional na qual todos os seres se acham compreendidos (e numerados como nas cédulas de identidade, onde se utiliza ademais uma convenção como as impressões digitais, que também não podem repetir-se em sua combinatória, valha a comparação). Os pantáculos (pequeno todo) igualmente condensam e cristalizam, tal qual a simbólica alquímica e hermética (Boehme, Agrippa, etc.). Deve ser assinalado que esta atividade talismânica se encontra em todos os povos. Só destacar a escritura maia e os hieroglífos egípcios. Desta forma se encontra viva na atualidade entre os povos "primitivos".
Segundo isto, a alma humana também seria um número que se individualizaria numa cifra –ou selo– onde sempre está presente a unidade, como a deidade está constantemente implícita de modo imanente no desenvolvimento de qualquer discurso genésico.
Mais além deste discurso, nada entra nem sai, nem nada existe de nenhuma forma, inclusive a alma individual ou universal, a qual, portanto, não vai a nenhum lugar. Pelo que, unida a alma à manifestação, devemos situá-la no plano intermediário entre o Criador e sua obra. Se isto é assim, a alma deve conquistar para si, ou seja, adquirir-se um "corpo de luz", pois esse é o meio "plástico" (por dizê-lo de alguma maneira) que nos leva ao Ser, que é identificado de modo natural com a Unidade aritmética, o que é, por sua vez, o passo necessário para a concepção do Não Ser –o En Sof da Cabala– e finalmente a da Não dualidade, que é verdadeiramente o que os indianos entendem como Suprema Identidade. Nesta última tradição, igualmente que em muitas outras, esta conquista ou "ativação" das potências da alma (o "polimento da pedra" na Maçonaria), é uma possibilidade que cada ser porta em si mesmo, e também uma realidade que compete especificamente ao homem, daí a necessidade unânime de trabalhos, provas e ritos que efetivam esta União com o Ser, a ontologia como passo prévio ou suporte da metafísica, ou seja o sacrifício desse Ser (que desde então já não é um simples ego) no altar da "nuvem do não saber". Supõe-se que esta é a última entrega e também o sentido da alma individual, como veículo, símbolo, ou número, ou seja, como a assinatura do Criador –Verbo ou Logos– no mundo; um veículo de acesso ao Espírito, quer dizer, para a dissolução naquilo que tudo fundamenta, mas que, desde então, não existe, tal qual os objetos que os sentidos percebem ou o cérebro elabora. Desta forma, notar a grande quantidade de confusão que se produz com respeito a estas noções que, em geral, as religiões abraâmicas desconhecem.
Se o Mistério mais profundo, ou seja, a manifestação do Não-Ser no seio da Criação, é compatível –e ainda coetâneo– com o Imanifestado, igualmente a alma, que, em seu conjunto, não é individual, concentra-se num ponto onde se sintetiza, constituindo o Ser, como o símbolo mais claro da Unidade, a partir da qual tudo é gerado, ainda no âmbito das possibilidades supracósmicas.
Com freqüência se esquece que todas as coisas podem ser e não ser ao mesmo tempo. Depende às vezes de que se adote um ou outro ponto de vista.
A conquista da alma é chegar ao próprio Destino, ou seja, ser o que sempre se foi.


 
12
GRÉCIA
 

No ponto de intersecção entre o extremo da Europa, Ásia Menor, e África (Egito), a origem dos povos gregos ou helenos é indo-européia e, através desta e da corrente tradicional (Apolínea) vinda do Norte, a Tradição Grega expressa uma das confluências da Tradição Primordial e da Atlante. Esta união das tradições é uma origem, um oriente [articulado dos séculos VII a V] para um tempo posterior, que através do Império Romano, e das sucessivas recorrências à Antigüidade que se darão na história, levará os mistérios ao Ocidente, numa base de pensamento mítico. O pensamento antigo, representado por Homero (Ilíada, Odisséia) e Hesíodo (Teogonia, Os Trabalhos e os Dias), recolhe uma Teogonia e uma Cosmogonia arcaicas, expressadas também através de uma geografia sagrada que é a da Antiga Grécia, e nas quais se conserva a memória das 4 Idades da Humanidade, designadas com os nomes dos metais que simbolicamente lhes correspondem, Ouro, Prata, Bronze e Ferro. À ordem, ou cosmos tradicional estabelecido por aquelas, unir-se-á mais tarde Apolo, deus da luz, da unidade polar e portanto da harmonia, sendo Delfos o centro de toda Grécia, o omphalos (umbigo), sustento da unidade dos povos que a formavam, enquanto Elêusis e outros santuários análogos constituíam o coração, sendo os depositários e transmissores dos Mistérios, nos quais se acham também as origens sagradas do teatro, pois eles constituíam a representação das façanhas dos deuses e dos homens no cumprimento do destino, que tem por modelo a consecução de uma plenitude que corresponde a sua Identidade Suprema. São os mistérios de Dionísio, vinculados com os Órficos, anteriores, e traduzidos posteriormente na epopéia da alma do homem e do mundo, recriada nos de Elêusis; e são desta forma expressados de outra maneira, os do Número, que constituíram a essência do pensamento pitagórico e que se reproduzirão na Teoria das Idéias de Platão.
Sócrates, mestre de Platão e herdeiro da essência supraformal do conhecimento, será o que articulará esse pensamento na adaptação a que teve lugar simultaneamente em todo o globo, no século VI antes de Cristo; sua dialética, não obstante, será a arte do obstetra, como ele definia sua função. O pensamento grego, recolhido por Roma e revivificado pelos hermetistas e neoplatônicos do Renascimento, transmissor também do pensamento egípcio graças a Hermes, é um dos que formam o Ocidente. Tanto hoje como ontem, superar sua leitura profana, representada ultimamente na história dos recentes quatro séculos, é ter acesso ao âmbito do espaço sagrado, regenerado pela Iniciação que remonta o homem à Idade de Ouro. Já em seu tempo, a visão platônica foi irrealizável, como a própria morte de Sócrates anunciava, e os males da Grécia histórica, o materialismo, o racionalismo, a falsa dialética, e a preeminência outorgada à quantidade, são como outros os de um fim de ciclo, e os de um mundo profano que não vai em seus estudos além de Aristóteles, com o qual a ontologia se reduz a uma perspectiva materialista, e a identidade do ser e do conhecer só se acentua em seu reflexo analítico, ainda que lhe corresponda também ao ordenamento de boa parte dos aspectos particulares, que é tal quando não progride à sistematização.
Sua mitologia, as histórias de seus deuses e seus heróis e heroínas, informaram a alma do Ocidente e alimentaram as imagens de nossa cultura, e tudo isso ainda quando a "estética" tenha ocultado o símbolo e, inclusive, tenham sido invertidos os autênticos valores que eles encarnavam.


 
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ROMA  I
 

Roma aparece no palco da história quando os povos da Hélade grega, que descendiam em grande parte da Tradição primordial (o culto que estes professavam ao Apolo hiperbóreo e ao Zeus olímpico é um exemplo disso), estão em plena decadência crepuscular. Já nas origens míticas de Roma encontramos a importante herança dos povos helenos, pois como conta Virgilio na Eneida, o príncipe troiano Enéas –herói solar como Herakles-Hércules– é eleito por Júpiter para fundar na região do Lácio ("onde antanho Saturno manteve seu cetro...") uma colônia da qual surgiria posteriormente Roma. Por outro lado, na mesma Eneida (livro VI) conta-se que de Enéas surgiria a estirpe da qual descenderão os maiores estadistas e imperadores romanos, entre os quais destacamos a Julio César e seu sobrinho César Augusto.
Da mesma forma, quase todos os nomes dos deuses romanos foram versões latinizadas dos gregos: Saturno por Cronos, Júpiter por Zeus, Marte por Ares, Mercúrio por Hermes, Vênus por Afrodita, Minerva por Atenas, Baco por Dionísio, etc. A mesma influência está presente nas artes, na literatura e na filosofia. Neste sentido é notória a influência de Platão e seus sucessores sobre Cícero, Varrão, Sêneca, Ovídio, Horácio e o já mencionado Virgílio, o "príncipe dos poetas latinos", sem nos esquecer de todos aqueles filósofos e teúrgos romanos ou romanizados que como Nigidius Figulus, Ário Dídimo, Quinto Sextius, Cornelius Celsus e Apuleio (iniciado nos mistérios dos sacerdotes egípcios e conhecedor das doutrinas herméticas surgidas em Alexandria), fizeram parte da escola neoplatônica e neopitagórica, contribuindo à difusão de seu pensamento por todos os cantos do Império. Inclusive alguns imperadores, como por exemplo Juliano, participaram inteiramente das idéias platônicas.


Pesando tudo isso, não se deve pensar que a civilização romana fora uma cópia calcada da grega. O que, sim, é verdadeiro é que a partir de um dado momento ambas constituíram uma só cultura, a greco-latina, que longe de desaparecer continuou viva no Ocidente até os próprios alvores dos tempos modernos.
No entanto, se nos referimos à tradição romana em si mesma vemos que esta pertence ao grande tronco da civilização indo-européia, do qual surgiriam também os povos celtas, indianos, gregos, germânicos e tantos outros, todos os que tinham um vínculo mais ou menos direto com a tradição primordial. Esse vínculo se manifesta claramente nas origens históricas de Roma com a existência dos sete reis legisladores, que são análogos aos sete Rshi da tradição indiana, seres míticos encarregados de conservar e transmitir a Sabedoria e o Conhecimento em cada novo ciclo da humanidade. E isto é o que representam os sete reis com relação a Roma: transmitem a esta as idéias-força que permitirão o desenvolvimento de sua civilização. Este é o caso de Numa, que cria o colégio sacerdotal e o primeiro calendário, e é significativo que seu nome esteja invertido silabicamente com respeito ao de Manu, que na tradição indiana simboliza o Ancestral e Legislador primordial, como se efetivamente a função de Numa em relação a Roma fora idêntica à de Manu com respeito ao conjunto da humanidade.
Mas o fundador de Roma, aquele que traça os limites sagrados da cidade e do qual deriva o nome da mesma, não é outro que Rômulo, o primeiro dos reis legisladores. Foi capaz, com a força espiritual que outorga o saber-se possuidor de um destino unido ao supra-histórico e transcendente, de infundir nos povos itálicos (contando entre eles os etruscos e os sabinos) a idéia do Império sob o estandarte protetor da águia, ave celeste e divina por excelência. Na realidade, o Império corresponde a uma antiqüíssima concepção tradicional que se remonta às próprias origens da humanidade, e segundo a qual aquele representa a expressão da ordem celeste e urânica sobre a terra. Nas mais altas culturas tradicionais se menciona, sob diferentes nomes, um mítico "Império do Meio" onde reside o Monarca Universal (o Chakravartî hindu e budista), o Rei de Justiça e de Paz, o Rei do Mundo, que não é outro que o Verbo divino do qual emana a Lei Eterna reguladora da harmonia e da ordem da criação.


 
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AS MUSAS  II
 

No cume do Helicon, montanha sagrada ao norte do Olimpo, achava-se o altar de Zeus, e em seus declives, as fontes que davam a inspiração poética a quem bebia delas (como a de Hipocrene, surgida da rocha por um coice de Pégasus, ou a de Aganipe), de cujas azuladas águas (da cor do éter) também as Musas bebem quando, cansadas, renovam seu vigor depois de dançar em seus prados, nos quais às vezes se manifestam aos homens; também se encontrava naquele Monte o sepulcro de Orfeu, as estátuas dos principais deuses, e o bosque sagrado dedicado a elas e onde, anualmente, eram celebradas junto a Cupido. Em seus brincos se acham as plantas fragrantes, que têm a propriedade de privar às serpentes de seu veneno; em seus declives, como nos do Pindo e do Parnaso, costuma apascentar Pégaso. Também neste último Monte, brotam as fontes da inspiração profética: a de Castália, cujas águas se utilizavam como purificação em Delfos, e se davam ali de beber à Pythia, mana em meio a dois cumes, um dos quais está consagrado a Apolo e às Musas e o outro a Dionísio-Baco. A ambos, invoca-os Dante quando começa a cantar a ascensão que narra a terceira e última parte de sua Comédia.
De suas batalhas, diz-se que venceram em duelo às nove filhas de Pierio, humanas e mortais, que as tinham desafiado no canto, e a quem privaram de seu nome. Também que num duelo semelhante despojaram às Sereias de suas asas e se coroaram com suas plumas, caindo aquelas ao mar. Não obstante é importante assinalar que para Platão (no Mito de Er) e os Neoplatônicos (Proclo) cada Sereia se relaciona com uma das esferas e seu canto à rotação destas, que movem com suas asas, enquanto as Musas presidem sobre cada uma delas na ascensão vertical. Segundo os platônicos, não ouvimos aquelas notas porque soavam quando nascemos e não dispomos de um silêncio capaz de contrastá-las; daí, no entanto, o silêncio sagrado revelado no interior do bosque e vinculado para os gregos com o deus Pã. E bem como a luz solar é um símbolo da Luz Inteligível, há um som não sensível que é a imagem do Logos, da Palavra ou Verbo criador, cujos intervalos ou proporções encontram seu eco no coração do ser humano, veiculando os ensinos que só as Musas outorgam, pois o Cosmos é a Música revelada ao homem:
"Ser instruído na música, não consiste senão em saber como se ordena todo o conjunto do universo e que plano divino distribuiu todas as coisas: pois esta ordem, na qual todas as coisas particulares foram reunidas num mesmo todo por uma inteligência artista, produzirá, com uma música divina, um concerto infinitamente suave e verdadeiro" (Asclépio, 13).


 
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MITRA
 

Deidade de origem índo-iraniana e caldaica (vinculado a Varuna, o Céu, e formando em ocasiões casal com Ahura-Mazda, o deus salvador, em sua luta com Ahrimán, o aspecto tenebroso da criação), Mitra foi adotado por Roma como um de seus principais númenes tutelares, até o ponto de ser considerado como o "protetor e sustento do Império". É de destacar que a época de seu maior apogeu (entre os séculos I e IV) coincide com o florescimento das doutrinas herméticas, gnósticas e neoplatônicas alexandrinas, com as quais o mitraísmo teve sem dúvida seus contatos, beneficiando-se de muitas de suas idéias. Contatos que também existiram com o cristianismo incipiente, como o demonstram as numerosas analogias entre as figuras de Mitra e de Cristo, já observadas por alguns pais da Igreja, como Justino e Tertuliano.
Sua festa principal se celebrava no 25 de dezembro, dia do solstício de inverno, coincidindo assim com o nascimento do "sol invencível" e vitorioso das trevas (dies natalis Solis invicti Mitra). Segundo a lenda, Mitra nasce da "pedra" (petra genitrix) à beira de um rio, portando em suas mãos a espada e a tocha, símbolos associados à Justiça e à purificação pelo fogo e pela luz da Inteligência. Trata-se, pois, de uma deidade eminentemente solar (os gregos chegaram a vinculá-lo com o próprio Apolo, e também com Hércules), o que está claramente indicado na própria raiz mir constitutiva de seu nome, que significa "sol". Assim o testemunha o imperador Juliano (iniciado nos mistérios mitraicos pelo filósofo neoplatônico e pitagórico Máximo de Éfeso) quando se dirige a Mitra nestes termos: "Este Sol, que o gênero humano contempla e honra desde toda a eternidade, e cujo culto faz sua felicidade, é a imagem viva, animada, razoável e benfeitora do Pai Inteligível". Outro significado de seu nome é o de "chuva", mas entendida em seu aspecto de "orvalho" vivificador, símbolo do descenso das influências espirituais.
Num antigo hino iraniano se diz que Mitra está sempre desperto e vigilante, observando cuidadosamente todas as coisas. Vai à chamada dos débeis, e seu poder é empregado sempre a favor do gênero humano. Mitra é, efetivamente, o amigo e protetor dos homens, o que lhes infunde as virtudes heróicas: o valor, a força interior, a lealdade, a fraternidade, e como deidade intermediária entre o mundo superior e o inferior, é também (tal qual Hermes) o guia que os conduz em sua ascensão para a origem através das esferas planetárias. Neste sentido, assinalaremos que entre os romanos os mistérios de Mitra se dividiam em sete graus, em correspondência com a escala planetária, mas disposta na ordem seguinte: Lua, Vênus, Marte, Júpiter, Mercúrio, Sol e Saturno. Ditos graus recebiam os nomes de Corvo (Corax), Oculto –ou Noivo– (Cryphius), Soldado (Miles), Leão (Leo), Persa (Perses), Correio –ou Companheiro– do Sol (Heliodromus), e por último Pai (Pater). Os três primeiros constituíam um período de preparação, durante o qual o adepto devia morrer para sua condição anterior, o que está claramente expressado pelo Corvo, cuja cor escura simboliza precisamente a fase de nigredo ou morte alquímica. Durante esse período, era instruído pela "força forte das forças" e pela "Reta incorruptível", instando-lhe a um "persistir da potência da alma numa pura pureza". Os mistérios culminavam com a obtenção do grau do Pai, através do qual –como hierofante (pater sacrorum, pater patrum) e chefe da comunidade mitríaca– atingia-se o Princípio incondicionado, morada dos Bem-aventurados, "aonde já não existe um aqui ou um ali, senão que é calma, iluminação e solidão como num oceano infinito".
Os ritos se celebravam em cavernas e criptas subterrâneas chamadas mitreums, que constavam de dois níveis, um superior e outro inferior, representando respectivamente o céu e a terra. Nessas criptas se encontravam figurados os símbolos fundamentais da cosmogonia hermética: os círculos planetários, a roda zodiacal, e os ciclos dos elementos, onde o fogo aparecia como o principal agente purificador. Em cima do altar, encontrava-se a efígie de Mitra no momento de imolar com sua espada o touro primordial ("Mitra tauróctono"), cujo sangue vertido em terra a fecundava, surgindo dela o trigo e o "pão de vida", alimento de imortalidade. Como manifestação da potência geradora da natureza, este animal é também o símbolo dos influxos lunares e telúricos, que determinam a existência do mundo inferior, e que no homem se expressam através de sua ânima ou energia vital. É dita energia, em seu estado de "pedra bruta", que Mitra "doma" e "sacraliza" quando cavalga o touro, direcionando-a num sentido superior, até convertê-la no motor ou fogo sutil que faz possível a transmutação e a regeneração.


 
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EXERCÍCIO PRÁTICO: MEDITAÇÃO EM AÇÃO
 

Demos uma seqüência constante de exercícios práticos de concentração, meditação e visualização, utilizando especialmente a Árvore da Vida como modelo ou mandala para os realizar. Também, seguimos com as práticas referentes ao Tarô, ao mesmo tempo em que ampliamos seu conhecimento. Os exercícios sobre o Tarô são particularmente interessantes, pois este extraordinário veículo esotérico promove tanto a visão como a sensibilização necessárias –em alguns casos quiçás imprescindíveis– para a efetivação dos textos e ensinos dados em Agartha, enquanto ele mesmo é um iniciador nas disciplinas herméticas.
No entanto, queremos agora insistir sobre um tema fundamental unido às disciplinas que nosso curso e suas lições comunicam. Referimo-nos a que todos os exercícios (que, como se pôde apreciar, estão unidos uns com os outros, entre si) têm por finalidade o trazer estas práticas à cotidianidade, ou seja, o efetuá-las em nossa vida habitual, qualquer que seja a circunstância na qual nos tenha tocado viver. Portanto, não devem ser tomados como rígidos, ou seja, como um fim em si mesmos, senão que devem ser considerados como veículos de Conhecimento. Qualquer advertência neste sentido não é demais, pois se considera importantíssimo não confundir o fim com os meios adequados para produzi-lo. Por outro lado, uma atitude dúctil com respeito a estes exercícios é recomendável, não quanto à perfeição desejável em sua realização, ou igualmente à conveniência e utilidade de efetuá-los, senão que esta flexibilidade seja uma adaptação que, de maneira individual, cada aluno faça em sua esfera própria. Dito de outra maneira: consideramos aos exercícios como valiosíssimos, já que se trata de meios de realização, mas queremos insistir na responsabilidade de nossos leitores no sentido de que estas práticas podem ser perfeitamente transladadas às múltiplas circunstâncias de sua vida cotidiana e efetuadas com uma margem de interpretação criativa, enquanto se atam aos mesmos modelos tradicionais que Agartha oferece, e sejam executadas com a boa vontade e o rigor que elas merecem, sem que somente os alunos se rejam pela literalidade de seu exercício, aferrando-se a elas, como quem se identifica só com a letra morta de determinados textos.
Os exercícios podem ser feitos em movimento: tanto caminhando, como correndo, ou ao ritmo de uma "ginástica" que o aluno possa adaptar ou recriar. Também estas práticas de respiração e visualização podem fazer-se em postura horizontal e efetuar-se tanto no solo como no leito ou na banheira. O importante é não as descuidar por um só momento em nosso dia, e realizá-las com fé e alegria quando tenhamos tempo disponível para isso.


 
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JESUS
 

Jesus nasce no seio do povo judeu, e sua linhagem se remonta aos reis de Israel, à casa de David, da qual descende. Seu nome hebraico, com o agregado do grego Cristo, identificam àquele que, enviado do Pai para a Redenção e a Salvação da humanidade, gostava de se chamar "Filho do Homem", evidenciando assim sua dupla natureza, divina e humana, arquétipo da composição dual do homem, símbolo vertical e axial da comunicação céu-terra, fato a imagem e semelhança de seu Criador. Jesus nasce oculto num humilde lugar e é visitado e adorado por três reis e magos que, seguindo a luz da estrela, chegaram a conhecê-lo. Depois vai crescendo em sabedoria e bondade e depois de atravessar vários perigos, nos quais seus pais o protegem, quer ser batizado por seu primo João, o asceta que vive no deserto, que batiza com água, enquanto ele batizará com fogo, com seu sangue sacrifical simbolizado pelo vinho. Dali em diante, desenvolve-se uma história iniciática recolhida pelos Evangelhos pontualmente e onde prima o sentido esotérico sobre qualquer outra coisa, a tal ponto que se não fora por este sentido resultaria absurdo o que se afirma neles, por contraditório, obscuro e confuso. Nos Evangelhos floresce o conhecimento da autêntica tradição de Israel, aquela que deu forma a Moisés, o Egípcio, e que o Salvador herda e plasma de acordo ao desenvolvimento do tempo e dos ciclos e ritmos de todo processo. Tudo está nos Evangelhos quando se os sabe ler. Seu enorme conteúdo emocional, e sua beleza excedem às interpretações racionais e materiais e nos apresentam a tremenda e magnífica semelhança do Homem-Deus e o paradoxal percurso de sua vida, que acabará no coração da cruz, depois de ter sido recebido triunfalmente em Jerusalém e depois de ter passado por provas e atravessado o Jordão várias vezes. Ali entrega finalmente a vida e o tempo e renasce definitivamente na Vida Eterna em comunhão com seu Pai com o que forma uma só e única substância revestida de um Corpo de Glória. Tal é aquele homem histórico e arquetípico, imagem viva do Cristo interno, Universal e Eterno, que disse: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida"; também deixou dito: "Procurai e encontrareis".


 
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ROMA  II
 

No Ocidente, foi necessária a chegada de Roma para que esta concepção sagrada do Império se fizesse uma realidade histórica, difundindo o ideal de civilização superior que encarnava e ao qual estava predestinada desde suas origens lendárias. Da Ásia Menor e Oriente Próximo até a Hispania, do Norte da África até os países germânicos, celtas e anglo-saxões, Roma implantou sua cultura e sua visão unitária do mundo, e graças à Pax romana os povos que estiveram sob sua órbita conheceram uma época de grande esplendor e florescimento cultural. E conquanto essa implantação se realizou muitas vezes mediante o uso das armas é porque para Roma (como para muitos outros povos tradicionais) a guerra tinha um sentido completamente diferente ao que se tem hoje em dia, começando porque se tratava de um rito ou um ato sacralizado. Essa concepção transcendente da guerra explicaria também por que Roma respeitava as tradições e os costumes ancestrais dos povos que conquistava.
Em relação com este último, um fato importante para se ter em conta é que antes de entrar em combate os romanos invocavam, mediante ritos apropriados, a presença ativa de seus deuses, com o fim de que fossem estes quem submetessem aos deuses respectivos de seus inimigos; ou seja, que a guerra se produzia primeiramente no plano invisível e espiritual, pois a conquista de um território, cidade ou país, implicava antes o domínio sobre seus deuses, que passavam a fazer parte do panteão romano, e à manutenção, portanto, da unidade do Império. Os antigos romanos sabiam perfeitamente que para conseguir essa unidade não bastava só com invocar a energia guerreira e combativa de Marte, senão que, acima desta, devia existir a energia integradora e benéfica de Júpiter, o pai dos deuses e legislador celeste dos homens, cujos distintivos são precisamente a águia imperial, o raio (eixo), a coroa e o trono.
O imperador encarnava em sua função e em sua pessoa essas energias, que o transfiguravam num ser dotado de poderes sobrenaturais e num intermediário entre o céu e a terra, assumindo a responsabilidade de governar seu povo segundo os atributos da Misericórdia e da Justiça divinas. Daí o título de Pontifex Maximus que ostentava. Por isso mesmo, quando os imperadores perdem essa função intermediária (os exemplos de Nero e Calígula são muito ilustrativos ao respeito) pode se dizer que Roma entra em sua decadência anunciando assim o fim de sua civilização.
Devemos considerar também o importante papel exercido por Roma no conjunto global da história sagrada, no sentido de que soube estender uma ponte entre Ocidente e Oriente, recolhendo neste sentido a herança deixada por Alexandre Magno. Uma divindade romana, Jano, (ver Módulo II, título N.º 94) aludia também a esta vinculação entre Ocidente e Oriente, ou seja, à complementação de opostos. Dos dois rostos que Jano possuía um deles olhava à esquerda (Ocidente) e o outro à direita (Oriente), abarcando com seu olhar os dois extremos do mundo, como projeção horizontal do eixo vertical único.
Jano era também o deus que presidia as iniciações artesanais, especialmente as quais tinham lugar entre os collegia fabrorum, ou corporações de construtores. Estes foram sumamente importantes no desenvolvimento da civilização romana, que, como já indicamos, assumiu grande parte da cultura grega, sobretudo no terreno da filosofia e das artes, e dentre estas, particularmente, a arquitetura. Precisamente a origem dos collegia fabrorum se remontava à época do rei Numa, que fora contemporâneo de Pitágoras, e receptor também de seus ensinos, como o atesta que em sua tumba aparecessem escritos de conteúdo inteiramente pitagórico. De fato estes collegia recebem do pitagorismo as ciências sagradas do número e da geometria, que eles plasmaram nos templos, basílicas e edificações de todo tipo, e que constituem o legado de uma cosmogonia (baseada no simbolismo construtivo) que permaneceu viva na cultura ocidental, graças a qual foi transmitido aos construtores medievais e renascentistas, dos que derivaria, junto ao aporte decisivo da Tradição Hermética, a Maçonaria que chegou até nossos dias.


 
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ALEXANDRIA
 

Quando no ano 332 a. C. Alexandre Magno chega ao Egito em sua expedição conquistadora para Oriente, funda no delta do Nilo, e depois de visitar no oásis de Siwa o oráculo do deus Amon (semelhante a Zeus-Júpiter), a cidade que leva seu nome: Alexandria. Esta aparece como o último grande centro da cultura clássica, o que determinará seu destino como cidade-ponte, que fará possível a comunicação da antiga sabedoria ao novo período histórico, que se abriria no Ocidente depois do desaparecimento definitivo do Império Romano. Por outro lado, seu famoso farol ficou na memória como um símbolo do que Alexandria representou para seu tempo: um foco de luz intelectual que irradiou sua força civilizadora para todos os confins do mundo mediterrâneo. Por essa razão sua influência se deixasse sentir em quem, mesmo não vivendo em Alexandria, não obstante estavam vinculados a ela como "farol" de sua época, tal o caso de Sêneca, Cícero, Virgilio, Ovídio, Moderato de Cádiz, entre tantos outros.
Sem dúvida ao esplendor cultural de Alexandria contribuíram de maneira decisiva a criação da Biblioteca e o Museu (Museion: "Templo das Musas"), que já desde sua fundação no século III a. C. atraíram sábios, filósofos, magos e teúrgos vindos de todos os lugares, chegando-se a conformar num momento dado a escola matemática de Alexandria, onde o pensamento científico e filosófico da tradição pitagórico-platônica se conjugou com o antigo saber egípcio e caldeu. Ali se ensinavam as artes liberais e cosmogônicas como a aritmética, a geometria, a música e a astronomia, de onde surgiram obras tão importantes como os Elementos de Euclides, que deram seu fundamento à geometria ocidental. A essa escola pertenceram igualmente o físico Arquimedes, os astrônomos e geógrafos Apolônio de Pérgamo (chamado por seus contemporâneos o "grande geômetra"), Eratóstenes, Aristarco de Samos, Hiparco de Rodes (descobridor para Ocidente da precessão dos equinócios, importantíssima para o conhecimento das leis cíclicas), Claudio Ptolomeu (a quem se deve o Almagesto ou Composição Matemática), Demetrio de Falera e Nicómaco de Gerasa, autor de uma Introdução à Aritmética e de um Manual da Harmonia (exposição da teoria musical pitagórica), que tanta influência exerceriam sobre Boécio, e através deste em toda a Idade Média e no Renascimento.
Alexandria brilha com especial intensidade nos três primeiros séculos de nossa era, já que nesse momento se vive um ressurgimento do neoplatonismo, ao mesmo tempo que se acaba de formar a Tradição Hermética graças à síntese dos ensinos do mítico Thot-Hermes Trismegisto com o próprio neoplatonismo, sem nos esquecer da presença de elementos procedentes das doutrinas orientais e das gnoses judaica e cristã. Podemos dizer que a partir desse momento o hermetismo e o neoplatonismo constituirão as duas referências fundamentais do esoterismo ocidental, e nenhum movimento ou individualidade que tenha sustentado e transmitido a Ciência Sagrada ao longo dos últimos dois mil anos foi alheio às idéias do Deus Hermes, de Pitágoras e Platão, conciliadas no "crisol alexandrino". Entre os muitos que encarnaram essas idéias devemos destacar, no século I, Fílon de Alexandria (que fez uma síntese entre o judaísmo e o neoplatonismo, antecipando-se nisso a muitos cabalistas medievais) e Apolônio de Tiana (que viajou pelo Oriente e pela Índia, e autor também de uma vida de Pitágoras); no século II a Téon de Esmirna, Máximo de Tiro, Apuleio (que escreveu As Metamorfoses), Numenio e Plutarco de Queronéia, autor de Ísis e Osiris e Vidas Paralelas; e no século III temos a Ammonio Saccas, fundador da escola platônica de Alexandria, considerada como a herdeira das que existiram na Grécia e na Itália nos tempos de Pitágoras e Platão.
À dita escola pertenceram nada menos que Plotino, Porfírio, Hermias e Jâmblico (que em seus Mistérios do Egito afirma que foi nos livros herméticos onde descobriu a libertação da alma de todos os laços do destino), Edésio de Capadocia e Plutarco de Atenas. Eles, e outros muitos, estenderam a doutrina por todo o mundo greco-latino, fundando escolas em Roma, Sicilia, Pérgamo, Éfeso, Sardes, Apamea (Síria) e Atenas, para citar as mais conhecidas. Na Academia de Atenas, e entre os séculos IV e V, sobressaem as figuras do já mencionado Plutarco, de Sinesio e de Proclo, iniciado nos mistérios platônicos e teúrgicos por Asclepigênia, filha de Plutarco. Proclo é autor de uma ingente obra entre a qual destaca seus Comentários aos livros de Platão e a Teologia Platônica, em cujo prefácio diz que este tratado é "um elogio não só de Platão, senão também daqueles que o sucederam na tradição filosófica". Proclo aparece assim como aquele que dá depoimento dessa tradição, realizando uma síntese do pensamento de todos os que foram seus transmissores ao longo do tempo, e que tanto influíram nos primeiros representantes do esoterismo cristão, como Clemente de Alexandria, Orígenes, Lactâncio, Dionísio Areopagita e Máximo, o Confessor, todos eles embebidos das idéias platônicas e herméticas.
Mas é importante sublinhar que a escola de Alexandria, e as que se criaram sob sua influência, se tomarão como o modelo das que surgiram em Bizâncio, na Idade Média (Toledo, Chartres e Oxford especialmente) e no Renascimento, começando pela Academia Platônica de Florença, onde sob a direção de Marsílio Ficino se traduziu do grego ao latim todo o Corpus Hermeticum, Platão, Proclo, Jâmblico e a praticamente todos os filósofos alexandrinos, feito este fundamental para que a "corrente áurea" continuasse viva na cultura de Ocidente, prolongando-se até nossos dias.
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O HERMETISMO ALEXANDRINO
 

Como dissemos no capítulo anterior, foi na cidade egípcia de Alexandria onde a Tradição Hermética acabou por se constituir num corpo de doutrinas. E não é casual, senão devido a razões histórico-geográficas e simbólicas, que fosse no Egito, e não em outro lugar, onde esta tradição começaria a irradiar sua influência a todo Ocidente. Como assinala Plutarco, nos tempos dos faraós este país recebia também o nome de Kemi, que significa "terra negra" como já sabemos, de onde provém –com o adicionado do artigo árabe al– a palavra Alquimia, a ciência hermética que contém os sagrados mistérios dos sacerdotes egípcios, que na realidade formavam uma entidade intelectual, cuja autoridade espiritual emanava diretamente do deus Thot, o mensageiro do Conhecimento, deidade essencialmente civilizadora (doa aos homens a escritura junto com as ciências e as artes da Cosmogonia), que entre os gregos tomou o nome de Hermes e o de Mercúrio entre os romanos. Também, existe outro dado tradicional de origem árabe que vem confirmar o que dizemos: trata-se da expressão "A Tumba de Hermes", que é como se designava antigamente à maior das pirâmides do Egito, expressão que também pode se estender às duas outras que estão a seu lado. Neste sentido, essa mesma fonte tradicional assegura que em dita pirâmide se encerra a Ciência Sagrada transmitida por Hermes (identificado com o profeta Idris ou Henoch) desde os tempos antediluvianos, em clara alusão à civilização Atlante, remontando-se através desta até a própria Tradição Primordial. Afirma-se também que a referida pirâmide guarda essa Ciência não em forma de documentos ou inscrições hieroglíficas, senão "fixada" em sua própria estrutura exterior e interior, pois na verdade se trata de um autêntico modelo simbólico do Cosmos, ao qual reflete em todas suas proporções e medidas. Por conseguinte, é ao conhecimento do que esse modelo expressa ao que em realidade alude "A Tumba de Hermes", expressão que também sugere o caráter secreto e velado que dito conhecimento tomou a partir de um momento dado no devir da história humana.
Por tudo isso, não deve resultar estranho que esse ressurgir da Arte e da Ciência de Hermes, acontecido nos primeiros séculos de nossa era, ocorresse precisamente em Alexandria, ou seja, em terras do Egito, ao qual contribuiu notavelmente a influência grega, sobretudo através da filosofia platônica e pitagórica, em grande parte herdeira dos mistérios órficos e das tradições dos antigos povos helenos, de origem igualmente primordial. A isto teria que adicionar o aporte recebido de outras correntes tradicionais, como o judaísmo, o recém nascido cristianismo, o gnosticismo não dualista e a cosmologia astral dos sacerdotes caldeus, que chegaram a Alexandria, junto com outros sábios orientais (principalmente indianos e budistas), através das grandes rotas traçadas vários séculos antes por Alexandre Magno. Mas a Tradição Hermética, sob a forma que adotou a partir de então e tal e como chegou até nossos dias, é fundamentalmente de origem greco-egípcia, o que lhe permitiria propagar-se com rapidez por todos os países onde estava implantada, desde tempos mais antigos, a cultura grega, ou melhor greco-latina: praticamente por toda a planície mediterrânea, a Ásia Menor e o Oriente Próximo. Daí as constantes referências a Hermes e à doutrina hermética entre os filósofos, magos e teúrgos dos mais diversos países e regiões, o que deu lugar a uma comunidade de pensamento, ligada à "corrente áurea" imemorial, que sob o influxo espiritual-intelectual do Mensageiro dos deuses nutrirá e estará presente em todas as correntes esotéricas e sapienciais forjadoras da identidade cultural do Ocidente.
Todo esse cúmulo de sabedoria e conhecimento os mestres herméticos alexandrinos o verteram através de uma série de livros que chegaram até nós sob o nome dos Hermética, entre os quais se contam o Corpus Hermeticum, integrado, por sua vez, por outros escritos que como o Poimandrés, o Asclépio e a Koré Kosmou, pertencente aos Extratos de Estobeo, descrevem o conjunto da Revelação de Hermes, cujo fim último é conseguir que com a aprendizagem e conhecimento da Cosmogonia, da gênesis do mundo e da alma humana, ou seja do Plano Intermediário, o adepto vá acordando em si mesmo o Nous (o Espírito universal), e a possibilidade com isso de contemplar a realidade do que está além do cosmos, ao Um e Só, no que reside o verdadeiro Bem. Dentro dos Hermética, temos de considerar igualmente os Oráculos Caldeus, de Juliano, o Teúrgo e , claro, todos aqueles livros e tratados de caráter astrológico, alquímico e mágico que falam das correspondências e analogias entre o homem, os diferentes reinos da natureza (mineral, vegetal e animal) e o mundo celeste: os planetas, o zodíaco e as constelações estelares, caracterizando tudo isso uma visão do cosmos considerado como um todo, onde as partes que o integram respondem a estímulos semelhantes, manifestando desta maneira a Unidade que os une entre si e da qual procedem pois, como dizem os textos, "o conhecimento (a gnose) é a culminação da ciência".
Falamos, por exemplo, do Livro de Hermes Trismegisto, O Transe de Salomão, O Livro Sagrado de Hermes a Asclépio, O Livro das virtudes das ervas, as Kyranides, etc. Destacar também a Hieroglyphica, cujo autor, Horapolo (nome integrado por Hórus e Apolo, as duas divindades solares de Egito e Grécia) fala-nos da serpente ou dragão Uroboros, ideograma alquímico que foi considerado posteriormente pelos hermetistas medievais e renascentistas como um dos símbolos da Grande Obra. Deixar constância também da figura de Bolos de Mendes, que viveu no século II a.C. e autor do Livro das Simpatias e de Física e Mística, onde se descrevem as correspondências entre a ciência da natureza e a ciência divina. E desde já não devemos esquecer do alquimista Zósimo de Panópolis e de duas de suas principais obras: Conta Final e Questões Alquímicas, nas quais deixou escrito que "a raça dos filósofos está acima da fatalidade", evocando ao mesmo tempo ao "três vezes grande Platão e ao infinitamente grande Hermes".


 
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COSMOVISÃO HERMÉTICA ALEXANDRINA
 

O universo foi criado por uma vibração sonora primordial, emitida no princípio, quer dizer, agora mesmo (pois a revelação é coetânea com o tempo), pela Palavra, Verbo ou Logos spermatikós, que é também o Mediador através do qual o Ser Supremo, o Pai, concebe o modelo do mundo. Este Mediador ou Intermediário entre a Unidade primigênia e o mundo hílico (material) recebe o nome de Nous Demiurgo ou Espírito da Construção Universal. Por sua vez, o Nous Demiurgo governa sobre as divindades astrais que regem cada uma das esferas planetárias, que organizam, junto às divindades zodiacais, a Roda do Destino, na qual se projeta a existência dos seres e das coisas. Este é o plano no qual atua diretamente o Anima Mundi, ou segundo 'Demiurgo' (o Adão Protoplastos), que conjugando as energias contrárias e duais implícitas já nessas divindades, gera o fluir perene e harmonioso dos ciclos e dos ritmos cósmicos. Finalmente, essas energias celestes descem ao plano hílico ou Corpus Mundi, ao qual insuflam vida e ordem a partir das qualidades respectivas dos quatro elementos em suas variadas combinações. A natureza torna-se então um recipiente onde se refletem os diversos níveis da existência universal. E é pelos signos reveladores que se expressam nela (como se de um oráculo se tratasse) que o homem pode se remontar a sua origem, ascendendo pelos degraus da Escala Filosófica, pois conserva em seu interior a semente da alma imortal. Mas essa ascensão se faz efetiva mediante a ciência teúrgica, que põe o homem em comunicação com os deuses e as entidades angélicas que, mediante o rito e a invocação, transmitem sua inteligência e sabedoria ao coração do adepto.
Temos assim, muito resumido, o conteúdo cosmogônico do Corpus Hermeticum, que o estudante de nosso Programa já conhece pelas estreitas vinculações que tem com a Árvore da Vida cabalística.


 
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A IDADE MÉDIA
 

O qualificativo de "idade obscura", que por parte da maioria dos historiadores modernos se atribui ao Medievo, é uma prova a mais do espesso véu que cobre à excessivamente materializada mentalidade atual, que em seu desconhecimento a tudo confunde e inverte. No entanto, desde algum tempo já, e desde diversos campos da investigação, voltou-se a pôr este ciclo histórico no lugar ao qual corresponde, cuja característica mais notória foi o esplendor e a presença do sobrenatural e do sagrado em todas as expressões de sua cultura.
Para entender a Idade Média, tal como qualquer época histórica, há que saber visualizá-la dentro do conjunto do ciclo ao qual pertence. O Medievo europeu corresponde ao ciclo particular da tradição cristã, e representa um segmento ou parte desse mesmo ciclo, exatamente sua metade, daí a denominação de Idade Média. Com ela se atinge –entre os séculos VIII e XIV– o ponto álgido, a culminação da idéia de civilização especificamente cristã, que não obstante se gestara durante o curso dos séculos anteriores (que não devem de jeito nenhum se desconhecerem), e concretamente desde o momento em que, depois da morte de Cristo, os apóstolos e seus discípulos começaram a difundir a mensagem por todo Ocidente, chegando até a Inglaterra.
Este foi o caso de José de Arimatéia e de Nicodemo, de quem se diz eram portadores da copa do Graal que continha o sangue e a água (o espírito e a alma) que emanaram da ferida de Cristo na cruz. Esta viagem de José de Arimatéia às ilhas britânicas constitui sem dúvida uma das chaves mais importantes para compreender o autêntico espírito que animou à cristandade medieval, pois, com toda segurança, produziu-se uma assimilação da antiga tradição celta –e muito especialmente do aspecto mais interior (esotérico) e iniciático desta, cujo conhecimento estava em posse dos sacerdotes druidas–, com o cristianismo. A conhecida e importante lenda do Graal, que circulou por toda a Idade Média (e na qual se relatam as gestas heróicas e iniciáticas do Rei Artur e dos Doze Cavaleiros da Távola Redonda) [talvez] não houvesse sido possível sem a herança celta.
Também, muitos outros elementos procedentes de outras tradições se encontraram na Idade Média. Temos o importante aporte da civilização romana, especialmente no que se refere à organização social e jurídica, na arquitetura e na arte (o românico, por exemplo), na constituição das corporações de construtores, semelhantes aos Collegia Fabrorum, e também na idéia do Império e do Imperador como detentor supremo da autoridade espiritual e do poder temporal (recordemos neste sentido a criação do Sacro Império Romano, auspiciada pelo imperador Carlos Magno, e com o qual se dá começo propriamente à Idade Média), ainda que desde o ponto de vista exotérico estas funções estivessem às vezes assumidas pelo papado e pelos reis, respectivamente.
No âmbito puramente ontológico que assentou as bases da filosofia medieval, há que se mencionar, entre os séculos IV e V, os chamados Pais da Igreja, como Dionísio Areopagita, Clemente de Alexandria, Santo Agostinho, Orígenes e Máximo, o Confessor, conhecedores todos eles das doutrinas herméticas, platônicas e gnósticas, das quais extraíram o mais essencial.
Mas a Idade Média não poderia compreender-se em sua totalidade se não tivéssemos em conta igualmente às outras duas tradições abrahâmicas: a judaica e a árabe. Quanto à primeira, é evidente que o cristianismo, por suas origens, procede diretamente do Antigo Testamento, e a expressão judaico-cristã convinha perfeitamente a certas organizações do esoterismo cristão, às quais não eram desconhecidos os ensinos da Cábala, cujo maior apogeu se deu também durante este período, sobretudo na França e na Espanha. No que respeita à tradição islâmica, é notória a influência que esta exerceu entre as artes e as ciências, e se conhece a importância que teve na propagação dos textos alquímicos e da Tradição Hermética em geral.
Neste sentido, há que se assinalar o papel que teve a península Ibérica, já que fundamentalmente, através dela, a extraordinária riqueza da cultura árabe (e com ela a recuperação da antiga filosofia grega, especialmente Pitágoras, Platão e Aristóteles) foi conhecida em toda Europa. Por outro lado, temos os intercâmbios mantidos pelos iniciados muçulmanos e os cristãos durante a época das Cruzadas, fato que propiciaria uma comunicação de ordem doutrinal entre Oriente e Ocidente, que perduraria além da Idade Média, chegando até o Renascimento, depois do que se imporiam definitivamente as filosofias e ciências racionalistas inspiradoras da era moderna, sem dúvida a autêntica "idade obscura".


 
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O HERMETISMO MEDIEVAL  I 
 

Coincidindo com a queda do Império Romano do Ocidente, durante os séculos VI e VII se produz um período de ocultamento do pensamento tradicional que contrasta com o apogeu conhecido nos séculos anteriores, que, como assinalamos, teve em Alexandria seu foco de irradiação mais importante. Este ocultamento também afetou a Tradição Hermética, que depois do desaparecimento da escola de Alexandria e de Atenas se concentrará em determinadas cidades do Próximo Oriente, e especialmente em Bizâncio (Constantinopla), naquela época capital do Império Romano do Oriente, já completamente cristianizado. Efetivamente, Bizâncio aparece como a herdeira mais importante do legado hermético e neoplatônico, e em definitivo da cultura clássica, que ali viverão um novo florescimento, perdurando até bem depois do início da Idade Média. Essa herança está presente, por exemplo, na obra do bizantino Miguel Psellos (século XI), grande comentador do Corpus Hermeticum, de Platão, Proclo, Dionísio Areopagita, etc., e que posteriormente exercerá uma notável influência na tradição renascentista.
Mas o Hermetismo medieval ressurge com força sob o impulso da nascente civilização islâmica, que em menos de cem anos se estende da China e da Índia até a Península Ibérica. Efetivamente, existem numerosos adeptos árabes que traduzem para sua língua os livros herméticos (sobre Alquimia, Astrologia, Magia, Matemáticas, Medicina, e as ciências da natureza em geral), o que faz possível que estes se conservem e passem a ser traduzidos posteriormente ao latim, permitindo assim sua difusão por toda Europa. Isto se acompanha com as traduções do "divino" Platão e de toda a tradição filosófica emanada de seus ensinos. Tudo isto, como dissemos, passará ao Ocidente, que na época de expansão do islã (séculos VIII-IX) vivia sumido na difícil transição da Idade Antiga à Idade Média.
Por outro lado, não é mera casualidade, senão algo que depende dos desígnios divinos que entretecem a estrutura invisível da história, que simultaneamente à penetração árabe na Península Ibérica (século VIII), estivesse sendo gestada a unidade política, cultural e religiosa da cristandade sob a autoridade temporal e espiritual do Sacro Império Romano, instituído por Carlos Magno, e com o qual começa definitivamente a Idade Média, como vimos no capítulo anterior. Esta unidade vai facilitar que, através da Espanha muçulmana (país que recebe a denominação de "Porta Real da Alquimia" e "Porta Solar"), a arte e a ciência sagrada de Hermes cheguem efetivamente a Europa. Por cima das diferenças que possam afetar às relações que entre si mantêm os exoterismos das civilizações tradicionais, sempre prevalecerá o ponto de vista esotérico e metafísico, que as identifica no essencial. O Califado de Córdoba e, mais tarde, Toledo são as cidades nas quais se produz o verdadeiro renascimento medieval, e onde frutiferamente vão conviver as três tradições do livro: judaísmo, cristianismo e islã. Mas é especialmente com a escola de tradutores de Toledo que começa a se verter ao latim o hermetismo acumulado e desenvolvido pelos árabes. Sábios vindos de todos os países da cristandade (por exemplo Miguel Escoto e Gerardo de Cremona) coincidem na cidade imperial, "crisol de alquimistas".
Junto a Toledo temos de ressaltar a enorme importância das Escolas de Chartres e de Oxford (Séculos XII e XIII) na difusão das idéias herméticas e platônicas. À primeira pertenceram Bernardo de Chartres, Guilherme de Conches e Bernardo Silvestre, todo eles continuadores da obra de João Escoto Erígena (século IX), monge irlandês que recebe por sua vez a herança do hermetismo alexandrino e do platonismo cristão de Dionísio Areopagita. Na segunda encontramos ao já mencionado Miguel Escoto, alquimista e astrólogo, a Robert Grosseteste e Roger Bacon, conhecido como o "Doutor Mirabilis" pela grande síntese que realizou de todos os ramos da Ciência Sagrada.
Pela importância que tiveram no desenvolvimento do Hermetismo medieval merece destacar-se a tradução do Livro de Morieno, no qual se relata a lenda segundo a qual Hermes Mercúrio, o "Pai dos Filósofos" recuperou as ciências e artes sagradas depois do dilúvio. Traduz-se também a Tábua de Esmeralda, texto fundamental da Alquimia greco-egípcia posto sob a autoria do próprio Hermes Trismegisto, e cujos doze pontos constituem um resumo sintético de todo o ensino da Grande Obra. Não menos importante é a tradução da Multidão dos Filósofos, onde se descreve, em forma de diálogos alquímicos, o acontecido num congresso imaginário de filósofos gregos como Pitágoras, Sócrates, Demócrito, Parmênides, etc. Também o livro alquímico e astrológico Picatrix, tradução que se faz durante o reinado do rei sábio Alfonso X, ao qual se deve a redação do Lapidário, onde se fala das propriedades mágicas do mundo mineral posto em relação com as energias astrais e planetárias. O mesmo ocorre com o Livro da Misericórdia, do célebre alquimista árabe Geber. Séculos mais tarde, em pleno Renascimento, Cornélio Agrippa, influenciado pelos ensinos deste autor, escreve em Da Filosofia Oculta: "Ninguém pode sobressair na arte alquímica sem conhecer os princípios em si mesmo, e quanto maior o conhecimento de si mesmo, maior será o poder de atração adquirido, e se realizarão mais coisas grandes e maravilhosas". Este é o fundamento da Alquimia natural e espiritual, que o grande metafísico sufi Ibn Arabi desenvolverá em sua obra A Alquimia da Felicidade Perfeita, mostrando as etapas que o iniciado deve atravessar em sua “viagem", descendo primeiro aos planos elementares até retornar, numa ascensão vertical, a "A Força do Elixir" da Sabedoria Divina. Em dita ascensão, a alma do peregrino percorre os céus planetários revestindo-se da luz cognoscitiva que mora em cada um deles, chegando finalmente ante a presença do "Trono Divino", "motor imóvel" ou Arquétipo Supremo no qual será absorvido numa plena identificação.
No hermetismo cristão esta descrição do universo espiritual se representará iconograficamente com uma série de círculos concêntricos, com a terra em seu centro, girando em torno dela os três elementos restantes mais o éter, os sete planetas, o zodíaco, o céu das estrelas fixas ou Empíreo, morada do fogo puro e eterno, em cima do qual aparece a figura da Divindade. Esta imagem do mundo, enraizada na astrologia de Ptolomeu e no Timeu de Platão, influirá notavelmente em Dante, que escreveu a Divina Comédia baseando-se em parte nos ensinos do sufismo islâmico, e especialmente em quem foi um de seus máximos representantes, o já nomeado Ibn Arabi. Este era considerado "Filho de Platão" e o "Mestre por Excelência", que tinha atingido o grau de "enxofre vermelho", que não é outro que o estado espiritual, que em linguagem alquímica cifrada serve para designar àquele que chegou de maneira definitiva ao Conhecimento mediante a obtenção da "Pedra Filosofal".


 
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DIONÍSIO AREOPAGITA
 

Durante toda a Idade Média e Renascimento, foi extraordinária a influência deste autor, representante do pensamento neoplatônico e da autêntica espiritualidade cristã. Supostamente se apresenta nosso personagem como discípulo direto de São Paulo, que serve para difundir seus escritos e evitar censuras por parte da igreja “oficial”. Sua “teologia negativa” na corrente de Proclo e Plotino, influiu diretamente em toda a Idade Média anterior a São Tomás (o que inclui vários séculos), em particular (para citar um só exemplo) na escola do Chartres, e igualmente em mestre Eckhart (e em Tauler e Suso), em Nicolás de Cusa e São João da Cruz, entre outros tantos sábios, teólogos e teósofos ocidentais. Escreveu um tratado sobre Os Nomes Divinos e outro texto sobre Teologia Mística, além de um livro sobre Astronomia. Conservam-se, também, algumas de suas epístolas. Reproduzimos aqui duas de suas cartas dirigidas a adeptos.
“A Doroteu, Ministro:
A treva divina é aquela luz inacessível na qual, diz-se, Deus habita1. E como aquela seja inapreensível por causa da difusão exuberante de sua luz sobrenatural, entretanto, nela descansa qualquer que mereça conhecer e ver Deus, e pela mesma razão pela qual não vê nem conhece, este mesmo existe naquele que transcende qualquer visão e conhecimento, sabendo só do que está além das coisas sensíveis e inteligíveis, dizendo de uma vez que o profeta: ‘para mim é admirável sua ciência, tão elevada que jamais poderei alcançá-la’2.
Deste modo é como se diz do divino Paulo, que conheceu Deus quando soube que ele existia transcendendo toda ciência e inteligência; deste modo diz (ele) que seus caminhos são indecifráveis e inescrutáveis seus juízos3, inenarráveis seus dons e sua paz ultrapassa a todo entendimento4, já que descobriu Aquele que é totalmente transcendente e soube, de um modo que ultrapassa qualquer inteligência, que Aquele que é autor de todas as coisas, é também superior a todas elas.”
1 I Tim., VI 16.
2 Salmo 139 (Vulgata, 138), 6.
3 Romanos, XI, 33.
4 Filipenses, IV, 7
“A Sosipatro, Sacerdote:
Não te julgue vitorioso, venerado Sosipatro, por atacar aquele culto ou opinião que não te parece legítima pois, se arguíres retamente contra eles, não por isso demonstrarás o valor positivo de tuas afirmações; pode ser que, tanto para ti como para outros, escape-te a verdade, que é, por sua vez, oculta e verdadeira, a favor das aparências.
Pois não é bastante que um objeto não seja vermelho ou brilhante, para que seja branco; nem, se alguém não for cavalo, não por isso necessariamente é um homem. E assim, se me quer escutar, isto é o que fará; desiste de falar contra seus adversários, e que tudo o que diga seja para estabelecer a verdade de tal maneira que não sejam válidas as coisas que se digam contra ti.”


 
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O SIMBOLISMO HERÁLDICO
 

A heráldica representa uma expressão mais da simbólica tradicional do Ocidente. Propriamente dita, ela aparece com a constituição das ordens de cavalaria medievais, pelo que tudo o que a ela se refere está diretamente relacionado com a casta dos guerreiros e da nobreza em geral. Muito apropriadamente era chamada a "ciência heróica" ou a "nobre ciência", ainda que também é verdadeiro que existia uma arte heráldica eclesiástica e das corporações de artesãos, esta última muito estendida durante o Renascimento. O rico e complexo simbolismo heráldico seria mais uma antiqualha se realmente não encerrasse um sentido esotérico e fundamentalmente sagrado, que precisamente é o que lhe dá todo seu relevo e importância, e sobretudo o que o converte em plenamente atual e vivo. Sem dúvida a peça central e mais importante da heráldica é o brasão ou escudo. Etimologicamente, o termo brasão deriva do verbo alemão blasen que significa "sopro", revelando com isso a presença de uma inspiração espiritual e divina na elaboração do mesmo. Neste sentido, antes do advento de uma arte escrita e figurada, o brasão era clamado pelo heraldo de armas no campo de batalha e nos torneios, utilizando para isso também a música, ou seja, que era transmitido por meio da palavra e do som. E tudo o que já dissemos no Programa Agartha sobre a semelhança e a complementaridade entre o simbolismo sonoro e oral e o simbolismo geométrico e visual, cabe neste caso particular. Em primeiro lugar, no escudo heráldico se plasma a arte da divisa e do emblema. A divisa é uma sentença, uma frase criptogramática que constitui a alma do que aparece no mesmo, enquanto o emblema é a figura ou o corpo.
Em geral todo o mundo da natureza, os animais (incluídos os fabulosos como o dragão e o grifo), as flores e plantas, as pedras, os metais, os planetas e as estrelas participam da plástica e da simbólica do brasão. Uma figura freqüente neste é o castelo ou qualquer outra fortaleza; iniciaticamente, são símbolos da alma regenerada, da cidade, recinto ou palácio interior fechado às influências profanas. Na realidade, a arte do brasão, sua técnica espiritual, consistia em estabelecer um sistema de correspondências e analogias entre o plano visível e o invisível, o natural e o sobrenatural, tratando-se pois de uma ciência e de uma arte verdadeiramente hermética, e vinculada portanto à idéia de "o que está acima é como o que está abaixo". Não se deve esquecer que para a mentalidade do homem tradicional e arcaico a natureza inteira é uma hierofania, ou seja, uma manifestação do sagrado. Neste sentido as diferentes espécies naturais representadas no brasão estão expressando seus correspondentes arquétipos espirituais, e num grau menor as diferentes tendências psicológicas a elas adscritas. E em tudo isto, o homem como intermediário, já que é ao próprio universo interior deste que se refere todo o código heráldico. Por exemplo, se a águia é um animal eminentemente celeste, a atitude com a qual geralmente se lhe representa (as asas abertas, que em ocasiões abarcam todo o escudo como se o contivesse) não faz senão simbolizar o vôo do espírito para as regiões superiores. Também, a atitude de galhardia e fereza do leão, animal terrestre, evoca e infunde o valor interior imprescindível para combater contra as potências obscuras e caóticas do inconsciente. E o grifo (metade águia e metade leão) supõe um estado intermediário no processo que conduz do terrestre ao celeste. Também se deve considerar o brasão como um instrumento não só para se defender dos inimigos físicos, senão, o que era mais importante, como um marco protetor contra as sutis influências inferiores.
Em todo caso a aquisição de um brasão estava em relação direta com a evolução espiritual daquele que o pretendia, o que sem dúvida eximia de qualquer privilégio fictício e oportunista. Igualmente o significado esotérico dos símbolos, figuras e cores revelava o grau espiritual que tinha atingido seu possuidor; e isto mesmo se fazia extensivo ao escudo heráldico de uma corporação, cidade, reino ou nação. Neste sentido, para conhecer a verdadeira essência e personalidade espiritual de uma cidade ou região nada melhor do que pesquisar nos símbolos presentes em seus brasões. Compreende-se então a importância destes porquanto eram receptores e transmissores de idéias-força e autênticas imagens-mandalas, contendo alguns deles conhecimentos de ordem metafísica muito elevados.


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ARQUEOLOGIA
 

É freqüente ver em quase todas as grandes e médias cidades do mundo museus arqueológicos que recolhem os monumentos e as artes da Antigüidade. Embora as origens da Arqueologia se remontem à Itália do Renascimento, podem encontrar-se vestígios dela em certos autores clássicos, como, por exemplo, o historiador Dionísio de Halicarnaso, que pôs o título de Arqueológica a uma de suas obras; entretanto, somente no século XIX que a Arqueologia se converte em ciência oficialmente aceita. Por outro lado é durante esse século que surgem quase todas as ciências que se dedicam ao estudo do passado do homem e da terra; assiste-se ao nascimento da antropologia ou etnologia, da paleontologia, da história das religiões, da geologia, etc. Poderia quiçá perguntar-se o porquê deste repentino interesse pelo passado, pelo pretérito, pelo antigo, e responderemos que isso só foi possível pelo fato de que no século XIX, e sobretudo no Ocidente, ter-se virtualmente perdido todo vestígio da Tradição, ao menos de uma maneira visível e externa, pelo que era perfeitamente lógico que o homem começasse a esquadrinhar nos fragmentos de seu passado histórico para assim reconstruir o que foi a vida de seus antepassados, pois a sua própria sumia em uma cada vez mais estéril mediocridade. Acontece também que no século XIX é quando se acabam de consolidar definitivamente o positivismo materialista e o racionalismo, que vinham sendo incubados desde já fazia tempo, que deviam influir decisivamente na mentalidade da época. Deste modo, pode ser dito que tais ciências foram o resultado dessa visão excessivamente voltada para o exterior, que por certo é a que ainda impera na maioria dos arqueólogos oficialistas, que a projetam nos próprios objetos de seu estudo. Estes se empenham em não ver em seus achados outra coisa que restos mais ou menos interessantes e curiosos, aos quais terá que classificar (e enquadrar) segundo uns parâmetros que eles mesmos estabeleceram para sua comodidade investigadora.


Outra conseqüência igualmente equivocada, produto dessa mentalidade positivista, é a de não se atentar para as diferenças qualitativas que se dão entre os homens e civilizações das diferentes épocas e períodos históricos, como se o tempo transcorresse uniformemente e fora homogêneo. Assim, segundo esse critério, a mentalidade do homem moderno, alheio por completo a qualquer intuição e sentimento sagrado e transcendente, seria idêntica à do homem das sociedades tradicionais, que pelo contrário considerava que todos os atos de sua existência cotidiana estavam impregnados de sacralidade. Se a Arqueologia, através das análises e trabalhos de escavação, trata da reconstrução da vida das sociedades antigas, essas mesmas investigações não deveriam estar desvinculadas de um rigoroso conhecimento da história e da geografia sagradas, quer dizer, do tempo e do espaço qualitativos, como tampouco serem alheias às relações que existem entre os diversos modos e comportamentos culturais e espirituais dos homens que integraram essas mesmas sociedades.
Visitar um museu de Arqueologia é em certo modo recuperar o sentido da atemporalidade. Todas as peças, numeradas e catalogadas, estão ali como resistindo ao tempo, negando-se a deixar de existir definitivamente. Alheios a qualquer prejulgamento, daremos conta de tudo o que o homem, inspirado nos princípios metafísicos que formaram sua civilização, é capaz de criar, de fazer, de edificar, em definitivo de plasmar na pedra ou qualquer outra matéria ou substância, refletindo a beleza de seu mundo interior. Pois essas colunas e arcos, essas esculturas, pinturas, cerâmicas, baixos-relevos, mosaicos são símbolos e gestos que o rito do trabalho artesanal pacientemente elaborou e fixou: de repente toda a cultura humana está aí representada. Um museu arqueológico é na verdade um discurso onde se expressa o antigo (este é precisamente o significado etimológico de arqueologia), termo que não deve ser confundido com o velho e o caduco; melhor se relaciona com tudo aquilo que é perene e que reflete as idéias ou arquétipos universais. Neste sentido, o antigo é perfeitamente atual. E um museu arqueológico pode ser um lugar excelente de meditação (assinalemos que a palavra Museu procede de Musa) se o abordarmos não com olhos de "especialista", mas sim como se tratasse de uma evocação poética onde com toda probabilidade encontraremos uma parte ou aspecto esquecido de nós mesmos.


 
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ALFONSO X, O SÁBIO - I
 

Por razões históricas e geográficas, Toledo é o centro da Península Ibérica. Também o é por razões simbólicas e metafísicas, e a Tradição assinala, por um lado, a antigüidade desta cidade, que se remonta à origem dos tempos, ou seja, do tempo mítico, e por outro, a sua relação com a Atlântida, também presente nas raízes TL de seu nome. Queremos nos referir neste trabalho a Alfonso X, o Sábio, verdadeiro ponto central da história da Espanha (à qual, por outra parte, recompilou), como o monarca mais importante de Castela, que deu à Espanha sua unidade, sua língua, e inclusive sua época de hegemonia mundial, incluindo a conquista da América.
Na história da Espanha medieval se sobressai a figura eminente do rei castelhano (1221-1284), filho por sua vez de outro grande rei, Fernando III, o Santo. Alfonso X era chamado o Sábio sem dúvida devido aos vastos conhecimentos que possuía sobre as diversas disciplinas e ramos do saber. Ele deixou escrito que um rei, para ser considerado como tal, deve ser o primeiro dos homens em conhecimento e sabedoria, pois só assim advém o reflexo na terra da Inteligência Suprema. Além disso, Alfonso X, por sua dupla condição de rei e sábio, reunia em sua pessoa a síntese entre o poder temporal e o espiritual, que como já sabemos constituem as qualidades principais de todo verdadeiro Imperador. Possivelmente esta foi a razão (além de questões dinásticas e de herança nas quais não entraremos) pela qual, durante grande parte de seu reinado, pretendeu a coroa do Sacro Império Romano-Germânico. Acreditava ser descendente da linhagem imperial que vem desde Alexandre Magno, passando pelos imperadores romanos, até seu tio Frederico II. E, além disso, para Alfonso X esta linhagem tinha origens celestes, já que tinha sido instituída pelo próprio Júpiter, a quem via como uma prefiguração greco-romana de Cristo. Se não o conseguiu foi devido às disputas e interesses da política que em ocasiões empanaram os vínculos entre a realeza e o papado.
Com toda segurança, o que aconteceu posteriormente na história européia teria tomado outros rumos se Alfonso X tivesse sido entronizado como Rex Romanorum. Não obstante, isto não foi óbice para que o frutífero trabalho do rei sábio exercesse uma notável influência no terreno da filosofia, das artes e das ciências de seu tempo e, o que é mais importante, que esse trabalho estendesse uma ponte entre as culturas tradicionais do Oriente e do Ocidente.
Graças à Escola de Tradutores de Toledo (auspiciada por seu pai Fernando, quem tomou como modelo as criadas séculos antes pelos califas omíadas de Córdoba), a riqueza da civilização e cultura islâmicas (e através destas, da filosofia grega) puderam ser conhecidas na Europa cristã. Nesta escola, a mais importante da época, participavam por igual doutores e sábios árabes, judeus e cristãos, o que refletia o espírito de convivência que caracterizou, durante grandes períodos da idade média hispânica, às três tradições do tronco abraâmico.
Os livros e tratados sobre astronomia, alquimia, música, medicina, geometria, agricultura e outras artes e ciências herméticas, hebraicas e árabes, foram traduzidos ao latim e às diversas línguas românicas e vernáculas faladas na Europa. Igualmente o idioma castelhano, ao qual também foram traduzidas muitas dessas obras, experimentou um enorme enriquecimento graças, sobretudo, à influência árabe, convertendo-se também no veículo de uma cultura.

Escudo de Toledo.


 
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A CIZÂNIA
 

A parábola evangélica da cizânia (Mateus XIII, 24-30 e 36-43), entre outras significações de ordem espiritual, também nos ilustra a respeito da dualidade implícita no processo iniciático, ao menos até certa etapa deste.
Na iconografia alquímica, representa-se com freqüência a imagem de um agricultor que pulveriza sementes em seu campo, já preparado para o arado, que é acompanhado por um anjo (princípio supra-humano ou Eu do homem) que parece lhe sussurrar palavras celestes ao ouvido. O campo é nossa alma, e o grão de trigo é a semente do Ensino e do Conhecimento, sendo necessário, para nossa saúde interior, que frutifique e se faça poderosa.
Mas em nós também existe o mau semeador, que de maneira furtiva, e amparado nas sombras da noite e da ignorância, tenta destruir, semeando cizânia, a obra começada, desviando-nos do caminho que a razão e intuição superior nos diz que é o que devemos seguir. Este mau semeador é o "ego", a alma inferior, cujo alimento e sustento são os frutos "deste mundo".
Entretanto, a mesma parábola nos explica que não devemos nos precipitar e cortar a cizânia recém brotada, pois se corre perigo de cortar deste modo o broto de trigo. No princípio, e enquanto se desenvolvem, terá que os deixar crescer juntos.
Para a economia divina, que se expressa como ordem cósmica, o bem e o mal, ou melhor, clemência e rigor, supõem uma dualidade fundamental e imprescindível, deixando entrever por isso mesmo a idéia da unidade ou equilíbrio conciliador dos opostos no Amor e na Beleza inteligíveis. De entrada, não devemos desprezar quão negativo há em cada um de nós, pois sua presença nos oferece o contraste da sombra e do reflexo invertido.
Levado ao plano psicológico, "não dever cortar a cizânia até que tenha crescido" quer dizer que é necessária a manifestação de todas as tendências inferiores que levamos dentro, já que as ocultar poderia supor, por um lado, o desconhecimento de uma parte de nosso ser, e por outro –haja vista que, de uma maneira ou outra, essas tendências existem–, é provável que ao final, se não forem expressadas ao exterior, acabem escavando o melhor de nós mesmos.
Mas é importante o não esquecer que isso deve ser feito amparado na Doutrina e na Tradição, que atuam como moldura protetora (sagrada). Só assim o inferior poderá ser canalizado, purificado e transmutado (pelo fogo sutil) num elemento superior, que na parábola fica exemplificado pela dourada espiga de trigo, fruto que simboliza o estado de regeneração iniciática e espiritual.



 
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GEOMETRIA
 

O universo inteiro é uma dança cujo sentido só se pode achar nos traçados invisíveis que ela forma. A Geometria se ocupa do estudo destes padrões e ordens harmônicos que, longe de serem estáticos, são reflexos de idéias geradoras. O Oriente desenvolveu estes padrões que irradiam de um centro e que em sânscrito se chamam mandalas, como suportes para a meditação.
A Divina Comédia, escrita nos inícios do século XIV, apresenta uma viagem através dos padrões do destino de acordo com as concepções cristãs medievais. O inferno, o purgatório e o céu são concebidos como imensos mandalas.
Recordemos que o estudo da Geometria foi recomendado por Platão como um verdadeiro caminho de iniciação, já que não é mais que a manifestação visível de harmonias invisíveis que podem ser percebidas como sensações num espaço fisiológico, como emoções num espaço psicológico, ou como formas geométricas num espaço abstrato. O tipo de relação determina o ser que se concebe e é por isso que ser e conhecer são equiparáveis.
Só a consciência é capaz de perceber a transparência entre as formas geométricas insubstanciais e as formas mutáveis e transitórias deste mundo. A arquitetura da existência está determinada por um mundo invisível e imaterial, composto de forma e por isso de geometria.
Efetivamente, como o testemunha toda a Sabedoria Tradicional, existe uma unidade profundamente arraigada, que subjaz às múltiplas diversidades aparentemente caóticas deste mundo.
Esta ordem preexiste, manifesta-se em simples relações proporcionais, criando padrões que em sua harmonia refletem à totalidade e dão forma tangível a uma ordem intangível. No mundo manifestado, a unidade se reflete como polaridade, já que só pode conceber-se em termos de "mais algo" e "menos algo". Entretanto a polaridade se refere aos opostos, mas sem indícios ainda de que algo nasce deles. A proporção é o que nasce desses limites compartilhados: é uma relação e por sua vez um limite que nos abre a porta ao ilimitado.
Por harmonia entendemos uma ordenada e agradável união de diversidades; já a origem da palavra harmonia o diz: do grego armos = juntar.
Os mil e um seres nascem da união entre opostos que se complementam, e a aparência material não é mais que o entrelaçamento de energias e polaridades em diferentes proporções e harmonias, que produzem a variedade de qualidades desta.
O Livro das Mutações ou I-Ching está baseado no reconhecimento de que as diversidades sempre mutáveis da existência têm uma unidade subjacente de ordem, no qual tudo está relacionado com tudo. O fundamento desta ordem é a unidade dos princípios escuro (Yin) e luminoso (Yang) que, combinados de todas as maneiras possíveis, simbolizam as diferentes situações básicas da vida.



 
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ALFONSO X, O SÁBIO - II
 

Foi precisamente sob o reinado do Alfonso X quando a Cabala conheceu sua época de maior esplendor, escrevendo o Zohar e outros textos sagrados da tradição judaica. Digamos que, sem a visão universal do acontecer histórico que possuía Alfonso X, o Ocidente tivesse entrado em um processo de decadência muito mais acentuado e rápido que o que se conheceu entre os séculos XIV e XVII, decadência que encontra sua expressão mais clara em nossos dias. Tampouco tivesse sido possível, com a intensidade com que se produziu, o ressurgimento das doutrinas herméticas durante o Renascimento. Por exemplo os sistemas astronômicos e astrológicos elaborados naquela época tinham suas fontes nas traduções alfonsinas.
Uma das obras nas quais Alfonso X interveio mais diretamente, além da História Geral foi o Setenario, onde se recolhem diversas matérias cosmológicas, teológicas, históricas, jurídicas, além de alguns dogmas e sacramentos próprios da tradição cristã. Mas Alfonso, o Sábio, destacou-se também como um poeta que cantava a alma do Mundo, sua beleza e harmonia, que viu encarnada na figura da Virgem Mãe. Alfonso X se considerava um humilde trovador da Virgem, e em suas Cantigas da Santa Maria são narrados alguns dos milagres intercedidos por nossa Senhora, inclusive vários deles acontecidos na própria pessoa do rei. Entretanto terá que assinalar que o culto à Virgem não tinha na Idade Média o caráter de beatice simplória que teve posteriormente, e embora exotericamente sua influência espiritual mantivesse um laço de união entre a devoção popular e o sagrado, esotericamente era considerada como a "Rainha do Mundo", e portanto mãe espiritual dos iniciados. As Cantigas de Alfonso o Sábio não estavam tingidas de um vago misticismo; mais ainda, ao serem musicadas advieram com freqüência verdadeiros hinos oferecidos a Vênus Urânia, a deusa da Sabedoria, do Amor e da Beleza, três virtudes celestes que sem dúvida este grande rei quis que fossem as pedras angulares de sua extensa e importante, também para nós, obra cultural.



 
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A TRADIÇÃO E A MENSAGEM
 

A tradição se transmite de maneira horizontal e fecundou diferentes civilizações e individualidades. Mas isto foi possível mercê à permanente reatualização vertical da Tradição Universal, que se revela com novas formas (de acordo a um concerto de forças que se entrelaçam harmonicamente e que incluem em sua orquestração as circunstâncias pessoais daquele, ou daqueles que a encarnam e a transmitem), regenerando assim a Tradição Originária, o que permite a continuidade da cadeia de união ao longo da História e a possibilidade sempre presente da iniciação, da realização espiritual, da metanóia. Por outra parte esta urgência de transmitir a seus semelhantes esta Mensagem, que sentem aqueles em quem a doutrina e o símbolo se vivificaram, encontra-se particularmente aguçada nos tempos atuais, onde um fim de ciclo obriga a redobrar energias na realização vertical, como igualmente na difusão horizontal.


 
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O HERMETISMO MEDIEVAL  II
 

No Ocidente, o século XII representa a expansão das ordens monásticas e da cavalaria, entre as quais se destaca a do Templo, que são as que detêm praticamente a totalidade da doutrina e do saber tradicional. Não é de se estranhar, pois, que fossem em sua grande maioria clérigos, abades e homens de igreja os que, em suas peregrinações, serviram de enlace na propagação do Hermetismo no continente, sem esquecer as relações que entre si mantiveram a cavalaria cristã e islâmica. Mas a tradição de Hermes, com seus mistérios mágicos e teúrgicos, infunde no espírito do homem medieval um amor para a natureza que no Ocidente não se conhecia desde a Antigüidade greco-latina; amor que é motivado também pela influência que nesse tempo exerceu o "Cantar dos Cantares" de Salomão. "Redescobre-se", por assim dizer, a dimensão sagrada da Natureza, sua beleza transcendente, que se concebe como uma hierofania onde o divino e sobrenatural se faz presente no próprio seio da “matéria”. Natureza, enfim, visualizada como uma Mulher ao mesmo tempo Virgem –Natura Naturans– e também Mãe –Natura Naturata–, que ao receber em sua substância as sementes do Espírito, procria e dá vida (e por isso mesmo devora e mata) às inumeráveis formas que manifestam a unidade do cosmos, pleno assim de significado simbólico. Por tudo isso, o corpo humano, o microcosmos, é dignificado e devolvido a sua função analógica de refletir em cada uma de suas partes à totalidade do macrocosmo, seguindo nisto a máxima hermética de que "o de baixo é igual ao de cima...".
Tendo sempre presente esta imanência do divino na Natureza, as obras do Alain de Lille, Hildegarde de Bingen, Bernardo Silvestre, Honorius Augustodunensis, e tantos outros, abundam em correspondências simbólicas entre o homem e o Cosmo. Os ossos, as unhas, os cabelos e os sentidos se relacionam com as pedras, as árvores, as plantas e ervas, os animais... Na cabeça, redonda como o firmamento estrelado, reside a inteligência e a mens luminosa, comparando-se com o céu das estrelas fixas que rodeiam o zodíaco, e cujo giro perene é impulsionado pelo sopro divino. O peito, e mais concretamente o coração, alberga as emoções e sentimentos superiores vinculados com os deuses e as entidades angélicas. A parte inferior e instintiva corresponde propriamente ao homem físico e à terra. Todas estas correspondências são reveladoras de uma cosmosofia que servirá de base para o posterior desenvolvimento da Filosofia Oculta do Renascimento.
Mas antes deve chegar o século XIII e a definitiva consolidação do Hermetismo, que de forma sutil e vivificante penetra, como já dissemos, em virtualmente todos os círculos intelectuais, artesanais e esotéricos. Por outro lado, não terá que esquecer as diversas correntes da Cabala hebraica, cujo centro de irradiação está na Espanha e na Provença francesa. Neste século, a concepção filosófica, cosmológica e teosófica da Idade Média encontra sua mais plena expressão na catedral gótica, que, como o templo românico, constitui um compêndio do universo material e espiritual. Esculpidos na pedra (sentida como matéria viva e não inerte) descrevem-se os diversos reinos da Natureza elemental, o mundo intermediário com seus monstros guardiães e seres fabulosos, o gênero humano representando cenas exemplares e da história sagrada, as hierarquias angélicas e celestes, e finalmente, presidindo todo este conjunto matizado que se eleva em vertical para o céu, a figura da divindade em atitude de presença imutável. Esta visão escalonada de baixo para cima e de cima para baixo, sugere a idéia de uma transmutação alquímica ligada deste modo à descrição de uma geometria sutil do cosmos que a própria catedral expressa, com a planta quadrada (ou retangular), as colunas, e a cúpula circular arrematada com a "chave de abóbada". O círculo (céu) que engloba o quadrado (terra) ou o quadrado que emoldura o círculo, simbolizam a interpenetração do tempo e da eternidade no devir da existência manifestada. Esta geometria filosofal formava parte dos ensinos pitagóricos e platônicos transmitidos em grande medida pelo Hermetismo aos arquitetos construtores, que não eram outros que os maçons e companheiros operativos. Efetivamente, junto aos grêmios de construtores, trabalhavam em perfeita harmonia os astrólogos, magos e mestres alquimistas; e essa convivência, selada na catedral, era uma amostra da definitiva síntese que durante séculos se forjou entre a filosofia hermética e a espiritualidade cristã, de onde surgiu o chamado hermetismo cristão e do qual deveria sair também o código do TARÔ, tal e como chegou até nossos dias. Igualmente, dessa confluência doutrinal entre ambas as tradições, nasceram várias organizações heterodoxas e iniciáticas que, como os “Irmãos do Livre Espírito” e os “Fiéis de Amor” (estes últimos estreitamente vinculados com a Ordem do Templo) propugnavam uma iniciação baseada nos mistérios do amor (cantados também por jograis e trovadores) como uma forma de aceder ao Conhecimento: a mulher como personificação da Sophia (sabedoria) divina, que tão somente se descobre ao homem quando a alma ou psique foi alquimicamente reduzida à “matéria prima”.
Assim que à abundante e bela criação literária da época, o rastro hermético se deixará sentir poderosamente, como no célebre "Romance da Rosa", de conteúdo épico e cavalheiresco, onde se descreve a gesta iniciática da busca do Templo interior (a Jerusalém Celeste), prefigurada já na arquitetura do Templo do Salomão. Mas o hermetismo cristão também estaria presente em homens de Igreja da talha de Mestre Eckhart, São Alberto Magno, São Boaventura, Roger Bacon, Michel Scot, Robert Grosseteste, e inclusive em papas como João XXI e Silvestre II (este no século XI). De novo na Península Ibérica encontramos o médico e alquimista catalão Arnau de Vilanova, em cuja obra "O Rosário dos Filósofos" destaca as correspondências existentes entre a paixão, morte e ressurreição de Cristo e os processos da Grande Obra. Pela mesma época, na Espanha também, o judeu Moisés de León escreve o Sefer Ha Zohar ou "Livro do Esplendor", obra fundamental, junto com o Sefer Ha Yetsirah, da Cabala hebraica. A Cabala teve uma notável influencia no filósofo e teurgo marroquino Ramón Llull, criador de um sistema astrológico-alquímico, o “ars combinatoria”, baseado nas combinações e permutações entre as diversas letras, nomes e atributos divinos relacionados com as figuras geométricas primitivas do triângulo, do círculo e do quadrado, figuras que simbolizam cada um dos três mundos. Este é um sistema doutrinário completo e coerente que recolhe o essencial da teosofia cristã (especialmente dos neoplatônicos Dionísio Areopagita e Scoto Erígena), da Cabala (Moisés de León e Abraham Abulafia) e também do Islã. Graças ao “ars combinatoria” o adepto pode comunicar-se com todos os planos do universo, ascendendo e descendendo pela escada da Arte do nível mais inferior até a Deidade inefável. De algum jeito Ramón Llull foi o primeiro em combinar os nomes divinos hebreus e cristãos, e com toda segurança em sua obra se inspiraram os magos e humanistas do Renascimento que iluminaram o importante movimento hermético da Cabala Cristã.


 
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METATRON
 

No Módulo I, título N.º 69, falávamos do Metatron e o associávamos com o arcanjo Miguel; queremos ampliar aqui um pouco o tema desta figura enigmática da doutrina cabalística. Começaremos dizendo que seu nome é equivalente numericamente no nome Shaddai (314), que significa "o Todo-poderoso", e em certas ocasiões o vê como o par da Shekhinah, a imanência divina. Tal é sua importância que às vezes o confundiu com o princípio chamado Moisés e até com o próprio Demiurgo.
Indefinido e sutil, é o grande intermediário, guardião, enviado e mediador; é Sar Ha Gadol, "Grande Príncipe", e Kohen Ha Gadol, "Grande Sacerdote", segundo René Guénon, que regula as relações do céu com a terra. Percorre a Árvore da Vida desde Kether a Malkhuth, morando alternativamente em Tifereth (e aqui se o assemelha com Cristo) e Yesod. Suas ascensão e descida são axiais.
Mas também a Cabala reconhece um lado escuro em Metatron e portanto na Shekhinah. Ao separar o mal do bem, as escórias (Keliphoth) formaram um Adão invertido: Adam Belial, e portanto há um Metatron invertido, a face escura do anjo Mikael: Samael, anjo que tem submetidos a inumeráveis demônios, entidades ctônicas e não urânicas, terrestres e não celestes, que são invocadas às vezes nos ritos mágicos.
A Shekhinah é a imagem de Deus –emanada d'Ele mesmo– que o faz inteligível, e está implícita em toda a Criação. Seu par masculino, Metatron, é a potência divina em ação.
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HISTÓRIA SAGRADA
 

O parêntese entre o final da Idade Média (que a tradição data em 1.314 com o desaparecimento da Ordem Templária) e os inícios do Renascimento, caracteriza-se por um período em que as estruturas da sociedade tradicional se debilitam e degeneram rapidamente. É uma época relativamente obscura, que assiste ao nascimento da Inquisição e ao início das censuras eclesiásticas contra qualquer expressão do verdadeiro esoterismo. De certo modo, a Tradição Hermética –junto com outras organizações iniciáticas– volta a se retrair sobre si mesma, seguindo o ritmo marcado pela inexorável lei cíclica de expansão-concentração a que estão sujeitos todos os movimentos da história e da vida. Além disso, à sombra desta tradição surgiram numerosos falsos alquimistas (os “sopradores de carvão”, como depreciativamente se lhes chamavam) que só pretendiam a fabricação do ouro físico, ignorando ou desprezando a vertente cosmogônica e metafísica do Ars Magna. Estes personagens (que hoje passariam pelos [chamados] "tradicionalistas", de diferente qualidade) fizeram bastante dano, pois com sua avareza e sua visão limitada ao puramente material desprestigiaram o trabalho dos verdadeiros adeptos, que por sua culpa tiveram que suportar diversas bulas papais condenatórias e inclusive perseguições e encarceramentos. Mas isto é tão somente o lado negativo que apresentam todas as épocas de transição, e em contrapartida o espírito do hermetismo continuaria iluminando as diferentes facetas da cultura do Ocidente. Assim, e apesar da cobertura protetora que sempre brinda uma civilização tradicional ter quase desaparecido, isso não impediu que numerosas individualidades (laicas ou pertencentes a ordens religiosas) continuassem mantendo e difundindo a ciência e o conhecimento herméticos, que terão uma grande difusão nas cortes européias, onde reis, príncipes e senhores se convertem em mecenas de alquimistas, magos, teúrgos e astrólogos. Deste modo prosseguem os contatos, nunca interrompidos, entre o hermetismo e as diversas ordens de cavalaria que subsistiram ou se criaram depois da dissolução da Templária. As gestas e aventuras iniciáticas contidas na literatura cavalheiresca dessa época manifestam uma clara influência da Alquimia, pelo que se deduz que o esoterismo hermético-cristão continuou existindo embora de forma mais secreta e velada. Outro tanto se pode dizer no referente à arte que, com exceção da arquitetura, conheceu uma particular difusão através da ourivesaria e das artes plásticas, ofícios que se inspiraram na mensagem cosmogônica e espiritual da Grande Obra. Aparecem também as primeiras gravuras coloridas, com as quais se introduz o elemento da luz e da cor na rica iconografia alquímica, que adquire assim uma indubitável beleza estética e simbólica. Mestres herméticos como João de Rupescissa, Nicolas Flamel, Hortulano, Basilio Valentim e Bernardo Trevisano, testemunharam com suas vidas e obras o vigor da Arte Real.
Deve se destacar que nestes tempos se estava produzindo a paulatina expulsão dos judeus não conversos da Espanha, efetivada em 1492. Este novo êxodo de um povo que já habitava a Península Ibérica (à qual chamaram de Sefarad, daí “sefardim”) desde vários séculos antes de Cristo (segundo algumas crônicas desde a primeira destruição do Templo de Jerusalém), fez possível que a Cabala penetrasse no resto da Europa, especialmente na Itália, França, Inglaterra e Alemanha. Nestes países, criaram-se importantes comunidades cabalísticas que intensificaram ainda mais, se é possível, os vínculos com o hermetismo. Por outro lado, foram judeus espanhóis que traduziram quase todas as obras herméticas do árabe ao latim e línguas vernáculas, graças a que adquiriram profundos conhecimentos sobre estas ciências. Muitos destes sábios foram também alquimistas e astrólogos. Assim, pelo conduto dos judeus a Tradição Hermética recebeu toda uma série de elementos doutrinais procedentes da Cabala, ficando definitivamente assimilados por ela, e se constituindo em parte integrante dela a partir de então.


 
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O NOME  I
 

Tudo o que escapa à atualidade de nosso conhecimento permanece como inexistente ao não poder nomeá-lo. Nomear é, pois, dar existência inteligível às coisas, resgatando delas sua identidade, sua qualidade e seu sentido universal. A esta faculdade exclusiva do homem sempre se considerou como um legado divino vinculado à intuição espiritual; não é sem motivo que seja o próprio Jehovah (YHVH) no relato da Gênese, quem outorga a Adão o poder de nomear todas as coisas, ou seja, o de atribuir função e destino a todos os seres e elementos deste mundo em relação a sua natureza essencial.
E embora o próprio mundo e a realidade nos antecedam, é enquanto possibilidade indefinida de descobri-los, de recriar a multidão de suas diferentes, mas articuladas, significações, que a vida adquire sentido. Todo verdadeiro conhecimento começa, efetivamente, pela evocação ou reminiscência de um significado cuja plenitude se pretende enlaçar; e os significados por sua vez cristalizam em um nome –equivalente a um signo, símbolo, código ou marca que sempre sintetiza um aspecto da realidade cósmica e universal, realidade cuja plenitude (unidade) é Deus ou o Ser em Si mesmo.
A linguagem, em especial a sagrada, não é mais que a articulação ritmada de todas as possibilidades inteligíveis dos nomes. Dada a universalidade das dez sefiroth, a doutrina cabalística lhes atribui a função e o papel de nomes –além da de numerações–, vinculados à identidade e o poder próprio de cada aspecto ou atributo determinado da divindade que eles expressam; outro tanto ocorre com o importante papel dado aos 99 epítetos sublimes de Allah na tradição islâmica.
Na Cabala, os nomes arquetípicos adotam cosmologicamente um papel polifacético, ao serem tanto relações ou energias vinculantes, quanto veículos da criatividade divina. Eis o motivo de que sejam considerados indistintamente como: inteligências, poderes angélicos (construtores e transformadores), idéias-força, proporções imutáveis, etc.; não é por isso casual que a ciência dos nomes e a arte de sua invocação formem parte essencial da metodologia e dos rituais iniciáticos de todas as tradições. O que no budismo é a recitação salmodiada dos mantras, é o japa no hinduísmo, o dhikr no islã, a própria oração em todas; em resumo, formas particulares de invocação ritual do nome divino.
Em um sentido menos universal, o nome segue também revelando, inclusive literalmente, a essência de seu portador. Pelo nome o indivíduo se diferencia dos outros indivíduos, sendo o que é e não outro. Pela forma se identifica, pelo contrário, com a espécie, da que é um representante particular. Paralelamente, os termos Nama-Rupa (nome e forma) designam, no hinduísmo, a essência e a substância de todo ser individual: as medidas cosmológicas de sua natureza específica, ou seja aquilo mediante o qual este ser participa simultaneamente –a seu nível– do universal (celeste) e do particular (terrestre); o nome, neste caso, simboliza a personalidade essencial, por assim dizer, o Si-mesmo deste ser que, sendo único e idêntico ao de todo ser, tem uma conotação propriamente universal, enquanto que a forma, sendo "específica", vincula-se a sua individualidade psicossomática particular, condicionada sempre pelos limites e leis do estado de existência que ocupa dentro da realidade cósmica.
Ultrapassar, neste sentido, as condições do nome e da forma, equivale a escapar das limitações próprias da individualidade e da espécie, acedendo ao informal e supra-individual, ou seja, aos estados superiores do ser.


 
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ASTROLOGIA
 

Tal como vimos o zodíaco em seu ciclo anual, dividido em doze signos mensais, também podemos vê-lo em um ciclo diário no qual a roda zodiacal faz um percurso aparente completo ao girar a Terra ao redor de seu próprio eixo. Alguns astrólogos consideram que, durante as vinte e quatro horas que seguem ao nascimento de uma pessoa, refletir-se-á toda sua vida. Para fazerem as observações, dividem a roda do zodíaco em doze Casas e fazem corresponder duas horas a cada uma delas. Isto determinará o signo ascendente e descendente do indivíduo e diversos aspectos de sua personalidade. Deve tomar-se em conta, ao realizar o cálculo das Casas, a latitude do lugar de nascimento, o dia do ano e a hora do dia. As Casas não são, como os signos, de 30° exatos, mas sim oscilam entre os 17° e os 60°.
Lembraremos o simbolismo das Casas e mostraremos como realizar os cálculos para confeccionar o Horóscopo. Mas repitamos que o fundamental é o conhecimento dos princípios, dos quais derivam as manifestações particulares.
I. Vita: É a casa do nascimento que indica as particularidades, tendências, talentos e potencialidades do indivíduo.
II. Lucrum: Refere-se ao plano material, os bens, riquezas e aquisições, assim como à alimentação e ao mundo físico.
III. Frates: Casa dos irmãos, e também da educação, a instrução e da adaptação ao médio. Relaciona-se com viagens menores.
IV. Genitor: É a casa dos pais e das características herdadas do meio familiar e social. Refere-se também ao patriotismo e às sucessões.
V. Filii: Esta casa está relacionada com os filhos, e em geral com o que o indivíduo produz, cria e engendra.
VI. Valetudo: Casa dos súditos, os escravos e os animais domésticos, é também do trabalho, os deveres e as obrigações.
VII. Uxor: Refere-se ao matrimônio, os afetos e as uniões, e também às alianças e as associações.
VIII. Mors: É a casa da morte e das grandes transformações. É também da decomposição e da putrefação.
IX. Peregrinationes: Casa das peregrinações e grandes viagens, está relacionada com a espiritualidade, a filosofia, a religião e o mistério.
X. Regnum, Honores: relaciona-se com os objetivos, as dignidades e a glória, assim como com a profissão, as ambições e as recompensas.
XI. Amici benefacta: Casa dos amigos, benfeitores e admiradores.
XII. Inimici: Nesta casa se vêem os inimigos ocultos, a prisão, o exílio, assim como as enfermidades, debilidades e doenças.


 
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HISTÓRIA SAGRADA: O RENASCIMENTO - I
 

Em parágrafos anteriores, vimos como todas as épocas históricas de que temos notícia desempenharam uma função específica no conjunto global do ciclo humano. O que se denominou “Renascimento”, e apesar de sua duração de apenas dois séculos, marcou definitivamente o que deveria ser a historia posterior da Europa e por extensão do mundo.
Com o desaparecimento do modelo de sociedade tradicional que na verdade representou a Idade Média, produziu-se uma crise de valores que penetrou em todos os âmbitos da vida e da cultura, manifestando-se, uma vez mais, um desses períodos críticos que de forma repetitiva e cíclica se dão na história da humanidade. O Renascimento surge como uma resposta a essa crise, mas por alguma razão que só é possível compreender quando se tem uma visão global e sintética das leis cíclicas, também preparou o caminho que inelutavelmente devia conduzir até a era de subversão anti-tradicional que representa o mundo moderno.
Na realidade, durante o Renascimento se produziu um fato que iria modificar radicalmente as estruturas sociais, políticas e religiosas que até então tinham imperado no Ocidente. Ao se fragmentar a unidade política de caráter supra-nacional que se conheceu na Idade Média –unidade fundamentada na convivência harmoniosa entre o poder temporal e a autoridade espiritual– surgem os estados e as nações, com a conseguinte afloração dos interesses egoístas e particulares dos governantes, unida ao poder cada vez mais amplo de um novo corpo social: a burocracia administrativa e a burguesia; o exoterismo religioso aguça seu dogmatismo, o que traz consigo uma ruptura com o esoterismo, que desde a desaparição da Ordem do Templo tinha visto diminuir enormemente sua influência espiritual.
Tudo isto traz aparelhado indevidamente um desconhecimento das relações simbólicas e sagradas que o homem mantinha com o universo. Nasce um conceito novo até então impensável: o humanismo, que reduz todas as coisas ao ponto de vista simplesmente humano, excluindo de seus esquemas qualquer intervenção direta do sobrenatural e divino.
Quando já não se compreende em toda sua extensão o símbolo, e seu poder evocador de outras leituras verticais desaparece, é perfeitamente lógico que o desejo de conhecimento, inato no homem, oriente-se e procure as respostas no plano exclusivamente horizontal e material. Esta é uma das razões pelas quais o Renascimento se caracterizou como a época dos grandes descobrimentos geográficos, e que se começasse a investigar o aspecto puramente mecanicista das coisas, deixando de lado ou ignorando o espírito que as anima.
Já ao final do Renascimento, homens como Descartes, com suas teorias empíricas e racionalistas, encarnaram essa visão dessacralizada do universo e do homem. Entretanto, tudo o que se disse até aqui não deixa de ser o ponto de vista mais exterior e periférico desta época de grandes contrastes que foi o Renascimento. Este também supôs uma continuação do pensamento tradicional do Ocidente, que não se perdeu de uma maneira definitiva, mas sim adotou outras formas de se expressar de acordo às novas condições de existência que se estavam gerando.



 
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HISTÓRIA SAGRADA: O RENASCIMENTO - II
 

Não é sem razão que a palavra Renascimento quer dizer um "voltar a nascer" de algo que já era, e não outra coisa distinta. Assiste-se nesta época a um poderoso ressurgimento da Tradição Hermética e das ciências a ela vinculadas como são a Alquimia e a Astrologia. Vemos igualmente como esta tradição se converte no receptáculo para onde confluem diversas correntes esotéricas e tradicionais. Assim, além da herança deixada pelo hermetismo cristão medieval (sobretudo através das ordens de cavalaria ainda vivas e de certas organizações iniciáticas como os "Fiéis de Amor", à qual pertenceu Dante) encontramos a importante contribuição da Cabala hebraica, que como conseqüência da paulatina expulsão dos judeus da Espanha, expandiu-se por quase todos os países da Europa, e em primeiro lugar na Itália, como dissemos. Ao mesmo tempo se conciliou a sabedoria cabalística com o cristianismo, que deu origem à chamada Cabala Cristã, cujo principal inspirador foi Pico de la Mirandola, discípulo de Gemisto Pleto e de Marsilio Ficino.
Um fato também significativo foi a queda do Império Bizantino em mãos dos turcos em 1.453, data que é habitualmente considerada como o início do Renascimento. Isto produziu que numerosos antigos textos gregos e alexandrinos (platônicos, pitagóricos e gnósticos) chegassem a Itália e se difundissem rapidamente, graças especialmente ao invento da imprensa, uma das grandes conquistas do Renascimento.
Em todo este conjunto de influências devemos destacar o "redescobrimento" da cultura greco-latina, que se evidenciou notoriamente na arquitetura, na pintura, na escultura e no pensamento filosófico. As novas técnicas da gravura que nascem com a imprensa são aproveitadas para plasmar o Conhecimento tradicional, dando-lhe ainda adornos de uma grande beleza plástica e simbólica, como foram o caso das gravuras de Dürer, Michael Maier, Basilio Valentino e tantos outros. O Liber Mundi (chamado do mesmo modo "Livro Mudo" por conter só imagens) dos Rosacruzes é uma clara amostra da utilização da gravura como meio de transmissão da doutrina. Criam-se em qualquer parte numerosas oficinas e escolas onde se acostumam as disciplinas cosmológicas e herméticas tomando para isso como suporte as artes e os ofícios.
Paralelamente a todas estas atividades criadoras, numerosos mestres herméticos do Renascimento foram homens de espírito e de disposição liberal, que tomaram parte ativa nos acontecimentos políticos e religiosos de sua época, que se caracterizou pela mais refinada sutileza em todas as formas culturais do que são ilustração e exemplo eloqüentes nas artes plásticas: Boticelli, Michelangelo, Leonardo, Benvenuto Cellini, etc., etc., arte toda ela carregada de sentido esotérico e onde as "figuras" e as "imagens" do discurso pictórico estão ligadas a idéias perfeitamente claras e de intenção didática e cosmogônica, tudo isto sem mencionar as maravilhosas técnicas formais destes artistas, e a magia de que faziam ornamento em sua realização, que através do tempo segue manifestando-se na atualidade.



 
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NOTA: MAGIA
 

Entende-se aqui por magia (sem desconhecer formas menores, ineficazes e perversas desta ciência) toda atividade ritual intermediária, dedicada a atrair as energias celestes à realidade terrestre, de acordo à doutrina das emanações cabalísticas que subordina o mundo elemental e corporal ao mundo anímico e astral, e ambos ao plano estritamente espiritual, ou em outra terminologia: intelectual. Por este motivo tanto as práticas cultuais, como os encantamentos, exercícios, concentrações, meditações, estudos, e especialmente a oração, devem efetuar-se tendo o ânimo e a inteligência postos nas verdades mais elevadas, no Deus supremo e incognoscível, além de sua própria criação. Isto fará com que estas práticas mágicas, ou melhor teúrgicas e celestes, que pressupõem um conhecimento cosmogônico e metafísico, sejam eficientes e adequadas proporcionalmente às necessidades invocadas. Por outro lado, este movimento descendente de energias e forças que se provoca tem que ser completamente subjetivo e interno, ou seja de exclusivo interesse do sujeito que as pratica em íntima relação com o benefício do Conhecimento. Sua característica tem que ser a da realização de um rito simpático e rítmico com o universo, e estas correspondências e analogias que se pretendem estabelecer devem ser efetuadas com um total desinteresse sobre coisas particulares; ou seja com um alto grau de "esvaziamento" e "impessoalidade", para que os eflúvios do mais alto se derramem sobre o "operário" ou aprendiz de mago, que desse modo possa aceder às verdades mais sutis e recônditas e às esferas mais altas do intelecto divino, a um ponto tal que seu próprio ser se encontre identificado em todo tempo e lugar com as mais transparentes emanações do cosmo e advirta sua unidade e majestade em todas as coisas, de uma maneira natural, pois estas verdades são já consubstanciais com seu próprio ser. Neste tipo de identificação com o universo e com o que está além dele, tem um papel extraordinariamente eficiente a Árvore da Vida Sefirótica, como modelo do universo e instrumento veicular e revelador (como o TARÔ) das energias intermediárias entre a Deidade mais alta e os seres e as coisas manifestados de forma material, ou elementar.

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MAGIA E ARTE
 

Uma representação pictórica é uma cerimônia congelada, um gesto prototípico capaz de engendrar um sem-número de outros gestos igualmente harmoniosos. Assim concebiam a Arte os mestres do Renascimento, e esse é o caso da maior parte de suas criações, por exemplo, "A Primavera" de Boticelli, cujo conteúdo mágico e esotérico é evidente, transmitindo as emanações do doce mistério da vida, percebido plenamente pelo autor. Por certo que Leonardo participava deste mesmo tipo de concepção, e se encarregou de demonstrá-lo não só por meio de sua obra plástica, mas também com sua ciência e com o matrimônio desta com sua arte em representações mecânico-teatrais, onde manifestou o modelo cosmogônico mediante um grandioso espetáculo que ofereceu na corte de seus protetores. Shakespeare utilizou também da poesia e do teatro para expressar o esotérico, como deste modo o fizeram os artistas renascentistas, não só italianos, mas também alemães, franceses, flamengos e ingleses (com expressões tão aparentemente afastadas como a construção de jardins simbólicos herméticos, ou engenhos animados, etc. etc.), até o começo do século XVIII. A arte era, pois, um rito, uma cerimônia mágica encaminhada a estabelecer uma comunicação entre céu e terra, em altares de uma harmonia energética universal designada com o radiante nome de Beleza.
Igualmente Magia e Arte têm que ser conectadas de forma direta com o Amor, como sinônimo de União, que na prática cotidiana não só tem que se identificar com ideais românticos mas também com a faustuosa genitalidade da fêmea prototípica (vez por outra individualizada).
Não há nada mais valioso que a aventura do Conhecimento e sua seqüela, a energia do Pensamento, ou seja, os instrumentos motores da Arte que resolvem no prazer inefável da Contemplação. Eles não têm preço, na verdade, e se houver algo que pode ser chamado luxo é esta magia, que paradoxalmente se encontra ao alcance imediato de todo aquele que é capaz de interessar-se verdadeiramente nela; a qual, de mudança em mudança, vai produzindo uma autêntica transmutação interior.
Na realidade o Agartha, além de ser um método de Autoconhecimento é um tratado de arte teúrgica que se reconhece nas imagens ordenadas de uma cosmogonia e que se revela na organização da imaginação, mediante um rito preciso e, ai!, extremamente purificador, ao ponto de tocar os limites individuais e transpassá-los, prorrompendo no luminoso âmbito do Conhecimento e da metafísica, origem e fim de todo poder. Isto é válido tanto para as figuras do TARÔ, associadas a imagens mentais, como para tudo o que o aprendiz trabalhou com o modelo cabalístico da Árvore da Vida. O leitor possui agora um arquivo dinâmico de imagens e figuras às quais pode recorrer em qualquer momento. Inclusive esses símbolos repercutirão de maneira inconsciente nele e serão causa de novos efeitos que ao se transformarem outra vez em causas, assegurarão um trabalho mágico ininterrupto de participação no cosmo mediante arquétipos tradicionais que possibilitam a constante regeneração do plano do artista divino. Estas práticas rituais de recriação de imagens mediante a memória, levam à recordação do si mesmo, à "reminiscência" platônica; sobretudo quando a meditação sobre o objeto mágico que se deseja recordar se faz não só mediante a atenção concentrada, mas também quando esta, uma vez exercida, pode ser liberada e voar atrás de uma imaginação que nada tem de arbitrária, pois foi provocada e modelada por idéias-forças universais, energias sutis e vivas que finalmente terminam se manifestando em gestos existenciais, ao extremo não só de assinalar ideários definidos, mas também igualmente de determinar maneiras de ser e viver, critérios morais e normas de conduta. A palavra “re-conhecer”, que empregamos neste texto, quer dizer “conhecer duas vezes”. Em particular a utilizamos no sentido de voltar a conhecer o que já sabíamos, o que é o mesmo que descobrir a verdadeira identidade, intrínseca união com o Si Mesmo e seus indefinidos reflexos, que perenemente modificam e reconstroem o cosmo. Esse re-conhecer ritual, reiterado, é a razão de ser deste manual, sua autêntica essência, sua novidade permanente, e o propósito daqueles que o desenharam. Assinalaremos, embora não seja mais que uma coincidência, que o termo "reconhecer", em castelhano [N.T.: “reconocer”], é uma palavra rebis [N.T.: palíndromo], ou seja, que se pode ler tanto da esquerda para a direita, como da direita para a esquerda, o que constitui um exemplo cabal do que se entende por inversão.


 
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CABALA: O NOME - II
 

Para a Cabala o nome indica a essência do renomado e, portanto, a identidade. Isto é assim porque ela configura uma metafísica da linguagem, e como tal, as letras do alfabeto são produtos do Verbo e da Grafia divinos, de sua Palavra e de sua Escritura.
O nome divino, o Schem, está dotado de um misterioso poder total, e todo aquele que conhece ou participa de algum modo do conhecimento desse nome se encontra compartilhando automaticamente desse poder.
Não é, portanto, nada estranho que o nome de Yahvé não pudesse pronunciar-se (e inclusive escrever-se corretamente), posto que violar esta proibição equivaleria a brincar com um poder incontrolável, além de todo limite ou proporção. Por tal razão, tratava-se de nomear indiretamente, ou só por alguns atributos, à deidade –e em determinadas circunstâncias–, posto que todo nome sagrado leva um poder intransferível, um segredo que compartilha com todos os nomes; com qualquer coisa nomeada e até com a possibilidade de se nomear.
Isto outorga uma importância extraordinária à palavra e a sua expressão: a escritura, o que comporta transferir esta suprema valoração aos textos sagrados, em particular aos cinco primeiros livros de Moisés, e à Bíblia em geral, que será herdada pelas religiões "do livro": tanto pelo cristianismo (com o agregado do Novo Testamento) quanto pelo islã (Corão), o que se projeta em toda a cultura ocidental. Fazendo a condição de que estes textos não são letra-morta, mas sim palavra viva, permanente e atual, e o livro um organismo, com uma energia íntima, do qual constantemente surge uma nova luz, a verdade, para iluminar os segredos cosmogônicos e metafísicos, revelados e velados ao mesmo tempo. Certamente que isto modifica de forma substancial a relação entre o homem e a escritura e, portanto, a do homem com a leitura (reflexo por sua vez da que mantém com o nome e com a palavra), derivadas do pensamento e da consciência, que distinguem e singularizam o fenômeno humano. Por tal motivo, a concepção cabalística sobre o homem se encontra estreitamente ligada com a possibilidade de nomear, o que equivale dizer à de criar, ou re-criar, à de formar e re-formar o cosmo, que definitivamente não é mais que um conjunto de nomes proferidos pela Palavra divina.
Na letra está, pois, o sentido da criação, que foi realizada precisamente pelas combinações e permutações dos signos do Santo Alfabeto Cósmico, grafados pela pluma de Deus, cujo nome se tece de maneira oculta em cada uma dessas letras e em todas as palavras e nomes, inclusive nos espaços vazios que deixam livres os signos entre si.
Diz Orígenes que, tal como a magia, o nome e seu poder não são vãos e sem importância, mas, pelo contrário, uma ciência temível; desta forma, terá que utilizar com prudência e circunspeção estes nomes mágicos, cuja eficácia deriva de sua pronúncia em sua língua original, porque é precisamente o som o que atua.
Os doutores hebreus desenvolveram extensamente estes estudos, fundamentalmente orais, embora haja numerosos escritos destinados a despertar os gênios adormecidos mediante o chamado e a escritura de seus nomes, ou atributos, como o efetuaram todas as culturas tradicionais ou primitivas, embora não tenham produzido necessariamente uma linguagem alfabética, por se terem expressado por glifos ou emblemas ideogramáticos, ou de outra maneira análoga, mediante símbolos que fixavam o nome e, portanto, o que este representava, em perfeito acordo com a ordem cósmica.



 
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O LABOR COTIDIANO
 

Insiste-se novamente sobre a necessidade –quase urgência– do trabalho diário interno a aqueles que vão em busca do Conhecimento. Desgraçadamente a natureza do homem é tal que tende a esquecer o que verdadeiramente lhe interessa e procurou sempre, e é traído pelos sentidos, ao que se soma a determinação do meio social contemporâneo, absolutamente profano e afastado da autêntica realidade do que o mundo e o ser humano são e representam. Este condicionamento a uma imagem fixa, literal e falsa do que somos e o que nos rodeia, faz com que sejamos absorvidos pela inegável força da mediocridade do meio, que de indefinidas maneiras, inclusive com a violência e a "chantagem", trata de nos fazer participar do achatamento de seus valores.
O leitor de Agartha sabe que deve empregar todas suas energias nessa luta surda com o social (que está acostumado a se manifestar, às vezes, através da família) ao se enfrentar com essas concepções que ele, queira-o ou não, tem internalizadas mediante uma aprendizagem tão falsa quanto equivocada, estando a se enfrentar consigo mesmo e seus próprios enganos e misérias.
Várias armas tem o aprendiz de alquimista para vencer nesta guerra. A primeira é a paciência, uma forma de compassar o tempo; deste modo, possui distintos veículos para obter seus propósitos, que se foram indicando ao longo de nosso Programa. O objetivo destes trabalhos, deste treinamento que nos provê este manual, é obter a atenção concentrada, a reminiscência e lembrança de nós mesmos, e o conhecimento dos segredos cosmogônicos, com relação a abordar a metafísica e a contemplação, efetuando determinadas práticas e exercícios, como o estudo e a meditação e, igualmente, o cultivo de certas potências anímicas referentes às imagens visuais e mentais que se produzem em nós e que atuam como despertadores de consciência.
Mas o aprendiz do teúrgo sabe a esta altura do caminho percorrido que é obrigado à perseverança cotidiana, que se podem obter conquistas duradouras em sua realização. Por isso, vez por outra, insiste em seus trabalhos e fadigas, impulsionado pela fé na promessa que lhe foi dada (aquela de que obterá cem vezes mais do que tinha,) apesar de suas amarguras e graças a seu sacrifício. Razão pela qual é capaz de dizer “Redobro!”, em especial em circunstâncias difíceis, ou seja, naquelas em que se faz imprescindível um sobre-esforço e onde se vê não só como conveniente, mas sim como imprescindível, a realização do rito cotidiano, a única salvação em um mundo como o que nos tocou viver.


Por tudo isto é que nos permitimos recomendar novamente aos nossos leitores a releitura do Programa Agartha. Não só porque terá uma visão diferente do que aqui se diz, mas também porque em muitas coisas ela será como nova, a tal ponto você foi capaz de modificar seu critério, seu ângulo de visão. Este exercício lhe permitirá estabelecer comparações entre suas antigas concepções e as novas e estabelecer assim seu grau de "adiantamento", ou melhor: a porção do caminho espiral ascendido. Sua elevação do plano da visão literal, às sutis percepções de outras formas da consciência, que se constituem numa atmosfera diferente para o desenvolvimento do ser, a tal ponto que pode então se falar de um antes e um agora, de um homem velho e, portanto, de um homem novo, de uma metamorfose ou, muito melhor, de autêntica metanóia .

Deve-se, pois, seguir confiando na memória, que devidamente treinada pelo exercício e pelo estudo, pela escritura interna que imprimimos nela, constituir-se-á em uma energia constante, que atuará por si mesma, como se manifestasse uma ordem mágica e divina.


 
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QUIROLOGIA
 

À mão, que cumpre uma função de modelo simbólico, a Cabala lhe outorga um profundo sentido sagrado. Da mesma forma, outras tradições, como a Hermética ou o Islã (ver nesta última, por exemplo, a importância talismânica que possui a mão da Fátima, a filha do Profeta). As duas mãos unidas com seus respectivos cinco mais cinco dedos são uma imagem do modelo do denário arquetípico e, portanto, da realidade que expressa a Árvore da Vida Sefirótica. Mas o que hoje se entende por quiromancia ou quirologia (do grego kheir, mão) é um vestígio, muito desfigurado –como é também a Astrologia moderna–, pelo que outrora fora uma ciência de alcance espiritual e oracular. Haveremos, pois, de insistir em que todas as artes mânticas e adivinhatórias em geral assumem o verdadeiro sentido e função que lhes compete só enquanto emolduradas dentro de uma perspectiva espiritual e iniciática, do homem e do mundo, alheia a toda superstição e literalidade. Embora que isto seja assim, é obvio que nas mãos está impresso o mapa de nosso próprio destino e natureza, como também no rosto ou na própria configuração física. Em qualquer caso, já se sabe que todo o âmbito terrestre e corporal é um reflexo ou rastro de um modelo celeste, pelo que cada parcela de sua geografia é portadora de uma mensagem simbólica que está apenas manifestando esse modelo num nível (assim é, por exemplo, quando recém-nascido o Buda Sakyamuni, os sacerdotes decifraram seu importante destino espiritual partindo dos 32 signos impressos em sua pele).

Quirologia

A cada dedo, linha e região da mão se lhes atribui, efetivamente, uma correspondência com uma deidade determinada, vinculada, sobretudo, ao simbolismo astrológico e alquímico: o polegar a Vênus, o índice a Júpiter, o médio a Saturno, o anular ao Sol e o mínimo a Mercúrio. Entretanto, à hora de decifrar os diferentes sentidos e analogias simbólicas dos signos terá que se considerar a mutabilidade –e portanto relatividade– do mundo sensível e corporal, próprio do fenômeno e da mudança. Os signos da topografia física trocam de configuração em seus pormenores ao trocar constantemente também o próprio organismo e ainda mais até seu aspecto externo. Estabelecer, pois, sistemas muito rígidos de interpretação é se arriscar indevidamente a cair no engano de tomar algo relativo por algo absoluto. De fato, e tal e qual no caso da fisiognomia, cada tradição ou povo possui variantes próprias de interpretação, válidas na maioria das vezes para sua própria raça e ligadas a seus próprios parâmetros simbólicos, o que não quer dizer que, no fundo, não exista entre eles uma unanimidade essencial de sentido. Digamos, por último, que a mão esquerda está relacionada com o ancestral e a herança psíquica do indivíduo, com suas possibilidades latentes, enquanto que a direita o está com sua personalidade e sua atualidade, ou seja com a concreção efetiva de tudo o que, na esquerda, é potencial e instintivo; relação análoga à de toda a simetria microcósmica.


 
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CABALA
 

No começo de nosso Programa (Módulo I, título N.º 26), mostramos as correspondências entre o modelo do Árvore da Vida e o corpo humano. Ali propúnhamos umas correspondências e sugeríamos as visualizações adequadas a elas. Também dizíamos ali que em futuras práticas tentaríamos a inversão de polaridade de energias. Isso é o que faremos agora de acordo ao seguinte quadro:


Kether: o alto da cabeça
Hokhmah: olho e hemisfério cerebral direito
Binah: olho e hemisfério cerebral esquerdo
Hesed: braço direito
Gueburah: braço esquerdo
Tifereth: coração, plexo solar
Netsah: perna e quadril direitos
Hod: perna e quadril esquerdos
Yesod: as genitálias
Malkhuth: base, planta dos pés


No futuro, regularemos e ordenaremos nossas visualizações e exercícios respiratórios assim como nossas “especulações” (o espelho reflete sempre as imagens invertidas, tais como estão nossas mãos uma com relação à outra, e deste modo as duas metades dos hemisférios cerebrais) de acordo à presente versão, que não só é cabalista mas também se acha em correspondência com outras tradições.
Portanto a mão direita já não representará o rigor e a justiça, mas a misericórdia e a graça (Hesed) e será a mão de benzer. Igualmente Hokhmah será o olho direito e o hemisfério cerebral que representará a reta (ou direita) intenção (ver Módulo II, título N.º 43) e a coluna da esquerda se relacionará com o passivo, com o limitante e constritor. Esta é uma maneira radical de conjugar os contrários, por meio de um exercício prático que deve necessariamente unificar os opostos no eixo central.
A orientação que damos agora é especialmente válida para os povos do hemisfério norte e tem como referência a estrela polar, situada nesse ponto cardeal, o norte, para o qual se olha. A orientação que seguimos até o momento enfrenta o sul, e tem como guia o Cruzeiro do Sul, visível nesse hemisfério. O oriente e o ocidente se correspondem em ambas as situações com distintos braços no homem embora obviamente não trocam seu conteúdo essencial identificado com a saída e ocaso do sol.


 
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A ESTRELA E A ESPIGA
 

A viagem reiterada pelas dimensões do mundo do homem, à luz da estrela entrevista no segundo de um outro tempo, mais atemporal, próximo às origens, viagem de reconhecimento das direções qualitativas da caixa-cubo do cosmo, é também o reconhecimento da obra de arte sagrada, que possui a qualidade do holograma, obra também da luz, em que a parte contém imanentemente o Todo. O mundo do homem é um todo unitário, um jogo de relações e tensões que se equilibram em seu centro sempre virginal. Essas viagens não são distintas da compreensão que a alma realiza reconhecendo suas qualidades, seu desenho, sua forma prototípica, assinalada pela divina proporção que nasce da relação da Estrela com a circunferência de seu limite. Essa regra de ouro, ou proporção áurea, é o verdadeiro nome das coisas, sua realidade no Homem primordial, que as resgata devolvendo o mundo a seu Princípio, na síntese de sua morada originária.
Mas o encontrar a Estrela, selo da verdadeira vida do mundo do homem, é também encontrar a morte, não como a entende o mundo profano, mas sim no nome de outra luz, mais que inteligível, não cósmica, com relação à qual a anterior não é mais que um pálido reflexo. Efetivamente, o mesmo que dá a vida, sinalizada por isso mesmo com a morte. A afirmação do ser oculta tudo aquilo que só pode ser expresso em termos negativos, por ser inefável. No coração do templo, o altar, centro onde se equilibram as influências do celeste e do terrestre, do vertical e do horizontal, pode ser produzido um sacrifício secreto, caracterizado pelo abandono de todo reflexo, no qual o oficiante e a vítima sejam um só. Tudo foi dado e tem que ser devolvido, com a gratuidade própria de uma Realidade que nunca se viu a si mesma como proprietária, pois é Não-Dual.
A espiga, que o Sol fez crescer, mostrando-se sobre o meridiano, não poderia seguir crescendo indefinidamente. Seu próprio peso, que deve à Terra, inclina-a sobre si mesmo, traçando o anagrama de um Nome arquetípico pelo que são feitas novas todas as coisas.


 
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ALQUIMIA
 

Geralmente quando se fala da Ciência Alquímica se pensa naquela referente ao reino mineral, cujo objetivo é a realização do ouro metálico através da pedra filosofal. Esta forma da Arte Régia é a transmutação que se produz no atanor ou forno por meio de diferentes procedimentos e etapas que o adepto relaciona com seu próprio processo iniciático interno, análogo a qualquer gestação, começando pela do Universo. Entretanto, já mencionamos a alquimia vegetal como uma possibilidade idêntica, que utiliza o próprio corpo humano como um atanor e persegue exatamente os mesmos fins, ou seja, os da plena realização das possibilidades humanas por meio da constante conjunção das energias opostas, que jazem no fundo de sua alma. Também devemos mencionar uma alquimia desenvolvida através da respiração, que pretende fixar o hálito vital (o prana dos hindus) como alimento constante fluídico e permanente da criação íntegra.
É necessário esclarecer que todas essas formas da alquimia são igualmente válidas e são referentes a idênticos princípios cosmogônicos que se manifestam de igual modo essencialmente, embora as formas de se expressarem sejam diferentes, razão pela qual são válidos os mesmos símbolos e a sucessão das operações descritas na alquimia metálica (começando pelo mercúrio), embora a matéria prima a se empregar seja diferente. Caberia também aqui assinalar a alquimia sexual como outra modalidade operativa, intimamente ligada ao que no hinduísmo e o budismo se denomina tantra. Todos estes aspectos têm em comum a idéia de uma regeneração e por isso estão ligados a conceitos referentes à “longa vida”, “medicina universal” e inclusive à “imortalidade”, o que é claro no Taoísmo.
Também queremos sublinhar que a alquimia foi chamada a ciência dos espelhos, e que estas especulações constituem em todos os casos uma ordem consecutiva de dissoluções e sublimações, dissociações e associações, de mortes e ressurreições que não são indefinidas nem se perdem no vazio de um gesto tão reiterado como banal, mas sim aspiram a uma conquista final, na qual elas, e portanto a alquimia, adquirem seu verdadeiro sentido.


 
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VIRGILIO-DANTE  I
 

É bastante freqüente, na história das civilizações tradicionais, o fato de que quando estas, por imperativos cíclicos, estavam a ponto de desaparecer, a doutrina metafísica e cosmológica que ordenou sua cultura e sua vida tenha se refugiado nas obras de determinados personagens chave, e isso com o propósito de que dita doutrina não se perdesse definitivamente. O destino dos homens de Conhecimento que vivem durante esses períodos críticos está, em parte, sujeito a essa missão de salvaguarda. Tal é o caso de Dante em relação à Idade Média. Foi em "A Divina Comédia" onde Dante recolheu e plasmou o essencial do esoterismo cristão que estava representado por certos grupos artesanais, herméticos e cavalheirescos, como a Ordem Templária. Como já dissemos em um parágrafo anterior, a própria organização a que pertencia Dante, os "Fiéis de Amor", passava por ser um ramo da própria Ordem do Templo, pelo que é de se supor que, quando esta desapareceu em 1314, os "Fiéis de Amor" tenham continuado a manter –embora em forma mais oculta e velada– grande parte do ensino iniciático e tradicional que detinham os cavaleiros templários. É esta herança espiritual que na verdade constitui o eixo medular que sustenta toda "A Divina Comédia", e qualquer leitura que desta obra se faça deve ter em conta este dado, quando se deseja conhecer o profundo sentido que encerra.
Entretanto, existe a presença de outras fontes tradicionais no poema de Dante, coisa que não é de se estranhar tendo em conta a encruzilhada de culturas que confluíram na época medieval. Concretamente nos referimos à presença da tradição greco-latina, representada na Comédia por Virgílio, a quem Dante chama mestre, senhor e guia. Virgílio foi, com respeito à tradição greco-latina, o mesmo que Dante com relação ao esoterismo cristão: um iniciado que conservou em suas obras, especialmente no Geórgicas e na Eneida, o essencial de sua cultura. Na Eneida, por exemplo, encontramos uma série de dados relacionados com a doutrina dos ciclos, e sem dúvida Dante se serve deles na Divina Comédia. Tudo isto nos indica que a tradição representada por Virgílio continuava viva nos tempos de Dante, e continuaria estando para além destes, como fundamento que é da própria cultura e da história sagrada do Ocidente, e cuja herança recebemos todos os nascidos nele, sejamos ou não conscientes disso.
Centrando-nos no ponto de vista do processo iniciático, e considerando que com respeito a ele a história e a geografia sagradas –assim que expressam as leis universais– também constituem um dado importante a ter presente, pode se dizer que a tradição greco-latina representa para Dante o legado de seus ancestrais ou antepassados; um legado impresso por “consangüinidade espiritual” na alma do poeta florentino. Quando em sua “viagem” Dante acede à região intermediária do mundo sutil, simbolizada pelo “limbo”, e contempla as almas dos justos que ali moram (a de Homero, Enéias, Heitor, César, Ovídio, Horácio, Orfeu, Pitágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles, Sêneca, Heráclito, Zenão, Diógenes, Anaxágoras, Tales, Empédocles, Euclides, Ptolomeu, etc.), “re-conhece” em si mesmo essa herança tradicional, sendo graças a ela, e junto a seu mestre Virgílio, que pode acometer seguidamente o duro e perigoso descenso pelos círculos infernais, que supõem uma imersão no aspecto mais tenebroso da psique: os prolongamentos mais inferiores do estado humano, que devem ser esgotados definitivamente antes da ascensão ou subida aos céus e aos estados superiores.


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O MÉTODO FUNDAMENTAL
 

O estudo e a meditação sobre os textos herméticos, o Ensino da Cabala sefirótica, as imagens e a estrutura móvel propostas pelo Tarô, tanto quanto as da Alquimia e suas operações, assim como a da ciência Astrológica e Pitagórica, e o discurso platônico, produzem na alma que contempla um reencontro com a Gnose Perene, conhecimento e sabedoria obtidos a partir da ascensão paulatina pelas esferas e experimentados de modo vital a partir de uma teurgia fundamentalmente individual. Ou seja, um método "objetivo" que se encarna de modo "subjetivo", em forma "mágica".
Isto desde já se deve à correspondência entre todos os planos da realidade, tanto do macro quanto do microcosmos, e do amor entre suas partes que, partindo da Unidade Original, primeira determinação do Não Ser, articulam-se desde a Idéia e do Arquétipo até a materialidade mais concreta de nosso mundo sensível através do plano intermédio, povoado por entidades espirituais informais e sutis, que atuam como mensageiras concretas das emanações mais altas das quais são recipiendárias, e que transmutam em vibrações que, por sua vez, geram as inumeráveis energias do mais baixo. Para o Hermetismo, só é preciso reverter este processo descendente (que no homem se denominou Espírito-Alma-Corpo), isto é, fazê-lo ascendente para remontar assim até o primeiro Princípio, amparados e protegidos pelo orvalho celeste, cristalização do supra-celeste.


 
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DANÇA: EXERCÍCIO PRÁTICO
 

Conselho: Deixar se levar pelo movimento e pelos giros constantes da dança, que nos tiram de nossa percepção ordinária e nos proporcionam um exercício tão descondicionador quanto ligado a outras leituras das dimensões do movimento em sua expressão atemporal e espacial, que logo são observadas nos deslocamentos de maneira direta, não dialética e racional; os movimentos harmônicos inspirados pelos deuses do ar nos transpõem, mediante a ruptura de nosso falso controle, a espaços e ciclos mais amplos daqueles que laboriosa e equivocadamente forjamos em nossos cotidianidade por problemas de autocensura interna.


 
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VIRGILIO-DANTE  II
 

Na simbólica iniciática, a “porta dos infernos”, ou Ianua Inferni, que é precisamente a “porta dos homens” ou dos “ancestrais”, é a que o ser em procura de sua realização espiritual deve franquear antes de sair pela “porta dos deuses”, ou Ianua Coeli, aquela que dá acesso aos estados supra-individuais ou supra-humanos. Mas com o descenso ao infra-mundo ou “reino dos mortos”, não termina a função de guia assumida por Virgilio, senão que esta ainda permanece, em decorrência da não menos penosa ascensão pela montanha do Purgatório, durante a qual Dante se purifica e se re-genera dos “sete pecados capitais”, reverso negativo das “sete virtudes”, setenário este que manifesta as energias ambivalentes dos planetas. Por outro lado, o percurso pelo qual ascende equivale às provas iniciais. Desta forma, a estrutura literária da Divina Comédia (e especialmente do Inferno e do Purgatório) está também inspirada na Eneida virgiliana (concretamente no Canto VI), onde se relata o descenso do herói troiano Enéias no antro da Sibila de Cumas. Ademais, este mesmo esquema, que por outro lado é universal, repete-se nos mistérios órficos e de Elêusis, bem como no descenso de Ulisses ao antro das ninfas. Igualmente há que se considerar a influência do islã, e concretamente no que se refere ao relato do mais importante mestre espiritual do sufismo, Mohyddin ibn Arabi, que em sua obra Revelações de Meca descreve a "viagem noturna" de Mohamed através dos três mundos. Esta influência não é de se estranhar, pois, como já se disse em títulos anteriores, os intercâmbios doutrinais entre o esoterismo cristão e o islâmico foram bastante freqüentes na Idade Média.
É importante assinalar que Virgílio também simboliza a razão humana que deve prevalecer firmemente no iniciado, a fim de que não sucumba ante os três tipos de perigos com os quais deve se enfrentar em sua descida aos infernos: a queda no lamaçal, a volta para trás e a petrificação. Neste caso, a razão deve ser entendida como a síntese de todas as faculdades e virtudes correspondentes ao estado humano e que por isso mesmo refletem e manifestam a Razão ou Inteligência divina. Curiosamente a palavra latina ratio designa por igual a razão e o raio que conecta a periferia de uma circunferência com seu centro. Desta forma, e nos servindo uma vez mais da analogia geométrica, no contexto iniciático a razão (no sentido que lhe damos e não no qual lhe outorga o “racionalismo”) representa a via reta, ou “reta intenção”, que não terá que perder nessa viagem labiríntica da periferia de nós mesmos, até o centro ou ponto mais interno onde reside nossa autêntica identidade. É quando Dante alcança o Paraíso terrestre –situado no topo da montanha do Purgatório– que Virgílio, quer dizer a tradição de seus antepassados, cumpriu sua missão com respeito à horizontalidade humana. No Paraíso terrestre (o centro de nosso estado de existência) Dante encontra Beatriz, encarnação da Sabedoria e da Beleza transcendentes, e junto a ela empreende a viagem, desta vez vertical, através dos diversos céus planetários que simbolizam os estados superiores do ser, até alcançar a plenitude do Conhecimento e do acesso ao Paraíso celeste, onde reside "... o Amor que move o Sol e as demais estrelas."


 
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EXERCÍCIOS PRÁTICOS
 

Queremos lhe sugerir, se é que já não o efetuou, que realize o estudo do Agartha de noite. No começo de nosso Programa é mais indicado (embora de maneira nenhuma necessário ou imprescindível) realizar os exercícios e meditações nas horas diurnas, em especial de manhã, antes de enfrentar o mundo profano e cotidiano. Se isto foi assim, comece agora a praticar nas horas noturnas. Ao contrário, se até agora se exercitou de noite, deve começar a praticar os exercícios de dia, pelo menos durante um certo período. Na realidade, há adeptos que dizem que o trabalho alquímico deve ser efetuado do meio-dia em diante e outros que por anos trabalham só a partir da meia-noite, uma vez entenderam com os olhos bem abertos –na vigília de manhãs e tardes– a natureza de suas operações.
Deve-se esclarecer que não é unicamente que se recomenda este horário noturno pela maior tranqüilidade que oferece a noite na vida moderna e nas cidades contemporâneas, mas sim pela energia-força que contém, intimamente ligada à descida à interioridade da terra, ou aprofundamento de todos os aspectos e planos de nossa existência, tal qual o efetua o sol em seu percurso, para renascer em cada amanhecer, coalhado de beleza.
Também representa uma interessante forma de assimilação e aprendizagem o sonhar com o modelo do universo cabalístico, nossa Árvore da Vida Sefirótica. Se isto ainda não lhe aconteceu, faça os exercícios de visualização antes de se deitar, com a firme intenção de que esta aflore em seus sonhos.
Igualmente queremos indicar outra prática: comece a meditar todas as noites de lua cheia que possa, ou as que seja capaz. Faça os exercícios de respiração dados neste manual. Faça-os só ou com outro ou outros amigos/as que estejam realizando ou tenham seguido o Programa. Tenha a segurança de que muitas outras pessoas em diferentes partes do mundo estão fazendo o mesmo que você. Una-se a eles e sinta a força da energia da Boa Vontade, e a plenitude do Agartha em ação. Dedique de 1/2 a 1 hora a isto.
Acompanhe-nos nestas práticas cuja única intenção é a entrega completa a um Poder Superior e a Oração por nossos irmãos perdidos na confusão de um mundo profano. Carregue suas baterias e desfrute da Paz do Senhor e de uma vida cada vez menos opressiva.


 
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SOBRE O TRABALHO INTERNO
 

A luta por nos livrar dos condicionamentos que nos marcam e dos que inconscientemente obedecemos (fazendo-nos seus escravos, quando não seus cúmplices, por temor a destruir o que pretendidamente somos e a mudar nossa maneira de ser e existir) deve realizar-se com a assepsia do guerreiro e invocando a graça das deidades para que os espíritos nos guiem no intrincado labirinto do destino. O fruto de nosso desejo é a virgindade capaz de levantar todo nosso pequeno cosmo novamente, depois de morto às concepções caducas, mas agora edificando sobre uma ordem que escolhemos. Seria possível pensar que a construção a partir de um modelo análogo ao próprio universo fosse precisamente nosso condicionamento. Nesse caso estaríamos governados pelos númens, que sinalizam nosso caminho e a obediência às vozes interiores seria acessar o seu amor e misericórdia. Algo que sem dúvida tem que ver com o sagrado em detrimento do profano, marcado pela leitura egótica e literal, ou pela interpretação psicológica ou social, ou qualquer outra programação cultural, que nos faz ser o que o poder e o meio determinam em sua ignorância. Não houve tirania igual, nem que se assemelhasse sequer no totalitário ao que se produz na sociedade moderna, embora esta suponha nos deslumbrar com sua técnica, suas pretendidas democracias e suas modalidades repressivas tão refinadas que atuam em forma subliminar. Um mundo envelhecido e sem futuro, sem dúvida.


 
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ALQUIMIA
 

Os Quatro Elementos (2). Os quatro elementos, ou melhor, os quatro princípios que eles simbolizam (que constituem qualquer possibilidade de manifestação e, portanto, a de toda matéria, posto que esta é a combinação desses princípios ou elementos em rotação, alternando-os uns com os outros; os que são apenas a emanação de um mesmo princípio criador universal que toma diferentes modos ou formas designadas por distintos nomes) chamam-se, como já bem sabe o estudante do Agartha, fogo, ar, água e terra. O fogo simboliza o princípio radiante que é o mais alto de todos. Na Árvore da Vida corresponderia a Atsiluth, ao ontológico, ou seja, ao Ser e ao Espírito. É a primeira possibilidade da matéria, o hálito espermático do enxofre capaz de fecundar a potência mercurial, a penetração pela palavra, ou seja, a luz pura simbolizada por este princípio radiante, materializado no que significa o ígneo, do qual o fogo é o emblema. O seguinte elemento, ou estado da matéria, é o ar, ou energia refrigerante e sutil, correspondente à leveza e instabilidade do emocional, ao plano de Beriyah, à primeira construção do cosmogônico, à sublimação do fluídico, à transmissão de toda possibilidade, ao sopro do ar como causador da generosidade das chuvas e da geração vegetal, e também à alma superior, a que está por cima da superfície das águas. O terceiro elemento é a água, gás condensado, ou energia fluídica, capaz, como já se disse, de gerar, mas também de corroer. Toda matéria é abrandada pela água, que igualmente sempre encontra um leito e que é capaz de adaptar-se à forma que lhe toque. Corresponde ao plano de Yetsirah e ao perigoso e atrativo psiquismo inferior; às belas e às artes. Também a uma condensação do aéreo e, portanto, a uma progressiva solidificação, a uma transformação daquele princípio radiante, daquela primeira emanação que se expressou por um sopro que agora, ao se coagular, apresenta-se em estado líquido. O último elemento é a terra, que é o receptáculo e ao mesmo tempo contém em seu seio outros princípios, elementos, ou estados da matéria, e é a energia solidificada dessa matéria, o summum de sua densidade e de suas possibilidades de concreção. Corresponde ao plano do Asiyah, a grande mãe, à potência do ato permanente, ao passivo em contínuo movimento, à última manifestação da perfeição universal, espelho da perfeição de seu criador.
Há um quinto elemento que é o éter, ao qual se está acostumado a simbolizar no centro de uma roda da qual irradiam os outros quatro princípios, e ao redor do qual giram. É pois sua origem para o qual constantemente retornam e a oculta raiz de tudo, um “motor imóvel” mais relacionado com o Não Ser que com o Ser, aparentado com o Ain e En Soph: com o autenticamente metafísico, o invisível, o inexprimível, o verdadeiramente desconhecido, o que está por cima da coroa, que ainda apóia sobre a cabeça, emblema do corpo mineral.
Éter, o quinto elemento.
Estes quatro elementos estão constituídos pelos três princípios alquímicos: o enxofre, o mercúrio e o sal, que se interagem constantemente, como por sua vez o fazem estes elementos entre eles. Houve a intenção de se lhes comparar com uma roda dentro de outra roda, ou como uma roda que fixa doze possibilidades (3 x 4), o zodíaco (ver Módulo II, título N.º 98). Estes três princípios, como sabemos, estão presentes em toda “matéria” ou energia, apresente-se essa energia em estado radiante, gasoso, fluídico, ou de maneira sólida. Estes três princípios podem ser associados com o Osíris (+), Ísis (-), e Hórus (N), filho de ambos que, portanto, contém parte dos dois, aos quais deve sua existência. Mas sobretudo temos que vinculá-los com a Árvore da Vida e suas três colunas, que se vão solidificando em quatro etapas sucessivas coexistindo, entretanto, em qualquer matéria, como os quatro planos ou mundos do Árvore da Vida coexistem entre si.
Arvore da Vida e os Quatro Elementos
Devemos esclarecer que tanto no trabalho hermético, quanto na Alquimia instrumental, o trabalho interno é invertido com relação às emanações criativas. Está contra a corrente, e terá que remontar o rio até suas fontes. Por isso é que se fala precisamente de um trabalho. A matéria física tem que se descartar e sutilizar, do opaco ao transparente.


 
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NOTA: RECORDAÇÃO, CENTRO E PERIFERIA
 

O “antropomorfo”, como qualquer expressão do mundo acessível aos sentidos, não tem nenhuma vantagem especial que justifique a prepotência com a qual o homem moderno visualiza seu status no mundo, que não é outro senão o que recria com sua atitude. Mas pelo ao contrário, a insuficiência crônica que lhe faz sobrevalorizar o visível e sensacional (sensação) sobre o invisível e significante –se é que por algum momento considera este último– é o próprio expediente que fecha a porta à possibilidade regeneradora implícita na lembrança do sagrado.
Esse mesmo gesto interno que o encerra nos limites do individual - particular - literal, sustentado pelo esquecimento cotidiano que o faz mecânico, oculta seu direito de filiação e não permite que o mundo, do qual ele pode ser centro, manifeste-se-lhe como uma mandala apta para lhe revelar sua identidade primordial e intemporal.
Simultaneamente, a multiplicidade dos aspectos egóticos progride indefinidamente, como é próprio do mundo da quantidade.
Entretanto, o homem primordial, inapreensível pela história, segue sendo ele em cada uma das imagens simbólicas (que nunca foram vãs) dos filhos póstumos, nascidos à individualidade nessa dimensão obscura do ciclo na qual o homem, desligado de suas origens míticas que o aparentam com seus verdadeiros ancestrais, é lançado, pela própria natureza das coisas, à periferia da roda, ao mais denso e relativo, sendo vítima, como ser humano caído, de tudo aquilo que poderia e deveria estar nomeando, conhecendo em sua fonte primeira.
Agora, quando o indivíduo, talvez graças a uma curiosidade profunda, ou a uma melancolia ainda lúcida, permite-se a lembrança de um passado prototípico, quer dizer, de uma origem capaz de ser origem de todas as coisas, pode verificar que não está sozinho, ainda que exista algo que apenas ele mesmo poderá realizar, escutando as vozes que só se ouvem no silêncio, também há uma verdadeira família do espírito, conhecida não só do passado mas também do futuro, posto que suas vozes trazem a memória do que sempre excedeu os tempos históricos.
Esses reais ancestrais no domínio do conhecimento, ou seja, do verdadeiro ser, são, pelo ensino que formulam, a manifestação, variada em aspectos, única em essência, do motor primitivo que, como professor arquetípico e secreto, fecunda todos os tempos, dos quais é sempre centro.
A aspiração amorosa do transcendente devolve ao mundo, em forma imanente, a presença do não-dual, pela qual é regenerado o Livro da Vida, obra que o espírito realiza ao reconhecer-se no que sempre o esteve revelando.
Em outros termos, a reunião do disperso não ocorre só no mundo histórico e geográfico do homem, por sua remissão ao arquetípico; o Coração do Mundo, ou o que aparece como zênite para um estado do ser como o humano, não tem mais aspectos separadores que os projetados desde determinado estado de existência. Em si não é a presença real do divino. É evidente que o poder vivê-lo assim tem muito que ver com o anonimato verdadeiro, interno sobretudo, no qual o Si-mesmo não precisa adornar-se com pronomes pessoais.
O mundo aparentemente já solidificado e terminado, apto para o consumo entrevisto pelo cárcere da mente, resultado de uma árvore sem raízes, destruído em um gesto de apropriação típico do ego, poderá se endireitar de novo na lembrança efetiva daqueles que, graças ao sacrifício reiterado no Nome do que nunca será acessível aos sentidos, terão recuperado o “sentido da eternidade”, o qual redime qualquer ciclo, que só do ponto de vista “profano” aparece como abandonado a si mesmo.


 
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OS ASPECTOS DA ALMA
 

Os graus da alma humana, ou dos planos de consciência nos quais se manifestam, são três, em correspondência com os mundos da Árvore Sefirótica, e têm portanto três designações: nefesh, para o hálito vital; ruah, para a alma interior; e neshamah, para o espírito.
É muito importante recalcar que para a Cabala os três planos estão compreendidos um dentro do outro, mas por sua vez têm seus próprios nomes ou domicílios.
No trabalho hermético, a energia motora desperta, ou melhor, é despertada, e se for bem conduzida (com humildade, paciência e verdade) será capaz de estimular a nefesh, que por sua vez nos poderá transferir a ruah, ao mundo do psiquismo superior, ao ponto de inflamá-lo, em cujo caso é muito possível que nos abra a porta de neshamah, o espírito puro.
Daremos a seguir estas correspondências, representadas na Árvore da Vida.

Os aspectos da alma


 
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AS CASTAS
 

Um dos temas menos compreendidos entre as concepções tradicionais é o das castas devido à confusão que o mundo moderno (nascido no Renascimento, confirmado nos séculos XVII e XVIII e efetivado no XIX e XX) projetou sobre este assunto, confundindo-o com suas próprias problemáticas, suas revoluções políticas e econômicas, suas divisões referentes às classes sociais (verdadeiros tabus) e posteriormente o enfrentamento destas e portanto a ruptura do organismo nacional e internacional.
Trataremos de esclarecer algo do tema à luz do que o leitor já sabe sobre o pensamento tradicional. Embora antes de abordar este equívoco, devem ser resolvidas certas dúvidas e sentar-se algumas bases necessárias à clarificação:
a) Nada tem que ver o tema das castas com a divisão contemporânea referente às classes sociais, motivo pelo qual o aspirante ao Conhecimento, ainda filho de seu condicionamento histórico, não tem em sua bagagem de imagens nada parecido que possa tomar como ponto de referência; aconselha-se, portanto, não extrapolar informações e menos ainda pretender julgar com elementos exclusivamente contemporâneos, aos que se supõem universais, a sociedades pretéritas das quais tudo se ignora.
  Para pôr um só exemplo, diremos que os homens e mulheres mais poderosos e de mais status da atualidade, presidentes, primeiros ministros, líderes, e até reis e nobres, podem ser considerados de uma perspectiva tradicional, ou seja espiritual, como os integrantes da casta mais baixa de seres jamais conhecida neste ciclo humano de existência.
b) A divisão em quatro castas não é um fato arbitrário ou casual, mas sim está em correspondência com a ordem natural das coisas e com a divisão quaternária de qualquer manifestação. É, pois, uma realidade de ordem cosmológica verificável em qualquer sociedade e/ou cultura.
c) Aos efeitos deste título utilizaremos a terminologia hindu para nos referir ao assunto por ser a mais clara e conhecida, a que agrupa os homens em quatro conjuntos denominados Brâhmanes, Kshatriyas, Vaishyas e Shûdras. O primeiro corresponde ao estado sacerdotal ou sapiencial. O segundo ao guerreiro e a nobreza; o terceiro aos artesãos, comerciantes e administradores, e o último aos servos. Os nascidos nos três primeiros podem renascer na Suprema Identidade, podem ser iniciados nos mistérios; os que pertencem por nascimento ao outro estamento, ou casta, estão destinados à reencarnação na roda das existências, ainda que sejam milionários, chefes políticos, artistas de êxito, ou talvez precisamente por isso, tomando devida conta da degradação do mundo em que vivemos. Quer se chamar a atenção de que esta separação em castas, ou em estados, não só se apresenta na tradição hindu, mas também é clara na China (e em todo o extremo oriente e também no oriente médio), na América pré-colombiana, e inclusive em culturas tribais consideradas tão “primitivas” como a África negra. Na organização social da Idade Média ocidental é evidente, herdada não só das concepções cristãs (o Cristo Rei por exemplo), mas também das antigas culturas nórdicas e celtas, e deste modo de egípcios, caldeus, gregos e romanos. Nos hebreus é nítida entre os reis-sacerdotes (ou melhor sacerdotes-reis) e o séqüito escalonado de suas cortes.
Seguidamente ilustraremos esta concepção com o símbolo do círculo, ou da circularidade, muito conhecido por nossos leitores que já trabalharam bastante com ele.
As Castas
Desde já devemos dizer que nesta representação também cabem todas as relações ou especulações que já fizemos dela, tal qual se sobrepõem os distintos significados ou leituras do símbolo.
Agora a desenvolveremos na Árvore da Vida:

As Castas - Arvore da Vida
Também neste caso, a divisão em castas (expressas aqui com a terminologia hindu) deve ficar em relação com tudo o que temos visto do modelo sefirótico.
O predomínio de tal ou qual casta deve ficar em relação com o ciclo e o tempo histórico por um lado; pelo outro com a hierarquização ou leitura de níveis, ou graus de consciência, presente em qualquer realidade.
Para finalizar, queremos fazer referência a uma quinta casta: Hamsa. Esta é na verdade uma não casta e deve ser colocada acima da Árvore da Vida. Corresponde aos seres não condicionados ou, os que tendo sido condicionados pelo nascimento, foram liberados de sua determinação. Estes iniciados são chamados ativarna, utilizando sempre a terminologia hindu.


 
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CIÊNCIA
 

O que se entende hoje por ciência –a ciência profana– tem também uma origem sagrada (como todas as Artes Liberais) que se foi degradando, desde seus começos, onde a observação dos fenômenos naturais revelava o funcionamento da grande máquina do mundo, manifestada pelas grandes estruturas da cosmogonia, que simbolizava, em última instância, o que estava além dela. Ou seja, às leis naturais como signos e arquétipos do sobrenatural e como seu selo nas coisas e nos seres, incluído o humano, como o fazia a alquimia em virtude da correspondência entre macro e microcosmo.
E é digno de nota que autores como Tycho Brahe, Kepler, Newton (sobretudo este último), e um longo “etc.”, vivem seus trabalhos individuais como diretamente ligados ao Universal, em busca do Conhecimento, aventurando-se ao limite de suas possibilidades intelectuais inseridas em um contexto metafísico, como autênticos hermetistas.
Em termos gerais, do Renascimento, o mundo atual materializou completamente suas suposições e se foi solidificando cada vez mais em razão de acontecimentos cíclicos, e isto coincide com a aparição da ciência moderna, ou ciência profana. Porém, os fundadores desta ciência jamais negaram seus interesses sagrados. Bem pelo contrário, que poderia chamar-se seu mais longínquo antecedente medieval, Roger Bacon, considerava os fatos experimentais como formas visíveis de forças invisíveis –o que fundamenta à analogia e portanto à teurgia– e haveria que se lançar um olhar sobre sua obra para notar seus interesses. Ou fixar-se no já chamado Newton, que investia mais tempo e punha maior interesse em suas investigações bíblicas que em suas buscas propriamente "científicas". Sua lei da gravidade nos ilustra sobre as correspondências e portanto a respeito da magia simpática, como ele sabia, embora preferiu emitir sua teoria em termos mecânicos.


 
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CIÊNCIA  I
 

Um conceito linear do universo, do tempo e do espaço faz com que estes sejam vividos de uma maneira rígida e fixa, em acordo com a literalidade de um pensamento só capaz de vislumbrar o mais imediato do que percebem os sentidos. Na época atual, a ciência tomou formas quase exclusivas de medição quantitativa, reduzindo os problemas científicos a meras estatísticas, o que equivale a abandonar a busca da essência e as causas dos fenômenos –de qualquer natureza que sejam– pela comodidade de sua mera descrição e seus efeitos. Desgraçadamente, esta forma de pensar invalida a ciência oficial que, empiricamente, enquadra as coisas por suas características mais superficiais sem contar, tampouco, os fatores de mudança permanente aos quais está sujeita qualquer manifestação, e considera o homem contemporâneo, completamente condicionado por seu meio e ideologia, como um modelo universal válido para ser aplicado em toda circunstância. O mesmo, na realidade, faz com qualquer fenômeno, seja este subatômico ou estelar, e termina mecanizando sua visão da vida a tal ponto que é incapaz de distinguir entre a teoria e o fenômeno em si. Já dissemos que esta pretendida ciência oficial não está de acordo com as últimas investigações científicas, nascidas muitas delas a partir das teorias do Einstein, mas estas ainda não puderam transformar o esquema oficial (ver Módulo I, título N.º 77).
O universo se encontra em permanente movimento e constantemente se contraem e expandem sistemas inteiros de estrelas que configuram galáxias e planetas que, tal qual as partículas subatômicas, formam diferentes sistemas alternativos a velocidades supersônicas. Isto em perfeita coordenação cíclica e rítmica com todos os elementos que compõem este universo vivo e em perpétua expansão.
Assim, em nossa ignorância, os homens vão como aqueles burros aos quais se lhes sustenta, por cima e diante de suas cabeças, uma vara na qual se pendura uma cenoura, o que faz com que a besta caminhe e corra com o afã de procurar seu alimento sem que possa consegui-lo.
A via Láctea é um imenso aro de gases e estrelas que gira perpetuamente sobre nossas cabeças como uma roda. A matéria física tampouco é inerte e passiva, mas constantemente vibra em uma ondulante dança, cujos padrões de movimento estão dados pelas estruturas moleculares, atômicas e nucleares.
Tudo isto entranha um segredo cuja revelação é a origem do conjunto. Qualquer obra fala de seu criador se não houver diferença entre o autor e a obra. A manifestação é a assinatura de Deus e eis a suma importância da Ciência, cujo ponto de partida é a experiência, que igualmente constitui o fim último do Conhecimento. Do visível ao invisível, por mediação da autêntica ciência.

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ALFABETO E ESCRITURA
 

Os distintos esoterismos coexistem e são idênticos em essência, enquanto o exotérico nas diferentes tradições toma formas que as contrapõem entre elas. Isto é válido para a soma das diversas formas tradicionais e seus símbolos, ritos e mitos. Enquanto o esotérico é interior e se refere aos princípios imutáveis, o exotérico faz insistência no superficial e no múltiplo. O esotérico une, o exotérico divide (ver Módulo I, título N.º 2).
O anterior é notório nas tradições hebraica e árabe, hoje tão contrapostas no material, o que se traduz em ódios e diferenças religiosas, sociais, econômicas e políticas. Entretanto, as raízes, e até o tronco, são comuns para ambas as tradições face às diferenças das flores e frutos, e os iniciados e esoteristas das duas (sufis e cabalistas) referem-se não só a um mesmo Ser e a uma idêntica e Suprema realidade, mas também seus métodos de aproximação dela são nitidamente similares. Adicionemos que os esoteristas de ambas as tradições foram e são perseguidos pelo exoterismo oficial e religioso.
Nos alfabetos, é patente esta identidade, assinalando desde já a profunda analogia que existe entre eles, e fazendo a condição de que, pese a ter o islâmico 28 letras, corresponde-se perfeitamente com o hebraico (algumas destas letras são virtualmente iguais). Por outra parte, a cada letra corresponde um número e se fazem cálculos análogos em ambas as línguas com relação ao valor dos signos. O Nome Supremo tem quatro letras tanto entre os judeus como entre os árabes, que são postas em relação com os quatro elementos, os quatro pontos cardeais, as qualidades do poder divino, etc.
O magno testemunho do islã (a shahadá) compõe-se de quatro palavras, sete sílabas e doze letras, tal qual expressa também o Sepher Yetsirah. A criação é considerada como um livro, do qual as criaturas são as letras. O universo é uma escritura, um discurso provocado pela expansão do Verbo, o que configura o livro do mundo. Pelo que, tanto o Corão, quanto a Bíblia são textos sagrados reveladores que expressam a totalidade do cósmico, sendo suscetíveis de serem lidos de diferentes maneiras hierarquizadas e ocultas, que manifestam de modo real o Espírito Supremo.
Os especialistas islâmicos, dedicados à ciência das letras (os hurufis), dão enorme importância ao Alif, primeira letra do alfabeto, valor um, pois dela derivam os principais nomes. As letras, como a linguagem, são os atributos da essência divina e são imanentes a todas as coisas, pois são as materializações da Palavra, Kalimat Allah e seu discurso criador. O nome, composto de letras, significa verdadeiramente a coisa nomeada e, portanto, revela-a (kashf). É no homem onde se manifesta conscientemente esta escritura divina, da qual, por outra parte, ele é um signo. A escritura é um exemplo evidente do mistério do ser e uma grafia permanente da mais alta atividade da pluma do Criador, que se expressa também pela palavra, pela linguagem, pelo nome e, sobretudo, pelo som, que os antecede.
Desde este ponto de vista, o estudo e a leitura de qualquer texto sagrado, ou verdadeiramente esotérico, não são absolutamente vãos, senão que tal texto, ao manifestar em si e por si a potência geradora, não pode deixar de ser –para quem se abre a ele– autenticamente transmutador e constituir de fato uma gnose. Isto é patente na Tradição Hermética onde o livro é o veículo por excelência.


 
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CIÊNCIA  II
 

A matéria, tal como se refere a física oficial, na verdade não existe. A máquina do mundo permanece em constante atividade e ora se esfria, ora se esquenta conjugando-se permanentemente na ronda dos quatro elementos que a compõem, que alternativamente preponderam um sobre o outro. O motor é ígneo: efetivamente é a intensidade do fogo que derrete o sólido, liquidificando-o, e posteriormente transforma estes líquidos em gases, que mediante esfriamento começam novamente a se condensarem e se estabilizarem em sólidos.
Da Antigüidade greco-romana, esta roda de fogo, ar, água e terra preocupou filósofos e sábios, que jamais consideraram à matéria como algo fixo e imóvel, mas sim como um conjunto de elementos em permanente mudança e reestruturação. A unificação matéria-energia, vale dizer, a unicidade da matéria, foi um axioma alquímico tradicional. O mesmo aconteceu com a unidade indissolúvel espaço-tempo, presente nas concepções dos povos arcaicos.
É só recentemente que a ciência tornou a reconsiderar sua concepção dualista e dicotômica, demasiado mecânica, com a qual se pretendia julgar os seres e os fenômenos de uma maneira esquizofrênica, própria dos pontos de vista das grandes cidades modernas. Assim, a física subatômica observa que as partículas existem e não existem simultaneamente, e que na verdade a diferença entre dentro e fora não é mais que uma maneira de encarar as coisas, em perfeita coincidência com as sociedades tradicionais que vêem o universo como um homem, animal ou organismo gigantesco, que não se encontra nem cheio nem vazio. Coisas que parecem opostas e incompatíveis são consideradas hoje como distintos aspectos de uma mesma realidade.
O espaço chamado vazio contém todas as possibilidades virtuais de qualquer desenvolvimento e possui um número ilimitado de partículas que nascem e desaparecem espontaneamente. Até o movimento e o repouso, a existência e a não existência, a força e a energia são considerados como antagonismos fenomênicos que unicamente podem ser compreendidos sob a noção de complementaridade. Tampouco há diferença entre o ser e o ato. Todas as manifestações do mundo procedem da expressão de uma mesma realidade, que chega a ser e, logo, desintegra-se, transformando-se em outra coisa que, por sua vez, modifica-se em outra e assim indefinidamente. A transitoriedade dos objetos, a incessante mutação das coisas e o fluir do rio da existência são uma realidade viva e tangível além de qualquer metáfora que, além disso, explica-nos a ilusão permanente do homem histórico e seu cuidadoso engano.


 
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NOTA: SOBRE A MELANCOLIA
 

A paixão, ou loucura heróica, o furor, como Platão o compreendia e como motor do Conhecimento, fonte de inspiração e meio do processo iniciático, produz excelentes resultados, regidos por Marte, quando se sabe combinar com o temperamento melancólico e sua biliosa e negra expressão, atribuída ao planeta Saturno.
Deve recordar o sentido real e simbolicamente elevado deste último planeta e as sutis energias que como tal contém, além de seus aspectos negativos e das pesadas cargas que se lhe impinge a interpretação supersticiosa ordinária, incapaz de considerar os distintos aspectos das coisas e portanto de conciliar opostos. Saturno é também a lentidão e a sabedoria da velhice, e a entrada em um estado purificador parecido à morte. O Renascimento valorizou de modo extraordinário a melancolia, e a tristeza com a qual se manifesta, e considerou que era um estado onde florescia a inspiração, o berço da compreensão e a sala de espera do êxtase. Grandes pintores como Dürer e a escola de pintura flamenga a retrataram e destacaram sua vinculação com o metafísico, o simbólico, o numérico e o esotérico.
Atribuía a este humor ser próprio de heróis, poetas e grandes homens; e em que pese ser de difícil tolerância pelos interessados nos momentos em que esta forma de caráter se apresenta, considera-se –e assim o testemunha Agripa– que gera um frenesi que leva à sabedoria e à revelação.
Os "mistos", segundo a Alquimia, são aqueles iniciados que ainda não terminaram seu processo e se encontram escarranchados entre o cru e o cozido, o frio e o calor, o profano e o sagrado. Pode-se assegurar que estes aspirantes ao Conhecimento experimentaram esse humor na própria carne, e tiveram que agüentar os embates da tristeza; de Saturno e da melancolia. Embora devam reconhecer-se, também, os aspectos benéficos destes estados, por momentos intoleráveis, que acompanham os "mistos" ao longo do processo de Conhecimento, onde se encontram muito assinalados, e põem marcos e balizas no caminho da vida.
Tome o estudante do AGARTHA devida conta de tudo isto.


 
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AS QUATRO LEITURAS DA REALIDADE
 

Falamos de En Soph como do supracósmico, ou verdadeiramente metafísico, no sentido etimológico mais elevado e radical do termo. Queremos aqui indicar a vinculação das três primeiras numerações ou sefiroth com os princípios universais do ser tratados pela ontologia. Também com as seis sefiroth de construção cósmica, referentes à cosmogonia (plano ou mundo de Beriyah e Yetsirah) e a concreção material ou física (plano ou mundo de Asiyah).
Diz-se em Teologia que há quatro maneiras de ler a Bíblia, ou melhor, quatro leituras de seu texto (literal, alegórica, tropológica, anagógica). Dante também o explica no Prólogo de A Divina Comédia (reparastes neste título?) referindo-se a sua própria obra que, como sabemos, inclui uma descida aos infernos, um purgatório e uma posterior ascensão aos céus. Esta concepção das quatro leituras da realidade (ou três equiparáveis a elas segundo outras tradições) corresponde aos distintos planos dessa realidade e igualmente aos graus hierárquicos de seu conhecimento.
No judaísmo, são igualmente quatro os planos ou níveis de leitura dos textos sagrados, em perfeita coincidência com o modelo da Árvore da Vida, e a Teoria das Emanações. Inscrevem-se de baixo para cima, de Asiyah a Atsiluth, e são correlativamente Peshat, Remez, Derash e Sod. Peshat é o sentido da leitura literal, Remez o alegórico. Derash o sentido reto e Sod o sentido secreto. Poderá reconhecer-se que as letras iniciais destes quatro termos PRDS, configuram a palavra PaRDeS, que quer dizer Paraíso ou Jardim, e se refere a um lugar, ou melhor, a um estado original que só se pode adquirir quando se completa com a última letra (a “S” final) toda a palavra. Deve se recordar que esta letra “S” corresponde ao Sod, cuja tradução é “segredo”.
Pardes


 
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ALQUIMIA
 

Às vezes a Alquimia se expressa numa linguagem e num simbolismo complexo e “obscuro”, e isto é assim face aos cuidados de nosso PROGRAMA que trata de sintetizar, esclarecer e expressar em uma linguagem clara e atual verdades que, entretanto, necessitam para ser compreendidas de uma reforma da compreensão profana, o que justifica em algumas circunstâncias o uso dessa aparente obscuridade ou contradição, para fazer funcionar os esforços pessoais através de uma série de exercícios mentais (e físicos) regidos pela coerência interna dos mesmos símbolos e sua estrutura lógica e, ao mesmo tempo, supra-racional. Por este motivo, a importância do estudo e da meditação sobre o modelo cosmogônico no primeiro grau iniciático, tratando de não deixar um oco na compreensão deste, pois é um trampolim imediato para a integração no ontológico e metafísico.
O tempo, sobre o qual atua a paciência tanto como a dedicação, é um grande auxiliar no trabalho alquímico-hermético, e na Cabala se aponta que o trabalho do neófito começa a maturar quando começa a encanecer, ou quando passa os quarenta anos (ou ciclos), número este várias vezes mencionado nos textos sagrados. Mas, sobretudo, tem que se destacar a intensidade com que o aprendiz encare o Conhecimento, o que o levará, quando esta é firme, decidida e prudente, às portas de uma segunda Iniciação, muito mais real e verdadeira, que já não é somente especulativa, teórica, ou intelectual, mas sim operativa, prática e encarnada.
Na Alquimia chinesa, também existem duas iniciações. A primeira corresponde ao “homem verdadeiro” (Tchenn-jen), a segunda ao “homem transcendente” (Cheun-jen). O acesso ao estado de “homem transcendente” supõe o de “homem verdadeiro”, que o antecede. Este último seria o ser (ontologia) obtido por meio da iniciação, que por sua vez tem que se dissolver na infinitude do não-ser (metafísica), ou seja, voltar a morrer e renascer.
Na primeira etapa o aprendiz tem que se abandonar e abandonar o mundo da leitura profana e nascer para a realidade simbólica. Esse rechaço do mundo profano implica uma morte (dissolução) e um renascimento, aonde se vai formando o ser (coagulação), ou seja, o Conhecimento. Posteriormente, esse ser deve, de novo, dissolver-se em uma lúcida ignorância e assim poder gerar uma autêntica nova vida interior, nascida dos planos mais sutis da consciência e de um conhecimento que se basta por si mesmo. Isto é, se a graça de Deus, acrescentando sua sede de saber, permiti-lo. Por outra parte, este é o esquema dialético e prototípico da Alquimia. E estas duas operações básicas de dissolução-coagulação se repetem muitíssimas vezes no processo iniciático (ou alquímico) como ciclos pequenos girando dentro de ciclos grandes; e é de se notar que quanto mais se repitam, mais redundarão em bem do aspirante, que deve considerar que se encontra em presença de bons sinais quando estes fenômenos ocorrem.
O taoísmo (extremo oriental) é brando e dissolvente. Os chineses e seus descendentes culturais sublinham o metafísico; ao contrário, os mediterrâneos e sua área de influência (ocidental) fazem insistência no ontológico e cosmológico. Neste sentido, podem ser consideradas complementares estas duas tradições, em um processo de realização interior, e também serem conjugados seus ensinos e métodos com amplo benefício. Mas ambas as tradições consideram as duas iniciações sucessivas, referidas aqui. O estudante deve investigar não só na Alquimia ocidental (mineral), mas também na chinesa (vegetal).
Na tradição judaica (e árabe) o “homem verdadeiro” é Adão, fala-se de um jardim virginal primordial, que se corresponde com um estado análogo original da consciência; estado ao qual o neófito pode aceder em virtude da primeira iniciação. O homem transcendente é representado por Enoch, arrebatado ao céu em um carro de fogo, que ainda está vivo e constitui o protótipo histórico de todos aqueles que realizaram o Conhecimento em si mesmos, ou seja, a transmutação alquímica em seu grau mais elevado. No cristianismo, esta diferenciação é a que há entre o João, o batista, e Jesus, e suas distintas funções, associadas igualmente com o religioso e com o metafísico; o primeiro batizava com água, o segundo com fogo.


 
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ANGEOLOGIA  II
 

Dizer anjo quer dizer imagem. A imaginação não deve entender-se aqui como a faculdade que produz o imaginário, o irreal, mas sim o ato pelo qual se faz real o mundo das Formas e Figuras. O mundus imaginalis se situa no tempo mítico da percepção visionária e revelação profética. Como diz o poeta e pintor do século XVIII, William Blake, "quem não pode imaginar de uma maneira mais real o que seu olho mortal pode ver, não imagina do todo".
O criador de imagens (nome que se dá ao devoto do islã), identifica-se com a luz interior dos seres e das coisas do mundo Natural, e com as idéias e arquétipos do mundo Ideal.
Esta imaginação ativa é uma faculdade do Intelecto ou órgão do Conhecimento, e conduz à Inteligência do Coração, objeto do Conhecimento interno direto.
Os arcanjos, como faculdades cognitivas que são, associam-se a estas funções. A imaginação ativa ao arcanjo Gabriel (anjo Espírito Santo) que no cristianismo é o anunciador da encarnação do Verbo; a inteligência do coração, ou intelecto puro, ao arcanjo Miguel (ou Christos-angelos), cujo nome significa "igual a Deus".
Na Árvore Sefirótica da Cabala, segundo algumas versões tradicionais, Miguel ocupa o centro (Tifereth); Gabriel o Fundamento (Yesod) e Metatrón o pólo ou a coroa (Kether). Este último é denominado o “YHVH menor” e é o arcanjo que aparece a Moisés no meio da sarça. Metatrón é a mesma palavra "que abre o reino supra-celestial"; é o espírito da visão que anuncia um Deus que virá; o que em termos gerais é válido para qualquer energia imaterial e luminosa, quer dizer, Angélica.

Os Anjos


 
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EXERCÍCIO PRÁTICO
 

Algo que se deseja recomendar é a leitura em voz alta como exercício fecundo para se carregar interiormente. Comece a ler com suma claridade e voz forte, e espaçadamente, qualquer parágrafo deste Programa. Faça-o entendendo perfeitamente o que lê e acompanhando com sua voz (e até com seu gesto) o texto. Se tiver em sua casa um gravador, permita-se utilizá-lo e registrar nele sua leitura. Não só ouvirá vibrar sua voz, mas também sentirá a aliviada e marcial sensação de estar novamente levantando âncora como um privilégio concedido a sua decisão responsável. Diga-se para si mesmo: “Voto a Hércules! Adiante com a navegação!” Além disso, você deve ter em conta que cumpre uma função, que esta longa efetivação de um processo interno, esta iniciação no Conhecimento por mediação da alquimia anímica e espiritual, que nosso Programa oferece, é parte de nosso destino individual. Uma alternativa que começa a se realizar em obras e se manifesta de acordo com a nossa capacidade, tanto de compreensão, quanto de expressão, para que possamos reconhecer em seus rastros o que é aquele Destino para o qual fomos chamados.


 
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MINUTA
 

Ser pobre, na verdade, é ter medo à pobreza, ou desejar possuir, qualquer sejam os meios com os quais contemos. Igualmente ser rico é não ambicionar o que não se tem; o que é o mesmo que estar de acordo –e não resignado– com o que se é, seja o que for ou possua o que possuir.
Realmente, quando mais se sabe, mais se esquece o aprendido. Deus é permanente novidade. A posse da psique pessoal é a expressão mais clara do engano de nos perceber de modo individual. Na deidade não há solidão nem medo.


 
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O HORÓSCOPO
 

O horóscopo nos permite determinar a posição dos planetas e das estrelas nos signos e casas zodiacais, em um dia e uma hora concretos. Costuma-se fazer o cálculo para observar os aspectos astrais no momento do nascimento de uma pessoa, em cujo caso se denomina “carta natal”; mas também se poderia realizar a partir de qualquer outro acontecimento, especialmente significativo, do qual queiramos saber suas influências celestes.
É necessário, para poder elaborá-lo, terem claros e precisos o dia e a hora que vamos analisar, e o lugar, do qual teremos que obter sua latitude e longitude; também possuir uma tabela de posições planetárias denominada “efemérides”; uma tabela de casas em que se possa ver a posição destas na latitude do lugar que se observa; e uma tabela de logaritmos. Estas pranchas podem ser adquiridas em livrarias especializadas.
A maioria das pranchas –especialmente nas que podemos conseguir hoje em dia no Ocidente– apóiam seus cálculos na hora de Greenwich e dão seus dados ao meio-dia; é necessário, pois, transpor os resultados à hora e lugar em questão.
Feitas estas observações, daremos uma idéia geral de como elaborar o horóscopo:
a) Trace com seu compasso um círculo e divida-o em doze segmentos de 30º cada um, tal como se mostra nos gráficos das páginas seguintes.
b) Obtenha a “hora sideral” do lugar e do momento que lhe interessam, seguindo as instruções que nas mesmas pranchas –ou em livros de Astrologia– poderá encontrar. Calcule o intervalo transcorrido entre no meio-dia anterior e a hora que investiga. Para a colocação dos planetas, que faremos em seguida, obtenha o logaritmo desse intervalo.
c) Abra sua “tabela de casas” na latitude correspondente e olhe a coluna “Tempo Sideral” em que se vêem horas, minutos e segundos. Procure nesta coluna o “tempo sideral” que lhe interessa, e ali poderá observar, nesse tempo, e na latitude em questão, as cúspides das 10ª, 11ª, 12ª, 1ª, 2ª e 3ª casas. Trace em seu diagrama os signos e os graus que lhe indica a tabela, e nos pontos opostos marque as cúspides das 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª e 9ª casas, respectivamente.
Vejamos como traçar, caso a posição resultante fora, por exemplo, a seguinte:
Casa 10.ª 15° Libra Casa 4.ª 15° Áries
Casa 11.ª 20° Escorpião Casa 5.ª 20° Touro
Casa 12.ª 26° Sagitário Casa 6.ª 26° Gêmeos
Casa 1.ª 6° Capricórnio Casa 7.ª 26° Câncer
Casa 2.ª 18° Aquário Casa 8.ª 18° Leão
Casa 3.ª 14° Peixes Casa 9.ª 14° Virgem

Horóscopo 1
Ficam, desta forma, desenhados os signos zodiacais e as casas. A cúspide da 10ª casa é chamada meio do céu; a da 4ª casa, fundo do céu. A da 1ª é o signo ascendente e a da 7ª o descendente.
Vejamos agora como se inserem os planetas. Utilizaremos a tabela das “Efemérides” que nos dará a posição de cada planeta em Greenwich e ao meio-dia, e teremos que transpor ditas posições ao lugar e a hora que estamos observando. Para isso, será necessário obter o logaritmo dos graus e dos minutos em que se encontrava cada planeta no meio-dia anterior à hora que procuramos, conforme nos mostre a tabela, e adicionar em cada caso o logaritmo permanente que obtivemos do intervalo transcorrido entre o meio-dia anterior e a hora que se investiga. O logaritmo resultante da soma de ambos deverá, agora, converter-se em graus e minutos. Repetindo esta operação com cada um dos planetas, obter-se-ão suas posições exatas. Uma vez obtidas as posições dos planetas em graus e minutos, vejamos como se inserem no gráfico anterior, que já nos mostra a cúspide das casas e a posição dos signos zodiacais. Unicamente utilizaremos os graus, “arredondando” os minutos e segundos. Suponhamos que a posição dos planetas resulte a seguinte:
Saturno: 0° Sagitário
Júpiter: 22° Leão
Marte 18° Aquário
Sol: 23° Touro
Vênus: 3° Câncer
Mercúrio: 9° Gêmeos
Lúa: 4° Câncer
Isto se insere no gráfico da seguinte maneira:

Horóscopo 2
Você já tem, em seu gráfico, os elementos necessários para começar a fazer os outros cálculos e interpretações. Para isso, deverá ter em conta os significados que demos dos signos zodiacais, das casas e dos planetas, assim como as influências de cada um deles conforme se encontrem em um ou outro dos signos e dos “aspectos” dos planetas entre si.
Pela natureza deste manual, vemos-nos obrigados a dar uma explicação esquemática e sintética da confecção do horóscopo, que obrigará o estudante a investigar sobre o manejo das pranchas que mencionamos e a exercitar-se, retificando, até obter o cálculo e a interpretação adequados. É este um trabalho que recomendamos, pois ao nos conectar com a harmonia e com o ritmo das energias celestes, e ao nos permitirem observar suas influências na terra, ajuda-nos a desempenhar o papel –que sempre se atribuiu ao homem verdadeiro– de intermediário entre o céu e o terrestre, e vice-versa.

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NOTA
 

No Módulo II, título N.º 65 , falamos a respeito da alimentação. Sem excluir nada do que ali se diz, agora nos referiremos deste modo a certos temas conexos e aos enganos que podem derivar deles, a ponto de se constituírem em dificuldades, às vezes insolúveis, no caminho do Conhecimento. Dois exemplos bem nítidos são o preconceito "naturista" e o impedimento materialista. O segundo está intimamente ligado com a versão que o homem moderno tem de si mesmo e de todas as coisas, e corresponde, em termos gerais, à forma de ver da sociedade contemporânea, associada deste modo com a leitura literal e programada que este homem histórico tem do cosmo. O primeiro, vale dizer, o preconceito "naturista", é próprio de certas pessoas e grupos que pretendem "melhorar" sua situação individual dentro do caos que nos tocou viver. A ele nos referiremos agora, pois muitas das pessoas interessadas nos temas da Metafísica e do autêntico Conhecimento, ou seja, aqueles que têm uma inquietação interior, vêem-se freqüentemente tentados por certos atrativos que lhes oferece uma vida mais "pura", "natural" e "saudável".
Haveria que se perguntar, desde o começo, o que se entende pelo hoje chamado "natural" e que conceito se possui na atualidade sobre a natureza.
É bem sabido que, para as sociedades tradicionais e primitivas, que por certo são as que vivem integradas no cosmo e palpitam junto com os ritmos e com os ciclos naturais, em um plano perfeitamente universal –e ecológico–, a natureza não é o que os modernos supõem, ou seja: a superfície da paisagem ou hipotéticas questões vinculadas com a "saúde", da que também cabe perguntar-se: o que se entende por tal?
Por outro lado, alguns alimentos específicos são considerados como "bons" ou "maus" de acordo a determinadas pautas que arbitrariamente fazem do "natural" seu lema, e de sua saúde "ideal", em uma verdadeira cruzada do tipo moralista e fanática, sem terem os conhecimentos elementares necessários para isso, e sem estarem informados da história e da cultura dos distintos povos que habitam desde sempre o mundo. É muito importante destacar que em nenhum texto sagrado das diferentes tradições se toma à alimentação como tema fundamental, e em geral nem o mencionam, já não como requisito prévio para alcançar determinados estados de consciência, nem mesmo de autêntica saúde corporal, senão que, em certos livros sacros, como o Evangelho cristão, esclarece-se que o importante não é o que entra pela boca, mas sim o que sai do coração do homem.
Um caso muito difundido é o da prédica vegetariana. De fato nenhuma tradição –a hebraica, a cristã, a islâmica, a budista, a taoísta, etc.– salvo a hindu, pratica o vegetarianismo, ao que seus seguidores constituíram em um culto de que são devotos de uma maneira quase moral. Por certo que são muito bons os vegetais, como também todas as coisas que Deus pôs a disposição do homem; mas a exclusão de umas em benefício de outras, como se umas fossem "boas" e outras "más", fazem dessa forma de ver unilateral algo muito parecido às civilizações dessacralizadas ou profanas, e não às autênticas doutrinas tradicionais. Sobretudo, quando cai em extremos de acreditar e tratar de impor ao extremo a idéia de que só as verduras e frutas cruas são os alimentos autenticamente sãos, apreciação de maneira nenhuma verificável ao se ter que levar uma dieta prolongada desta natureza, com as moléstias e inconvenientes que conduz. Neste sentido, certas práticas e concepções de origem hindu, igual que outras derivadas do Hatha Yoga, próprias de simples faquires que pretendem fazer passar suas práticas como autêntica espiritualidade, são consumidas de maneira literal e vividas de modo pseudo-místico e de forma fanática, tanto no Ocidente, como no Oriente, assim no próprio seio da Índia atual, onde numerosas seitas de origem confusa e pensamento sincrético, muito influídas também pela cultura moderna, pregam determinados "ensinos" (e isto ainda nas cidades sagradas à beira do Ganges) que têm filiados em todos os países da Europa e da América, que são impedimentos sérios para a obtenção do Conhecimento quando estas prédicas e exercícios são tomados de maneira estritamente linear.
Acreditamos que o "natural" tem que ser transcendido para poder dar lugar ao sobrenatural.


 
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CABALA
 

A seguir oferecemos um singelo “talismã” numérico (recordemos que os números são também letras) baseado na Estrela de Davi ou Selo Salomônico, emblema de Israel.
Talismã numérico

Poder-se-á observar que a soma das seis fileiras de números dão um mesmo resultado:

4 + 7 + 9 + 6 = 26   6 + 5 + 12 + 3 = 26
1 + 11 + 12 + 2 = 26   4 + 8 + 11 + 3 = 26
1 + 8 + 7 + 10 = 26   10 + 9 + 5 + 2 = 26

Igualmente, a soma dos números colocados nas pontas da Estrela dá 26 (13 para os dois extremos do eixo vertical e 13 para os 4 restantes). Este número, como sabemos, é particularmente importante na Cabala hebraica –e em outras tradições– e corresponde à soma das letras do Supremo Nome Sagrado YHVH, decomposto desta maneira:

Y = 10, H = 5, V = 6, H = 5. Total = 26

Por outra parte, a soma do hexágono interior dá 52 (26 x 2), os quais adicionados aos 26 exteriores dão 78 (26 x 3), como o total de todos os números da figura. Queremos recordar que este é o número de cartas que possui um jogo completo do Tarô.


 
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GEOMANCIA
 

Respeitamos o nome Geomancia, com que se acostumou a conhecer esta ciência, embora, rigorosamente, corresponder-lhe-ia o de Geologia, com o qual o homem contemporâneo designa uma disciplina nascida no século passado [N.T.: Século XIX]. Em chinês é chamada Feng-Shui e estuda as energias da natureza, em sua íntima relação com a terra, e por certo que esta ciência está estreitamente vinculada com a Geografia Sagrada. Na realidade, todos os povos e sociedades tradicionais utilizaram a geomancia com o fim de situar em determinados lugares e pontos chave tanto suas cidades, como seus templos ou casas de culto, e da mesma forma suas moradias.
Para uma mentalidade tradicional, tanto a terra como o céu estão perfeitamente vivos e se expressam constantemente por mediação das energias que continuamente os formam. A terra respira, pare, resplandece, e adquire formas distintas em diversos lugares, assinalados por diferentes fenômenos (montanhas, vales, planícies, rios, cascatas, etc.), que são símbolos de idéias arquetípicas, ou melhor, de "outras coisas" existentes também no mundo do invisível, do espiritual. Por certo que estas concepções hão de se pôr em direta conexão com a idéia da analogia entre o macrocosmo e o microcosmo, a que vê na terra um ser vivo, sensível e gigantesco, expressão natural, como o homem, de um Ser Supremo, oculto em sua própria criação. Motivo pelo qual as energias cósmicas, e neste caso especial as telúricas, são igualmente os condutos pelos quais se manifesta a divindade e, portanto, assinalam lugares específicos de comunicação terra-céu. Esta circulação da energia, em ambos sentidos, é o que caracteriza, igualmente, à Geomancia como arte divina-tória, e a que busca por seu intermédio a localização adequada do ser humano no indeterminado e amorfo, instaurando uma ordem no caos. Uma das variantes secundárias desta ciência (ou arte) constitui-se na figura do Zahori [N.T.: Geomante ou rabdomante], que é o encarregado de encontrar água, ou corrente de energias benéficas (aproveitáveis), utilizando para isto um bastão ou um pêndulo.


 
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FILOSOFIA PERENE
 

Algumas pessoas, de formação exclusivamente profana, talvez pudessem se surpreender com a existência de uma "Filosofia Perene", ou seja, de uma série ordenada de conhecimentos inter-relacionados, de uma doutrina (jamais de um dogma), capaz de explicar aos homens sua própria natureza e a do mundo em que vivem. Certamente que esta "panacéia" universal, capaz de responder a todas as perguntas, acalmar as angústias do mundo moderno e suprimir o sofrimento provocado pela ignorância, não é uma criação individual (nem muito menos "coletiva"), mas sim a expressão de uma revelação espiritual direta, obtida por distintas pessoas em diversos lugares, que reveste diferentes formas próprias e que, sobretudo, acha-se presente na própria entranha do ser humano e do cosmo em que este habita. Portanto, a revelação destes conhecimentos arquetípicos não é só horizontal e histórica, mas sim fundamentalmente vertical e eterna, como são as "idéias", princípios que formam o mundo e que se manifestam mediante leis universais, que foram conhecidas de modo unânime pelas diferentes tradições que formaram a História da humanidade ao longo de sua Geografia. Esta simples observação, que qualquer leitor armado de boa vontade pode constatar pessoalmente, supõe a idéia de um modelo universal, de um jogo de estruturas imutáveis, visíveis e invisíveis, sem as quais o mundo e o homem não seriam. Eis a importância de conhecer a cosmogonia como expressão simbólica da Inteligência Universal, energia subjacente a qualquer manifestação, tal e qual acontece com o pensamento, que antecede à palavra. Com efeito, este jogo de estruturas essenciais se expressa simbolicamente, e é por meio desses simbolismos, e de suas analogias e equivalências, que podemos entender a realidade última do cosmo e sua instância final: sua natureza incriada e, no entanto, sempre atuante. É este legado herdado das grandes tradições da Antigüidade uma autêntica cosmogonia arquetípica que, como tal, corresponde-se com as distintas simbólicas arcaicas, mediante as quais se expressa, reatualizando deste modo a realidade do mundo atual que, ainda órfão de todo conhecimento verdadeiro, segue constituindo uma autêntica teofania para todos aqueles que são capazes de compreendê-lo. Ademais, deve-se dizer então que se dedicar ao estudo das disciplinas tradicionais, e efetuar suas práticas com o propósito de despertar as potências adormecidas da alma, constitui um método apropriado do Conhecimento.


 
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SIMBOLISMOS DE PASSAGEM
 

Agartha propõe uma total conversão de nosso modo ordinário de ser e uma busca perseverante de outros estados mais sutis aos quais devemos aportar. A aventura do Conhecimento, como vimos, é representada como uma viagem ou uma peregrinação ao Centro do Ser, para a Cidade Santa, ou seja, para nossa própria interioridade. Essa viagem, cheia de peripécias e perigos nos permite "passar", paulatinamente, a outras regiões mais internas, e cada um desses "passos" supõe uma "recordação", cada vez mais nítida, do Si Mesmo, da verdadeira identidade que permanece imóvel no meio de nosso próprio coração. De fato, todo símbolo sagrado, por sua condição veicular, supõe a possibilidade de uma "passagem", pois tem a característica de poder transportar o homem da realidade material que lhe mostram os sentidos para a verdade interior que se oculta detrás da aparência formal das coisas e dos seres. O símbolo toca os sentidos permitindo que, a partir dessa percepção sensível, elevemos-nos por seu intermédio para as regiões invisíveis que ele mesmo representa, tornando possível, portanto, a "passagem" a outros estados e graus de consciência e de vida.
A ascensão e o descenso perpétuos que o Ser realiza pelas esferas da Árvore Sefirótica supõem uma "passagem" pelas vias que comunicam as distintas sefiroth entre si, sendo, de acordo à Cabala, 22 os caminhos que temos que cruzar (ver Módulo II, título N.º 28), relacionando-se cada um deles com uma letra do alfabeto sagrado e com uma lâmina dos arcanos maiores do Tarô.
Há certos símbolos, queremos agora destacar, que se referem especificamente a estas "passagens" que têm que ser produzidas durante o processo da realização da Grande Obra. Estes, como o do Octógono, o da Porta, o atravessar as águas e o da Escada, poderão nos mostrar como realizar essas travessias pelas comarcas da mente universal. Os pensamentos, cada vez mais sutis, guiados por estes caminhos arquetípicos, levar-nos-ão por passadiços mais e mais estreitos, que desembocarão finalmente no En Sof, o nada ilimitado no qual só é o eterno repouso. "Através de Mim conhecereis o Pai".


 
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AS TRADIÇÕES ARCAICAS
 

Aqui e ali, em distintos lugares do mundo, convivendo com a civilização moderna, podem se conhecer distintos grupos que ainda vivem virtualmente na "idade de pedra" ou na de "bronze", segundo o vocabulário (jargão) da "ciência" atual. Estes povos que ainda conservam fragmentos mais ou menos completos de suas tradições originais e vivem de acordo com elas, são denominados "primitivos" pela ciência oficial, ao se lhe escapar o sentido de seus costumes e de seus ritos, e ao não poder compreender a mentalidade tradicional, que vê na natureza uma imagem do supra-natural e no mundo e no homem uma série de energias invisíveis que constantemente o determinam; portanto, tem-se suposto que estes seres, aos quais se considera completamente faltos de inteligência, como estúpidos, ou no melhor dos casos meninos que não podem sair de sua pretendida ignorância, constituem uma espécie quase diferente, como de humanóides, muito próxima dos macacos, existente antes de que o homem tivesse podido ser tal graças aos adiantamentos e ao progresso instaurados pela ciência.
Tal acontece porque um investigador das tradições arcaicas, que é um cético em matéria metafísica e considera a presença animada da deidade como algo pouco sério, jamais poderá entender esse mundo arcaico, e igualmente acontece com aquele que tem de Deus uma idéia exclusivamente religiosa ou de tipo moral. Com muita freqüência, estes dois tipos de estudiosos são os que dirigem a informação oficial, não entendendo eles próprios que sem a vivência íntima do sagrado é quase impossível a compreensão do que se acredita ser uma mentalidade tradicional. Uma pessoa, que nega o plano invisível ou espiritual, verá nos símbolos só elementos utilitários do tipo literal; por outra parte, um indivíduo religioso-moral quererá ver só o que é "inferior" a suas crenças, o que desprezará como lixo, ou se adotará o direito de perdoar a barbárie, ou o que ele supõe é um paganismo ignorante e supersticioso, incluídos os antigos ritos gregos iniciáticos de Elêusis e os "oráculos" de Delfos e o de Zeus, em Dodona do Epiro.
Na verdade, este tipo de critério poderia melhor ser aplicado aos habitantes das grandes cidades, os que, de acordo com a programação do mundo contemporâneo, só aparecem como autômatos, positivamente escravos de seus condicionamentos culturais infligidos pela falsa religião da "ciência", o que equivale a institucionalizar definitivamente a ignorância.
As grandes civilizações são na realidade uma degradação do pensamento tradicional, onde este, paradoxalmente, alcança seu maior brilho, antes de sepultar-se com seu próprio ciclo. E pelo contrário, certos povos arcaicos ainda conservam a "ingenuidade" e o frescor das origens. Deveríamos, nesse caso, perguntar-nos quais são os "ignorantes", ou os "primitivos", e que autoridade pode adjudicar, no mundo moderno, respeito a qualquer classificação em cada ramo de sua "ciência". Nada sabem os representantes "oficiais" do pensamento moderno, e às vezes se chega ao caso de alguns que tomam sua própria ignorância –que deveria lhes envergonhar– como um avanço com relação a um novo mundo do qual, através de sua incapacidade –institucionalizada como uma objetiva postura científica–, eles seriam a vanguarda construtora.


 
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ASTRONOMIA-ASTROLOGIA
 

A astronomia é a mais antiga de todas as ciências e é a que determina uma civilização em sua origem, como o tem feito com todas as da Antigüidade. Efetivamente, o estudo dos ciclos e dos ritmos dos astros gera as pautas em que se fundamentará o pensamento religioso, político e econômico, toda a cultura, afinal, de uma sociedade. A partir daí é possível tirar conclusões particulares, baseadas em cálculos, relações e analogias, que se correspondem com um conceito reiterativo e circular do tempo, que dá lugar às predições sobre acontecimentos cíclicos e, portanto, reincidentes, que são estudadas pela astrologia, ou astronomia judiciária (como se lhe chamava na antigüidade). O ciclo mais curto e mais fácil de observar é o lunar que, em 29 dias e fração (28 dias para o pensamento antigo, dividido em 4 semanas de 7 dias), realiza um percurso e retorna ao mesmo ponto. Isto, sem considerar o percurso do sol no dia, ou seja, a diferença que existe entre o dia e a noite. Também a lua admitiu o estudo de ciclos maiores, o de seus eclipses que, conforme observaram os caldeus, produziam-se na mesma ordem depois de 223 meses lunares. O mais importante destes ciclos maiores dos astros é o da precessão dos equinócios, que se reitera a cada 25.920 anos (26.000 em números "redondos") estabelecido para a cultura ocidental por Hiparco, de Nicéia, e outros sábios tradicionais. Chama-se abóbada celeste, ou firmamento, uma semi-esfera cuja linha de contato com a terra é o horizonte, e cujo centro se encontra no olho do observador. Se este se mover, o horizonte se desloca. Igualmente, se o espectador contempla um astro, a reta ou raio visual que vai ao centro do astro, determina um ponto na abóbada celeste, que é a projeção do astro sobre ela, e como a distância que vai da terra aos distintos astros é imensa (recordemos que a que separa a nosso planeta do sol é de 150 milhões de km), em relação com o diâmetro da terra (6.378 km), supõe-se que os astros se movem em uma esfera ideal, de raio indefinido, denominada “esfera celeste” e cujo centro, do mesmo modo, encontra-se no olho do contemplador. Na realidade, o que o observador vê são as projeções dos astros sobre o firmamento e não os deslocamentos verdadeiros dos astros. Além disso, considera-se a terra como um ponto coincidente com o centro desta esfera celeste. Pelo que se pode verificar, que até a astronomia atual sustenta, e parte do ponto de vista geocêntrico, ou melhor, antropocêntrico, para construir todas suas especulações –e não poderia ser de outra maneira– em que pese que a ignorância e a vulgarização geral ponham uma ênfase pomposa e vaidosa sobre o heliocentrismo (perfeitamente conhecido pela antigüidade, conforme pode ver-se no papel primitivo atribuído unanimemente ao sol) como conquista científica, antes da qual nada se sabia de astronomia. Quer dizer que os que rechaçaram Nicolau Copérnico (autor de De Revolutionibus, publicada em 1543, em que sustentava o heliocentrismo, baseado precisamente na astrologia antiga) são os mesmos ignorantes que afirmam enfaticamente hoje seu sistema como oficial, sem compreendê-lo, e sem saber inclusive que a astronomia atual se fundamenta na terra e no homem, e em nenhum momento toma um ponto de vista alheio a eles, o que por certo seria totalmente absurdo e impossível. Vale o mesmo uma descrição geocêntrica ou antropocêntrica da terra (comparada com a heliocêntrica) e na prática a astronomia atual a segue utilizando; o mesmo aconteceu com relação a Einstein e ao fenômeno da luz. Entretanto, é tal a confusão do mundo moderno e nossos contemporâneos "cientistas" que são previsíveis suas aberrações e anomalias hoje computadorizadas, fomentadas pela má fé e pelo mesmo ódio que levou a proibir a obra de Copérnico (e, pouco mais tarde, levaram Giordano Bruno à fogueira e obrigaram Galileu a abjurar) um dos sábios herméticos e esotéricos do precisamente chamado Re-nascimento em relação com as culturas da Antigüidade.
Nota: Embora as claves ou chaves das antigas ciências astrológicas parecem ter sido perdidas, os fragmentos que nos legaram permitem a especulação, e em muitos casos nos assombram com a justeza de suas interpretações na aplicação aos fatos cotidianos da existência.
De todos os modos, quer se deixar claro que a Astrologia (derivada da Astronomia) é um simbolismo perfeitamente válido, como qualquer outro, para tratar de descrever e "apreender" a "realidade" sempre multifacetada e pluridimensional. Um sistema classificatório de noções inspirado nos movimentos cíclicos e rítmicos dos céus e suas influências determinantes no mundo e no homem. Uma ciência tal, estudada sob a luz da Tradição Hermética, é um instrumento a mais na busca do Conhecimento.

Astronomia - Astrologia


 
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AS TRADIÇÕES
 

Ao longo de nosso Programa nos referimos com freqüência a muitas das tradições ainda vivas ou já desaparecidas. E sempre destacamos o fato de que nessas tradições existe uma identidade quanto a seus símbolos, ritos e mitos principais, pois todas elas emanam de uma só e única Tradição, chamada primordial precisamente por sua condição essencialmente vertical e supra-histórica, o que lhe permitiu subtrair-se às mudanças do devir cíclico, conservando integralmente o Conhecimento (a Gnose) e a possibilidade permanente e salvífica de poder ser encarnado pelo homem de qualquer tempo e lugar. Isto vale também para nossa época em que, apesar de sua extrema obscuridão, ainda seguem vivas em diferentes lugares da Terra determinadas culturas tradicionais que não perderam seu vínculo com a Tradição Primordial, outorgando a influência espiritual-intelectual imprescindível para iniciar o caminho que nos leve a realização interior e à identidade com o Si Mesmo.
Entretanto, não podemos desconhecer o fato de que todas as tradições atuais sofrem, em maior ou menor medida, uma degradação com respeito ao que foram seus valores originais, embora essa degradação afeta mais à forma exterior de que necessariamente se revestem (e que não é alheia às condições espaço-temporais), mas não ao seu fundo, ao seu núcleo e essência metafísica revelada através de seus códigos simbólicos.
Por um lado temos às três tradições abraâmicas: o judaísmo, o cristianismo e o islã, também chamadas as "tradições do Livro": a Bíblia para as duas primeiras e o Corão para a terceira. Dá-se a circunstância de que nestas tradições o aspecto religioso ou exotérico prevalece há muito tempo sobre seu esoterismo (a Cabala para o judaísmo e o sufismo para o islã), o que é virtualmente desconhecido para a grande maioria de seus praticantes, apegados à letra mas não ao espírito de sua tradição. Não obstante, nestas tradições subsistem ainda pequenos grupos ou individualidades que continuam transmitindo os ensinos do verdadeiro esoterismo a pessoas que o buscam com retidão de coração.
A tradição hindu é de todas as existentes a que talvez conserva de maneira mais completa a doutrina metafísica, expressa fundamentalmente através dos Vedas e dos Upanishades, que como todos os livros e textos sagrados estão inspirados diretamente pelos deuses, quer dizer que sua origem é não-humana.
O budismo em suas duas grandes versões: hinayana (ou "pequeno veículo") e mahayana (ou "grande veículo"). Neste último é onde se mantiveram com maior pureza os ensinos do Buda, sendo o que penetrou no Tibete procedente da Índia, onde incorporou elementos das tradições nativas, dando lugar ao lamaísmo. Atualmente o budismo lamaísta não só está expandido pelo Oriente, mas também por diferentes cidades da Europa e da América.
O taoísmo nasce da antiga tradição chinesa ou extremo-oriental, da que constitui seu aspecto mais autenticamente metafísico e cosmogônico, anotando que também existe uma alquimia taoísta (tal qual uma alquimia hindu) com muitos pontos em comum com a alquimia ocidental. Na mesma China surgiu o zen, ou zen-budismo, nascido da síntese entre o taoísmo e o budismo mahayana. Atualmente a escola zen está arraigada sobretudo no Japão, país que por outro lado segue conservando sua antiga tradição, o shinto, de características muito similares ao confucionismo chinês.
Deste modo temos que considerar a presença da grande tradição pré-colombiana, ainda viva, embora de forma fragmentária, ao longo de toda a América, assim como constatar a existência do jainismo hindu e dos parsis zoroastrianos, sem esquecer os numerosos povos "primitivos" da África e da Oceania, que em termos gerais constituem todas aquelas culturas mágico-religiosas que se incluem no que se entende, ou melhor, que mal se entende, por "xamanismo".
Mas é particularmente na Tradição Hermética onde pomos nossa ênfase, já que esta síntese própria dos povos ocidentais –e a mais apropriada para eles–, não é de maneira nenhuma um sincretismo por ter uma origem múltipla (como tampouco pode ser considerada tal a tradição de gregos e romanos, nascida do pensamento egipcio-caldeu, ou o islamismo, entroncado diretamente com Israel e o cristianismo, ou o budismo, emanado do hinduísmo, etc.), mas sim uma tradição viva, que inclusive pode ser rastreada historicamente ao longo da formação da Europa e da América, que deu inumeráveis adeptos da Arte: alquimistas, astrólogos, artistas e filósofos, que de maneira ininterrupta nutriram e marcaram a vida do Ocidente, criando instituições, que como no caso da Franco-maçonaria, resguardam o conteúdo da Tradição Unânime.


 
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A PORTA
 

"Tinha um muro grande e alto e doze portas, e sobre as doze portas, doze anjos e nomes escritos, que são os nomes das doze tribos dos filhos de Israel: da parte do oriente, três portas; da parte do norte, três portas; da parte do meio-dia, três portas, e da parte do poente, três portas" (Apocalipse XXI,12-13).
O despertar gradual da consciência pode ser visualizado como a abertura de portas que permite que o pensamento "passe" a outras regiões e que o adepto vá conhecendo os graus invisíveis do ser. A porta supõe sempre uma saída e por sua vez uma entrada, pois quando a atravessamos saímos de um espaço mental para ingressar em outro; e são várias as que temos que cruzar, cada vez mais estreitas, durante o processo da transmutação. A Iniciação nos Mistérios abre a porta que separa o mundo ordinário e profano daquele outro, sagrado, onde o espaço e o tempo recuperam sua verdadeira significação.
Já nos referimos à Porta dentro do simbolismo construtivo, e queremos agora fazer certas observações sobre a "passagem" que este símbolo evoca. Vimos o templo como modelo do cosmo e como símbolo do espaço interior do homem. Sua porta exterior serve de separação –e por sua vez como ponto de união– entre o átrio –onde preponderam a multiplicidade e o caos do mundo ordinário– e o espaço interno, no qual reinam a ordem e a harmonia do sagrado e significativo. O iniciado, graças aos rituais que o qualificam para entrar, atravessa essa soleira, morrendo aos estados inferiores e exteriores e renascendo a uma vida interior em que as possibilidades superiores despertam.
Esta Iniciação, ou porta de entrada aos mundos invisíveis, está representada na Árvore Sefirótica pela esfera 9, que por sua vez se relaciona com a lâmina número 12 dos Arcanos Maiores do Tarô. É interessante a relação que podemos fazer entre esta esfera –Yesod, o Fundamento– e o símbolo cristão de Pedro (que foi crucificado com a cabeça para baixo, como é a posição de "O Enforcado") que é a pedra de fundamento sobre a qual a Igreja se levanta. Neste sentido não é casual que seja o próprio Pedro o portador das chaves –ou claves– que abrem as portas do reino dos céus.
Por outra parte, esta primeira porta está também relacionada com o símbolo da caverna e, em ambos os casos, o iniciado, uma vez que ingressou no espaço interior, deve atravessar pelo labirinto que finalmente o conduzirá –se não se perde– ao centro ou coração do templo, no qual se localiza a ara ou altar. No simbolismo cristão, vemos como neste espaço central (guardando o cálice ou taça, espaço vazio ou receptáculo da Shekhinah), há também outra pequena porta que só o sacerdote abre e que cobre o mistério dos olhos profanos. Esta porta se localiza em Tiferethsefirah central que temos que transpassar, nascendo de cima, para começar a vislumbrar a realidade oculta sobre "a superfície das águas".
Havendo recebido o batismo de água que abre a primeira porta, e uma vez realizado o percurso horizontal e labiríntico entre essa porta exterior e seu centro, ou coração, no qual se recebe o batismo de fogo, o adepto tem que iniciar uma "passagem" axial, vertical e ascendente pelo eixo invisível que conecta o altar com o ponto central da cúpula –de Tifereth a Kether–. Os ritos "primitivos" de subir a árvore, ou de subir pelo poste ritual, exemplificam esta ascensão ao final do qual o adepto terá que atravessar a porta mais estreita que se acha simbolicamente na sumidade do templo. Este é o buraco da agulha pelo qual não pode passar nenhuma riqueza individual. A agulha, com efeito, é um símbolo mais do eixo e do rito de enfiar uma linha na agulha, então, deve ser uma representação desta "passagem" pela porta estreita.
O homem em sua busca do Conhecimento tem que sair primeiro do mundo ordinário para entrar em interior do templo; logo, deve se perder nos labirintos para se encontrar novamente ao atracar no centro; daí, terá que empreender a ascensão vertical em busca da sumidade e, finalmente, deverá sair pela porta zenital do templo, ou cosmo, para o supracósmico. Esta saída final é visualizada como o desatar ou dissolver o nó que nos mantém atados à individualidade e a um estado particular do ser, e sua conquista constitui uma fusão absoluta com o todo. "Batei e se vos abrirá".

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O SÍMBOLO DO CORAÇÃO  II
 

Sede para muitas tradições do valor, do ânimo (alma) e da Inteligência criadora, análogo no interior do ser humano ao Sol no macrocosmo, a luz e a vida nascem dele como de uma só fonte, a imagem da origem: "luz e vida, isso é o Deus e Pai (Noûs) de quem nasceu o Homem. Se aprendes, pois, a te conhecer como feito de vida e luz, e que são esses os elementos que te constituem, voltarás a nascer outra vez." (Poimandres, I-21).
Não se pode amar o que não se conhece, e nem todas as formas de união são um reflexo cabal do Amor.
Pequeno todo, já que é o centro do microcosmo, sintetiza o quaternário horizontal no eixo vertical e difunde na construção o Não-ser da mesma, sua identidade supracósmica, que ele reflete diretamente segundo o eixo vertical e a que o ser conhece através de seu próprio sacrifício (Olho do coração).
É a verdadeira Cidade divina, onde reside indubitavelmente o autêntico Sujeito incondicionado de todo Conhecimento; nele se acha o germe cujo desenvolvimento faz efetivos os planos que o diagrama da Árvore da Vida simboliza, pois é o verdadeiro atanor que absorve o inferior e manifesta o superior; já que não há manifestação sem centro, nem coisa alguma que careça de origem. O desenvolvimento deste embrião ou semente, através das diferentes fases da Obra, sempre alcança no coração uma atualização, uma realização ou nascimento, pois também há quatro leituras dele, do órgão físico até o santuário onde se produz a união do criado e o incriado. É a ara sacrifical e a oblação ou oferenda.
O Centro do Mundo é o banquete do Si mesmo do qual todos podem alimentar-se sem que se esgote, por isso foi simbolizado por uma Mesa em que se sentam os deuses e os homens, seja na celebração de um céu regenerado (Giordano Bruno: Expulsão da Besta Triunfante), ou na de um matrimônio hierogâmico (as Bodas de Cadmo e Harmonia, quando para a tradição grega aqueles compartilharam o ágape pela última vez com os humanos); ou pela Távola Redonda, em cujo centro se acha o Graal, ou a Mesa de Salomão na Toledo hermética do Século XII, segundo a lenda, coalhada de pedras preciosas que simbolizam o Zodíaco.
Também é a terra pura, uma vez dissolvida a ignorância que por degradação cíclica cobre o lugar das hierofanias, que sempre se dão no "centro do mundo", inaugurando, se for necessário, um espaço ou um tempo ao qual outorgam essa característica.
Este coração, que é o receptáculo do vertical-espiritual, cuja influência irradia no horizontal, exercendo assim de intermediário através de seu vazio central, que o Éter simboliza, é também o receptáculo guardado no sacrário do templo, construção análoga a este, cuja tampa corresponde à abóbada ou telhado, e que contém o alimento ou licor de imortalidade, fruto do atanor ao qual se chegou através do vazio, realidade efetiva de um estado do ser que transcende à construção, e que pode ser conhecido na abertura do "sentido de eternidade" e seu desenvolvimento total, embora a individualidade do homem esteja crucificada no quaternário.
Por seu simbolismo concêntrico, correspondente deste modo à síntese perfeita da Criação, em seu interior se acha a Presença ou Imanência divina, que é o verdadeiro Centro de todas as coisas e que as contém, a todas, sem ser contido por elas: este é assim o autêntico Mestre, com o qual se identifica o iniciado conforme progride na realização de seu verdadeiro Ser.


 
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OS CICLOS  I
 

Como dissemos no título N.º 2 deste Módulo III, um Kalpa representa o ciclo de existência de um universo ou mundo, nascido do hálito de Brahma, a Deidade criadora. Não há um ciclo mais extenso que o Kalpa, pois ele contém todos os ciclos de ciclos possíveis, unidos entre si por esse hálito que os sustenta e lhes dá a vida. Acrescentaremos que, quando um Kalpa chega a seu fim, produz-se um Pralaya, a dissolução ou reabsorção desse mundo no seio de Brahma, no imanifestado. A este respeito, lemos no Bhagavad-Gita, livro sagrado da Índia: "Ao fim de um Kalpa, de um período de criadora atividade, os seres e as coisas voltam para Mim". O Kalpa é um dia de Brahma, e o Pralaya uma noite que, ao finalizar-se, aparece um novo Kalpa, e assim de maneira indefinida, conformando o que se chama a "cadeia dos mundos". Cada Kalpa contém 14 Manvântaras, e cada Manvântara representa o ciclo completo de uma humanidade, que por sua vez se subdivide em quatro yugas ou idades de desigual duração cada uma delas. Nosso Manvântara é o sétimo dessa série, e ainda faltariam outros sete para que finalize o Kalpa atual. Dizer, enfim, que a palavra Manvântara significa "era de Manu", que é o Legislador universal ou Inteligência cósmica que promulga, de acordo com a Sabedoria Eterna, a Lei ou Dharma que rege todo o Manvântara desde seu princípio até seu fim.
Diz-se que o Dharma, simbolizado por um touro na tradição hindu, apóia-se com suas quatro patas durante o Satya-Yuga ou Idade de Ouro, o que quer dizer que se manifesta em sua totalidade, significando com isso que a humanidade em seu conjunto vivia em perfeita harmonia e unidade com seu Princípio. Recordemos neste sentido que Satya-Yuga quer dizer "Idade do Ser", ou "Idade da Verdade". A mesma raiz Sat a encontramos em Saturno, o regente da Idade de Ouro na tradição grego-latina. Por analogia entre a ordem metafísica e a corporal, esse mesmo sentido de totalidade se expressa na duração temporal desse Yuga, avaliada como sabemos em 25.920 anos, que é um período inteiro da precessão dos equinócios ou, o que é o mesmo, 12 "eras zodiacais" de 2.160 anos cada uma (12 x 2.160 = 25.920). Pelo contrário durante o Treta-Yuga, ou Idade de Prata, a instabilidade e o paulatino obscurecimento espiritual penetram no mundo, pois o touro do Dharma se sustenta com três patas (Treta = três). Isto se traduz em um encurtamento da duração dessa Idade: 19.440 anos, quer dizer, três quartos da precessão dos equinócios ou, o que é igual, 9 "eras zodiacais" (9 x 2.160 = 19.440). No Dvapara-Yuga ou Idade de Bronze, o touro se apóia tão somente com duas patas (Dvapara = dois), dando a entender que o Dharma é compreendido unicamente em sua metade. Precisamente a essa Idade corresponde uma duração que é a metade da precessão dos equinócios: 12.960 anos, ou 6 "eras zodiacais" (6 x 2.160 = 12.960). E finalmente, no Kali-Yuga ou Idade de Ferro, o touro do Dharma se sustenta com um só pé, simbolizando assim o grande desequilíbrio que distingue a última idade do Manvântara, e muito especialmente às últimas fases deste. A duração desta Idade é de um quarto da precessão dos equinócios: 6.480 anos, ou 3 "eras zodiacais" (3 x 2.160 = 6.480). Kali-yuga quer dizer "Idade Sombria", que começou faz mais de seis mil anos, com o que está a ponto de chegar a seu fim, e com ela a de todo o Manvântara. Segundo os dados da Ciência Sagrada esta Idade começou com a entrada na "era zodiacal" de Touro, ao redor do ano 4.450 A. C.


 
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O FIM DOS TEMPOS
 

Qualquer observador neutro pode comprovar na atualidade certos sintomas mundiais como terremotos, secas, pestes, guerras, catástrofes, degeneração social, superpopulação, violências e injustiças, em uma proporção jamais conhecida pela humanidade. Estes claros sintomas do fim de um ciclo anunciados pelas escrituras judaico-cristãs até em seus detalhes, também foram expostos pelas tradições hindu, budista, islâmica, pré-colombiana, greco-romana, hermética, etc., em abundantíssimos documentos.
Parece que todos estes acidentes se resolverão pelo fogo –por um raio misericordioso– e que este elemento permitirá a regeneração desta humanidade que perecerá totalmente e se reintegrará à névoa de onde proveio, para dar lugar a outra, nascida de suas cinzas e gérmens, que fará renascer um mundo novo e uma Idade de Ouro, graças aos esforços –e o sangue– de iniciados e adeptos, que possibilitarão a continuidade da criação. Certamente que a ignorância contemporânea despreza no público e oficial este fato, que nega e desconhece –as escrituras dizem que os homens serão colhidos de maneira imprevista, efetuando seus negócios e mentiras– embora no privado alguns se sensibilizem, ainda que tendam às imagens literais e físicas e muitos, inclusive, planejam "salvar-se" em uma espécie de Arca do Noé material.
Esta última "ingenuidade", ou melhor, ilusão, é tão grave como a outra, e os que "acreditam" nela –quando se diz que não só haverá uma nova terra, mas também um novo céu– serão igualmente excluídos do mundo futuro.
A morte de uma civilização é análoga a do ser individual e este nada poderá levar de material ao outro mundo. Entretanto, o homem ressuscitará em um corpo de glória se for capaz de aceder ao Conhecimento, ao Ser, e reabsorver-se no Tempo para ganhar a Eternidade, o que constitui a verdadeira espiritualidade que o iniciado pretende em vida. E sem dúvida, este corpo glorioso, ou melhor, esta "entidade", pode se realizar deste modo de maneira grupal.
Por outra parte, deve se recordar que, na infinita harmonia de todas as coisas, aonde tudo está contado, pesado e medido, o fim de um ciclo e seus habitantes está em íntima relação com o começo de outro e o nascimento de uma nova humanidade, que nada tem que ver com esta, a qual, é óbvio, não pode subsistir pela própria dinâmica de sua multiplicação.


 
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MARSÍLIO FICINO
 

Quando em 1450 Cosme de Médici confia ao ainda muito jovem Marsílio Ficino (1433-1499) a criação da Academia Platônica de Florença, estava-se dando um passo fundamental para o que ia ser um novo ressurgimento da Tradição Hermética, depois do relativo obscurecimento acontecido do final do Idade Média. Para encontrar as causas que fizeram possível a realidade desta Academia (convertida no centro intelectual mais importante da época), devemos retroceder até o ano 1439 em que, com objetivo de celebrar um congresso de filosofia, vão a Florença sábios procedentes de diversos países e religiões, entre os quais se acham também os filósofos neoplatônicos bizantinos. Estes últimos trazem consigo todo o saber hermético e platônico conservado intacto na cidade de Bizâncio (anteriormente Constantinopla) dos tempos alexandrinos, e que só em parte tinha sido difundido pelo Ocidente Medieval. Entre esses filósofos é Gemisto Pleto o que mais direta influência exercerá sobre a Academia Platônica, pois por sua mediação Marsílio Ficino e seu círculo esotérico traduzirão do grego todos os livros do Corpus Hermeticum (na Idade Média unicamente foi conhecido o Asclépios em versão latina), os "Oráculos Caldeus", e as obras de Platão, Proclo, Jâmblico, Plotino, Dionísio Areopagita, Porfírio, Sinésio, para só citar uns quantos. Deve ser destacado que, para Ficino, traduzir é sobretudo uma forma de transmitir a tradição, tendo em conta além que estas três palavras –traduzir, transmitir e tradição– equivalem a uma mesma realidade, já que todas elas procedem de idêntica raiz etimológica. Neste sentido, convém recordar que o mesmo conhecimento simbólico transmitido pelas culturas tradicionais é uma tradução à linguagem e entendimento humanos das verdades e arquétipos eternos. Assim, traduzindo, comentando e prefaciando as obras da antiga sabedoria, Ficino se converte em um fiel intérprete dela. No prólogo que fez ao Poimandres, Ficino estabelece a genealogia mítica e espiritual que, como uma cadeia de ouro, a "cadeia áurea", unifica acima do tempo e do espaço a ilustre família dos filósofos herméticos, "...cuja origem está em Mercúrio e o apogeu em Platão". Retenhamos um parágrafo de dito prólogo: "No tempo em que nasceu Moisés, florescia o astrônomo Atlas, irmão do físico Prometeu (filiação esta que sem dúvida se refere à origem única do céu e a terra), avô materno do antigo Mercúrio, cujo neto foi Mercúrio Trismegisto, o maior dos sacerdotes e reis". A este rei-pontífice se lhe deve a instrução "de Orfeu, quem revelou os mistérios a Aglaofemo, sucedido por Pitágoras, que teve como discípulo a Filolau, mestre de Platão". Considerando-se a si mesmo como um elo a mais dessa cadeia, Ficino produzirá uma obra própria, que perpetuará a memória da "raça divina e heróica", "proprietária dos séculos", adaptando-a às circunstâncias de seu tempo.
Pelo profundo rastro que deixaram na arte e na filosofia hermética do Renascimento, merecem destacar-se dessa obra a Teologia Platônica e Da Religião Cristã, nas quais se manifesta a universalidade de um pensamento, que foi capaz de combinar os mistérios da cosmologia e da metafísica platônicas com os da revelação cristã, síntese anunciada já pelos primeiros Pais da Igreja e seus sucessores medievais, e deste modo por Nicolau de Cusa (1401-1464), o doutor da douta ignorantia, que tão grande influencia exerceria sobre o próprio Ficino e seu discípulo Pico de la Mirândola, e através deles em todos os neoplatônicos renascentistas. Por outro lado, o esoterismo impulsionado por Ficino pode ser visto como uma reação contra o "escolasticismo" aristotélico, que em sua degradação estava incubando os gérmens do que, séculos mais tarde, daria lugar ao racionalismo cartesiano.
Ao dizer de seu discípulo Policiano, Ficino foi "um novo Orfeu que resgatou dos infernos a Eurídice platônica". Com efeito, o eixo ao redor do qual se edificou dita obra foram os hinos órficos, nos quais o mestre descobre, velados sob a linguagem evocadora da poesia, os mais altos segredos, pois conforme afirmou Dionísio Areopagita, "o raio divino não pode nos alcançar a menos que esteja coberto de véus poéticos". Esses véus são os próprios deuses, ou melhor, as emanações que estes manifestam ao homem por mediação das musas mensageiras –filhas de Zeus e da Memória– e pelas Graças. Ficino, tal qual Pico de la Mirândola, mantinha que os deuses do panteão órfico eram deuses "compostos" ou "híbridos", investidos do poder da mutabilidade, adquirindo com isso todas as formas. Mas essa mutabilidade é possível pelo auto-sacrifício do Ser que, ao se fragmentar e se dividir, dá lugar à ordem cosmogônica, regida pelos mesmos deuses. Por outro lado, que um deus contenha o seu contrário, ou que necessite de seu oposto para expressar a totalidade de seus atributos, não resulta para nada estranho a um mago renascentista como Ficino, para quem o universo é uma estrutura tecida pelas constantes relações, tensões e lutas entre energias opostas que, entretanto, perpetuamente se equilibram e harmonizam, atraídas pela força do Amor, inseparável da Beleza, a porta por onde se acede à identidade com o Conhecimento e a Sabedoria.
Em seu tratado De Amore (comentário ao Simposio do Platão), Ficino deixou escrito: "Todos os deuses estão ligados uns aos outros por uma espécie de caridade mútua, de tal maneira que se pode dizer com justiça que o amor é nó e vínculo permanente do universo". Note-se como se corresponde esta concepção com o exposto pela doutrina cabalística, pois é em Tifereth (o Amor ou Beleza), como coração axial da Árvore da Vida, onde acham seu equilíbrio todas as oposições sefiróticas. Na mesma ordem de idéias, haveria que se ver o quê a respeito diz o próprio cristianismo, para o qual a caridade, ou amor, está situada na cúspide das virtudes teologais, que por serem tais pertencem ao domínio da ontologia, acima da qual só se encontra a metafísica. Não é casual, pois, que entre os neoplatônicos renascentistas subsistisse uma secreta filiação que entroncava com o ensino iniciático dos "Fiéis de Amor medievais". Além disso, representar cega ou com os olhos enfaixados a deidade do amor (por exemplo, o Cupido de "A Primavera" de Botticelli, pintor integrado no círculo do Ficino) era uma forma de exemplificar que os mais elevados mistérios, ocultos nas "trevas mais que luminosas do Ser", não se podem apreender apenas pelos sentidos corporais, mas sim por meio da alma purificada, recolhida em si mesma no arrebatamento do êxtase amoroso que antecede à união com o inefável.


 
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A TRADIÇÃO HERMÉTICA
 

No título N.º 20 deste Módulo aludimos à origem antediluviana e atlante da Tradição Hermética, recolhendo o que a este respeito se menciona em certas lendas a respeito da existência de um mítico "Hermes de Hermes" que viveu "antes do Dilúvio". Essas mesmas lendas referem que desse Hermes Arquetípico nascem o "Hermes caldeu" e o "Hermes egípcio", quer dizer, as duas grandes civilizações que dentro do Kali-Yuga, e junto às pré-colombianas, contam-se entre as herdeiras mais importantes da Tradição Atlante, em que residia um poder espiritual diretamente emanado do Centro Supremo ou Tradição Primordial. O Hermes egípcio não é outro que Thot, o escriba divino e depositário da Ciência Sagrada, aquele que é chamado "Senhor da Sabedoria", "o Misterioso" e "o Desconhecido", mas ao mesmo tempo intermediário entre o Céu e a Terra, pois "sem seu conhecimento, nada pode ser feito entre os deuses e os homens".
Essa função intermediária passará a formar parte do Hermes grego e do Mercúrio romano, o Deus que encontramos nas encruzilhadas da vida e nos guia pelo caminho do Conhecimento. Ambos, como sabemos, são representados com asas na cabeça e nos pés, testemunhando assim essa natureza intermediária e aérea, que une o inferior ao superior, e levando além disso o caduceu como insígnia de sua função axial, e com o qual realiza o vínculo e a união entre os três mundos ou planos da Existência universal, presentes também no microcosmo humano. Thot-Hermes-Mercúrio conhece, pois, "tudo o que está oculto sob a abóbada celeste e nas vísceras da terra", ou seja, a totalidade dos mistérios do Cosmo, e doa esse conhecimento a sua estirpe (a quem se liga com seu influxo espiritual) mediante a revelação de um código simbólico que se cristaliza nas distintas artes e ciências da Cosmogonia (que deram forma à cultura e à civilização do Ocidente), incluindo os livros sagrados e sapienciais inspirados diretamente pelo próprio Hermes, como é o caso dos que compõem o Corpus Hermeticum, sem nos esquecer de todos aqueles que nos foram legados pelos adeptos e mestres desta Tradição, que continua estando tão viva e atual como o esteve desde suas origens.
Do Corpus Hermeticum queremos extrair os seguintes fragmentos:
"Detei-vos e recuperai a sobriedade! Olhai ao alto com os olhos do coração –senão todos, ao menos aqueles que sejam capazes. O mal da ignorância alaga toda a terra e acaba por corromper à alma aprisionada no corpo, impedindo-lhe de atracar no porto da salvação. Não vos deixeis arrastar por esta enorme corrente, aproveitar a vazante, os que possais, e atraqueis no porto da salvação. Procurai então um guia que vos colha da mão e vos conduza até as ante-portas do Conhecimento. Ali brilha a luz, limpa de toda obscuridão. Ali ninguém está embriagado. Todo mundo está sóbrio e observa com o coração aquele que deseja ser visto, que não se deixa ouvir nem descrever, que não pode ser visto com os olhos senão com a mente e com o coração. Mas primeiro deveis lhes arrancar a túnica que levam posta, o vestido da ignorância, o fundamento do mal, a cadeia da corrupção, a cela tenebrosa, a morte vivente, o cadáver sensível, a tumba que levam de um lado a outro, o ladrão que habita em vós, que odeia através do que ama e sente inveja através do que odeia". Poimandres, VII, 1-2.
"Tal vai ser a velhice do mundo: falta de piedade, desordem, desprezo por todo o bom. Quando tudo isto aconteça, Asclépio, então, o Senhor e Pai, o deus cujo poder é soberano, governador do primeiro deus, contemplará esta conduta e estes crimes insensatos e por um ato de sua vontade –que é a benevolência de deus–, enfrentar-se-á com os vícios e a perversão de todas as coisas, endireitará os enganos, purificará a maldade com um dilúvio ou consumindo-a em chamas, ou acabará com ela difundindo por toda parte enfermidades pestilentas. Então restituirá o mundo a sua beleza antiga, de tal modo que o próprio mundo voltará a parecer que merece maravilha e culto, e, com constantes bênções e cerimônias de louvor, a gente destes tempos honrará ao deus capaz de fazer e restaurar uma obra tão grande. E esta será a gênese do mundo: uma reforma de todas as coisas boas e uma restituição muito sagrada e piedosa da mesma natureza, reordenada no curso do tempo...". Asclépio, XXVI.


 
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OS SIGNOS DA RENÚNCIA
 

Às vezes este universo se torna muito pequeno, quase como um brinquedo ou um teatro de marionetes, uma ilusão por cuja realidade, apenas, alguém apostaria se não fosse porque de momento se encontra dentro, vivendo e sofrendo em e com ele constantemente. Pois separado de seu sentido simbólico e teofânico, só é um multicolorido cenário de fenômenos, além do qual começa o que é verdadeiramente ilimitado e real. Se algo nos "salva" precisamente deste mundo, permitindo-nos vivê-lo-o mais harmoniosamente possível, não é ele mesmo ou as coisas que nele existem, mas sim a compreensão do que o excede e transcende. E só é a fé, nascida da intuição direta, que nos permite seguir e compreender a ignorância de nossas dúvidas. E quando dizemos "mundo", referimo-nos também aos dez mil seres que o povoam, sendo estes uma prolongação sua microcósmica e transitória, assim como seus afetos, paixões, instintos, ambições e desejos. Prisioneiro de uma limitada visão de sua existência, dificilmente o homem concebe a idéia de transpassar a soleira que o separa do "além", tanto como de superar o sofrimento que implica perder tudo aquilo que ama e que deseja reter. Para uma cultura que não concebe outra realidade que a material, a morte e o sofrimento, tanto como a própria vida, são um absurdo completo, uma interrogação para a qual não há mais resposta que o encolhimento de ombros, ou as mais desatinadas suposições. É uma visão sem esperança nem consolo, que termina por fomentar um ódio instintivo e destruidor contra tudo, contra o próprio mundo, produzindo niilismo e ceticismo.
A impermanência das coisas, a irrealidade do mundo, é que faz intuir desde o começo a Sidhartha (o futuro Buddha Gautama Sakyamuni), a Liberação ou a União (Yoga) com a única e verdadeira Realidade Imutável. E é esta a mensagem básica do budismo, tanto quanto do cristianismo, pregando ambos a renúncia aos bens ou desditas passageiras deste mundo, a sua ilusória realidade. Com efeito, nas três primeiras viagens fora do recinto de palácio, aonde o tem resguardado seu pai, Sidhartha contempla pela primeira vez a enfermidade, a velhice e a morte. Sua visão confirma suas intuições: tudo é sofrimento porque toda ação desejosa de "resultados" fixos produz uma fricção que desgasta. Tudo é um contínuo desgaste ou esgotamento, que se renova para seguir se desgastando. A única escapatória desta roda inexorável (Samsara) é a não-ação, ou a renúncia a seus frutos e à "recompensa". E como sua marcha exterior não pode parar, pois segue pautas cíclicas de causa-efeito invariáveis, é só pela via interna que pode ser efetuada esta saída (pois o centro sempre reside no interior das coisas), sendo sua realidade imutável, não afetada pelas mudanças contínuas da periferia.
Podemos ver que nas circunstâncias cíclicas em que vivemos, esta doutrina é uma autêntica medicina, um consolo para a alma que hoje, mais que nunca, intui-se afastada de sua verdadeira pátria, exilada neste "vale de lágrimas". Com efeito, o desejo e a paixão são os verdadeiros motores da ação (karma), os quais jamais podem se ver satisfeitos pois a ação, por si mesma, jamais conduz ao repouso, mas sim gera indefinidamente ações e reações secundárias. Acabar com os desejos e paixões, mediante o conhecimento da Cosmogonia como suporte do ser e passagem à metafísica, é deixar de atirar lenha ao fogo e, portanto, liberar-se da contínua necessidade de fazer ou de ter.


 
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O ATRAVESSAR AS ÁGUAS
 

"No princípio, criou Deus os céus e a terra. A terra estava sem forma e vazia e as trevas cobriam a face do abismo, mas o espírito de Deus pairava sobre a superfície das águas. Disse Deus: ‘Haja luz’; e houve luz. E viu Deus ser boa a luz, e a separou das trevas; e à luz chamou dia e às trevas noite, e houve tarde e manhã, primeiro dia.
"Disse em seguida Deus: 'Haja firmamento em meio das águas, que separe umas das outras' e assim foi. E fez Deus o firmamento, separando águas de águas, as que estavam debaixo do firmamento das que estavam sobre o firmamento. E viu Deus ser bom. Chamou Deus ao firmamento céu, e houve tarde e manhã, segundo dia." (Gênese I, 1-8).
O percurso da alma para os estados mais internos e sutis do ser, é representado por várias tradições como uma "passagem" através das águas. O iniciado deve atravessar as águas inferiores de seu psiquismo individual procurando a chegada às águas superiores que se acham sobre o firmamento.
Entre os antigos egípcios o percurso que faz a alma uma vez que se libera de sua morada terrestre é representado ritualmente como uma viagem que se efetua em uma barca, cruzando as águas. Entretanto, é importante recalcar que, para que esta se realize, não é necessária a morte física, pois a morte iniciática faz que o adepto obtenha uma verdadeira separação de sua circunstância individual e de seu corpo carnal e possa empreender em vida esta viagem através das águas para sua morada eterna.
O modo como se simboliza essa passagem é variada:
a) Algumas vezes se olha como uma viagem da fonte do rio até o mar, em cujo caso o oceano representa as águas superiores, sendo a desembocadura como uma "boca" ou uma "porta" pela qual se passará do cósmico ao supracósmico.
b) Outra forma de visualizar é como o cruzamento de uma margem a outra do rio, o que se expressa com o símbolo da ponte que une suas duas margens opostas. Neste caso, cada margem simboliza um grau diverso do ser, correspondendo uma à terra e à morte e outra ao céu e à imortalidade. Este símbolo –que também se relaciona com o arco-íris–, representa aquela entidade intermediária que permite que as energias celestes desçam ao mundo terrestre e que a terra se comunique com o céu. A ponte é um lugar de passagem, de provas e perigos, e o atravessá-la constitui no passar da terra ao céu. Inversamente essa "passagem" já foi realizada por cada um dos seres individuais que, provindo de um Princípio único, devieram em criaturas manifestadas; e o verdadeiro trabalho do homem tem que ser –segundo a Tradição– a de reencontrar ou "recordar" o caminho de retorno que o leve a sua origem, atravessando essa ponte invisível que une estados simultâneos do ser. A palavra pontifex (pontífice), significa "construtor de pontes", e de fato o próprio Papa ou Hierofante (ver o número 5 dos Arcanos Maiores do Tarô), sendo um mediador que conecta o divino e o humano, é ele mesmo, portanto, uma verdadeira ponte que comunica o homem com sua realidade espiritual. Diz-se que essa ponte é estreita e –como no simbolismo da porta– que permite a passagem só aos "eleitos", únicos capazes de obter a identidade real com os estados mais sutis do Si Mesmo.
c) Outra forma de representar esse passar através das águas, é mediante o símbolo de remontar o rio até sua fonte original, navegando contra a corrente. Neste caso o oceano de onde se parte significa as águas inferiores; a corrente, contra a qual tem que realizar o percurso, são as forças que tratam de impedir a ascensão; e a fonte é a origem e o destino –a identidade imutável– do ser verdadeiro e eterno.
Por último, é interessante fazer notar que em todos estes simbolismos do atravessar as águas se aponta a necessidade de um passar pela morte que as próprias águas simbolizam.
"É propício atravessar as grandes águas". "É propício ver o Grande Homem". (I Ching).


 
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A INICIAÇÃO
 

Queremos abordar novamente o tema da Iniciação e sua possibilidade real e devem ser feitas algumas considerações.
Em primeiro lugar, deve-se esclarecer que a Iniciação verdadeira é um processo íntimo, secreto, onde o homem troca o conteúdo de suas imagens mentais através da reforma total de sua psique e portanto inclui uma morte ao mundo conceitual profano, que é uma reconversão do ser e, desta forma, vem seguida de um novo nascimento a um estado diferente. Também se assinalou que há duas destas mortes e portanto três nascimentos, dois iniciáticos e o profano, e estes nascimentos são perfeitamente efetivos e reais, claramente indicados por ciclos e sinais, para quem participa deles.
A via é a Simbólica, como ciência das correspondências e das analogias, e dos ciclos, ritmos, freqüências e cadências em que estes símbolos se manifestam no ser e seu entorno. Ou seja a via do Conhecimento, apoiada por práticas físicas e comprovações psicológicas como suportes do Ser e sua verdadeira realização Metafísica: em suma, a busca e efetivação do terceiro nascimento, quer dizer, o ingresso aos Mistérios maiores. Para isso, o Programa conta com os elementos invisíveis –energias espirituais– que exteriorizados em modo de lições permitem represar o percurso iniciático do Adepto. Estes elementos tomam a forma da Tradição Hermética, por um lado, por outro a comparação da mensagem desta Tradição –e as experiências vitais que o estudo e a imersão nela trazem emparelhados– com outras manifestações tradicionais –religiosas ou não–, que conformam a Tradição Original, Universal e Unânime.


 
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A TÁBUA DE ESMERALDA
 

A esta altura de nosso Programa, faz-se quase imprescindível publicar o texto do mais importante documento Hermético. Trata-se da Tábua de Esmeralda, legado do mítico e arquetípico Hermes Trismegisto, diretamente vinculado com a Tradição Egípcia:
1.
"É verdade, sem mentira, certo e o mais verdadeiro: O que está embaixo é como o que está encima, e o que está encima é como o que está embaixo, para que se operem os milagres de uma só coisa."
2.
"Assim como todas as coisas procedem do Um, pela contemplação do Um, assim todas as coisas resultam desta coisa única por adaptação."
3.
"Seu pai é o Sol, sua mãe é a Lua, o vento o levou em seu ventre, sua nutriz é a Terra."
4.
"É o pai de toda maravilha no mundo inteiro."
5.
"Seu poder é perfeito quando se converte em Terra."
6.
"Separa a Terra do Fogo, e o sutil do grosseiro, suavemente e com todo cuidado."
7.
"Sobe da Terra ao Céu, desce de novo à Terra, e une os poderes das coisas de cima e das de baixo. Deste modo possuirá a glória do mundo inteiro e toda obscuridade se afastará de ti."
8.
"Este é o poder de todo poder, pois vence tudo o que é sutil e penetra tudo o que é sólido."
9.
"Desta maneira foi criado o mundo."
10.
"Por isso, operar-se-ão assim adaptações prodigiosas, cujos meios se acham aqui estabelecidos."
11.
"Por isso sou chamado Hermes Trismegisto, pois possuo as três partes da Filosofia do mundo inteiro."
12.
"Terminado e completo está o que disse com respeito à obra do Sol."


 
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NOTA
 

A Kundalini é uma energia que sobe da terra para o céu, extremos para os quais o homem, localizado no centro ou eixo do mundo, é um lugar de encontro e fusão, energia que o iniciado deve conduzir conjugando os opostos para obter através dessa ascensão escalonada a União (Yoga) com a Origem imanifestada do universo, graças ao conhecimento paulatino, por graus –ou estados do ser– do Todo universal.
Dita operação é o trabalho da união dos complementares e a solução dos opostos, que se realiza graças à compreensão dos princípios e a apreensão e contemplação da realidade por intermédio dos símbolos ou veículos revelados, capazes de despertar em nós as distintas leituras do Mistério que a conforma: do manifestado ao imanifestado segundo ensina a Tábua de Esmeralda hermética: "Separa a Terra do Fogo, e o sutil do grosso, suavemente e com todo cuidado. Sobe da Terra ao Céu, desce de novo à Terra, e une os poderes das coisas de cima e das de baixo."
Tanto a Tradição extremo-oriental (incluindo sua aplicação no Tai-chi) como a Maçonaria, são unânimes através de seu simbolismo construtivo: de um prumo imóvel que pende de um "ponto" imanifestado, desce um eixo que atravessa o centro de todos os movimentos, corporais, anímicos e intelectuais; equilíbrio e hierarquia aos quais o ser se adequa por meio do rito que conduz ao que a primeira denomina a "endogenia do Imortal", cujo pleno desenvolvimento será idêntico à coroação da Obra, ou obtenção da Pedra Filosofal.
Graças ao mesmo eixo, conjuga-se a força da gravidade que assinala o mais baixo, com a via de ascensão que se orienta ao mais alto: a cúspide do Céu ou Pólo celeste (daí que a "forma" do Tai-chi, a sucessão harmônica de seus movimentos segundo as distintas escolas, reproduza sinteticamente, entre outros, os gestos de determinados animais tomados como símbolo dos movimentos anímicos).
Trata-se nisso da forma cósmica: os três mundos –ou quatro se se dividir o plano intermédio, o da alma, em superior e inferior– unidos por um eixo invisível (o centro está virtualmente presente mas pertence, tal como é em si mesmo, a outro plano que suas manifestações), que, partindo de sua Origem, dá lugar a todas as coisas por meio da polarização de dois princípios imanifestados: o Céu e a Terra, constituindo por sua vez o caminho de retorno. "O Tao do Homem segue o Tao da Terra, o Tao da Terra segue o Tao do Céu, o Tao do Céu segue o Tao de Taos".
Para o Tantra, a Shakti de Brahma, sua potência criadora e transformadora, encontra-se simbolicamente, em estado passivo e potencial, no interior do homem, na base de sua coluna vertebral (Mêru-danda, o "eixo ou cetro do monte Meru" em sua correspondência microcósmica), ou eixo central de seu corpo, e a descreve como uma serpente enroscada sobre si mesma, cuja ascensão e desdobramento (Kundalini-Yoga) pelo interior daquela (com o passar do sushumnâ, o raio solar análogo no interior do ser humano ao sutrâtmâ ou "fio do Atmâ" que une o "colar" dos mundos) vai despertando, vivificando e expandindo os diferentes chakras, ou "rodas", que se encontram em distintos níveis da medula espinhal, até chegar, por meio do encéfalo, ao extremo superior da abóbada cranial e abrir-se por sobre ela no chakra Sahasrâra (o "Lótus das Mil pétalas"); abertura paulatina e sucessiva que equivale iniciaticamente à tomada de consciência efetiva dos estados superiores. Em torno do sushumnâ se acham os outros dois nâdîs ("canais") sutis principais, idâ (feminino, lunar, descendente) e pingalâ (masculino, solar, ascendente) que em forma helicoidal se entrecruzam seis vezes ao redor do primeiro, justo ao nível dos chakras correspondentes, e cuja figura global evoca assim imediatamente a do caduceu hermético; estes se relacionam fisiologicamente, de baixo para cima, com as regiões coxígea, sacra, lombar, dorsal-cordial, cervical, encefálica-pineal, e o último com o alto da cabeça e o que se acha por cima dele. A verdadeira localização destes "centros" é, efetivamente, sutil e extracorporal, o que não impede a possibilidade de uma correspondência e interação mútuas e precisas entre ambas as ordens, tal como ocorre, como vimos, entre os planetas e os metais que se lhes correspondem. Deste modo, representa-os simbolicamente para a meditação mediante forma geométricas (yantras) que por sua vez contêm mantras, tudo isso no interior de lótus cujas pétalas são letras do alfabeto sânscrito e que, além disso, são considerados morada das correspondentes deidades e suas shaktis ou potências; a natureza de Kundalinî, sonora e luminosa, difunde-se por meio dos nâdîs principais e secundários junto com o prâna (o espírito vital, análogo ao chi da tradição extremo-oriental) na totalidade do ser individual.
Em nosso caso, é duplamente importante assinalar que esta estrutura da anatomia sutil do ser humano se encontra igualmente presente no esquema da Árvore da Vida cabalística, no qual o sushumnâ será seu canal ou pilar central, e o idâ e o pingalâ, respectivamente, as colunas laterais do rigor e da graça; é natural que isso seja assim pois se trata de um simbolismo fundamental que os veículos sagrados das distintas tradições não podem deixar de testemunhar, ainda com diferenças de detalhe devidas a suas próprias perspectivas. Igualmente, para o esoterismo hebraico, o núcleo de imortalidade, descrito como uma luminosa amêndoa indestrutível (Luz), acha-se situado simbolicamente na base da coluna vertebral.
Se contarmos os pontos assinalados ao longo do Pilar central no diagrama Sefirótico que inclui os caminhos (ver seguinte diagrama assim como o Módulo II, título N.º 28), veremos que é em sete níveis do mesmo, indicados pelas sefiroth do Pilar do Equilíbrio, e os pontos médios entre os que conformam os Pilares da Graça e do Rigor, onde se encontra a analogia com os chakras da tradição hindu. Tratam-se dos vértices e o ponto meio das bases dos triângulos constituídos pelas três tríadas da Árvore mais a sefirah do último plano (ver Módulo I, títulos 11 e 84). Seguindo as correspondências deste modelo com o corpo humano, estabelecidas pela Cabala (ver Módulos I, título 26 e III, 44) vemos que a primeira sefirah, Kether, a coroa, corresponde-se com o chakra Sahasrâra, situado por sobre o alto da cabeça e que constitui, segundo o yoga, a porta ou passagem da manifestação cósmica ao supra-cósmico ou imanifestado. Da união ou equilíbrio entre o Hokhmah e Binah, sabedoria e inteligência (o olho direito e o esquerdo e os respectivos hemisférios cerebrais) nasce, segundo a Cabala, a não-sefirah, Daath, o conhecimento, situado pois entre ambos como o "terceiro olho" ou "olho do Conhecimento", o chakra âjnâ, cuja visão destrói –ou conjuga– os opostos na simultaneidade do "eterno presente". Do mesmo modo, e desde outro ponto de vista, Hokhmah e Binah são para a Cabala o "Sol dos sóis" e a "Lua das luas", e em diversas tradições, além da hindu, o olho direito e o olho esquerdo do Homem universal (o Adam Kadmon da Cabala) são igualmente o Sol e a Lua. Hesed e Gueburah, a graça e o rigor, relacionados com ambos os ombros, unem-se no corpo ao nível da zona cervical, a mesma do chakra vishudda situado na garganta. Tifereth, a beleza, e o chakra anâhata, correspondem ambos ao coração. Netsah e Hod, os quadris e pernas, ao chakra manipûra, situado na zona umbilical. Com respeito à Yesod e Malkhuth, as genitálias e a base ou planta dos pés, dá-se uma variação na posição sefirótica: o primeiro se corresponde, por seu significado, com o chakra mûlâdhâra ("raiz, suporte, fundamento"), cuja localização é na base da coluna vertebral, e o segundo, o "reino", ou morada da Shekinah, com o chakra swâdhishthâna (a "residência própria" da Shakti).


 
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EXERCÍCIO PRÁTICO
 

No yoga tântrico, a cada chakra corresponde um mantram e também uma sílaba ou letra sagrada do alfabeto sânscrito, que pronunciada ritualmente, tal como uma oração, dinamiza e possibilita a abertura do “lótus” ou ponto virtual de energia contida nesse centro, despertando assim a Kundalini. Na prática deste exercício, nós faremos o mesmo com os nomes das sefiroth correspondentes a cada centro, quer dizer, nos remetendo à Cabala. Estes nomes deverão ser pronunciados rítmica e reiteradamente, imaginando-os escritos com luz branca sobre um fundo escuro, e girando ao redor de um ponto. A ordem de começo deve ser de cima para baixo e, logo depois, de baixo para cima.


 
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O OCTÓGONO
 

Sendo o quadrado representação da terra e o círculo uma imagem do céu, o octógono é considerado como uma figura capaz de unir ambos e, portanto, como um símbolo do mundo intermediário, que comunica o inferior com o superior. Por esse motivo que é relacionado com a idéia do mistério da “quadratura do círculo” e da “circulatura do quadrado”, que serviu para expressar o fato da espiritualização do corpo e da “corporificação” do espírito –ou seja, da união indissolúvel do espiritual e do material–, e que por sua vez seria utilizado para representar a “passagem” por esse mundo intermediário. O número oito é freqüentemente relacionado com a morte, e em particular com a morte iniciática. A carta treze do Tarô, com efeito, é colocada na sefirah número oito (Hod) e, na Astrologia, a casa oitava é a casa da morte. Isto nos indica que essa “passagem” terá que implicar na morte aos estados profanos e na ressurreição aos mundos superiores e, nesse sentido, o octógono simboliza uma verdadeira regeneração espiritual que supõe uma transmutação e um novo nascimento.
Com relação com o simbolismo de atravessar as águas, é interessante o fato de que o timão com o qual se conduz a nave tenha forma octogonal. Por outra parte, no percurso através das águas são necessários certos pontos de referência e orientação, e é justamente o símbolo da rosa dos ventos –que se relaciona também com o das “oito portas”– que se utiliza para designar as oito direções do espaço (os quatro pontos cardeais e os outros quatro intermediários) que servirão de guia durante a viagem iniciática. Muitas vezes, as representações da roda aparecem com oito raios, e em certos casos com eles se combinam os quatro elementos (terra, água, ar e fogo) com os quatro estados intermediários da matéria (o seco, o úmido, o frio e o quente).
Na tradição extremo oriental, sempre foi concedida ao octógono uma importância simbólica fundamental, e é a estrutura básica do “Livro das Mutações” ou I Ching. Também entre os chineses são comuns os templos de base quadrada (terra) coroados com uma cúpula semi-esférica (céu), que aparece sustentada por oito pilares ou colunas (mundo intermediário - homem).
No simbolismo construtivo cristão, vemos como os batistérios antigos eram octogonais, como o são também –até agora– as pias batismais. O batismo de água gera uma passagem real a outros estados e um novo nascimento, e nos prepara para o batismo de fogo, que se produzirá quando passarmos pela “sumidade” do templo, pelo ponto central do octógono, que divide sua cúpula, graças a que transitaremos do cósmico ao supracósmico, do humano ao supra-humano ou divino. Insistiremos nestes conceitos quando desenvolvermos outros simbolismos de “passagem” intimamente relacionados com este e complementares entre si.



 
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PICO DE LA MIRANDOLA
 

Giovanni Pico de la Mirandola, Conde de Concórdia (1463-1494) foi, igual que Marsílio Ficino, um dos filósofos herméticos mais importantes dos primeiros anos do Renascimento. Dele se conta que, ao nascer, uma bola de fogo apareceu de súbito no quarto de sua mãe, sendo que tal, mais que fato anedótico, pode ser visto como um presságio da função e do destino espiritual que deveria cumprir. Apesar do breve de sua vida, Pico de la Mirandola deixou uma obra que seria decisiva para a definitiva consolidação do Hermetismo renascentista, embora seus escritos não reflitam hoje com exatidão a transcendência de seu trabalho.
Continuando com o empreendimento de Ficino, Pico de la Mirandola amplia ainda mais a síntese levada a cabo pelo mestre florentino ao incluir em sua obra elementos doutrinais procedentes de diversas filosofias e tradições do Oriente e do Ocidente, e especialmente da Cabala. Este espírito de concórdia ficará plasmado nas “Novecentas Teses” com as quais Pico provará a essencial coincidência que aparece no núcleo interior (esotérico) de todas as tradições, muito acima das diferenças formais e das pretendidas “ortodoxias” dogmáticas e excludentes. Com isso, quem recebeu os apelativos de “Fênix de seu tempo” e “príncipe encantador do Renascimento”, converteu-se para sua época num fiel expoente da Filosofia Perene. As “Novecentas Teses” (algumas das quais lhe conduziram a sérios enfrentamentos com a cúria do vaticano) abrem-se, em modo de prólogo, com uma “Oração sobre a dignidade do homem”, onde com verbo inflamado, Pico expôs a posição central que o homem ocupa no cosmo. Como já se disse, Pico herda o pensamento do cardeal Nicolás de Cusa (1401-1484) que, bebendo nas fontes da metafísica platônica e do hermetismo, desenvolveu a idéia de que os opostos que os limites da razão não podem superar, encontram seu equilíbrio conciliador na Unidade, em que igualmente se fundem todas as doutrinas e religiões.
Trata-se de uma afirmação que corresponde à concepção renascentista do homem considerado como um teurgo capaz de operar nos distintos planos do universo, graças ao conhecimento de um saber totalizador, cuja chave estava na arte e na ciência herméticas. Pode comprovar-se aqui até que ponto distava esta concepção do simples “humanismo”, com que de forma unilateral se pretendeu rotular todo o Renascimento sem considerar as diversas correntes de pensamento tradicional que nele existiram. A “dignidade” do homem lhe vem dada por se saber um colaborador consciente na obra da criação, por cujo eixo pode ascender e descender, pois sua natureza participa por igual do inferior e do superior, “e, se não satisfeito com nenhuma classe de criaturas (terrestres e celestes), recolhe-se no centro de sua unidade, feito um espírito com Deus, introduzido na misteriosa solidão do Pai, que foi colocado sobre todas as coisas, avantaja-las-á a todas. Quem poderia não admirar a este camaleão?”
Mas, sem dúvida, a mais importante empresa levada a cabo por Pico de la Mirandola foi introduzir a Cabala na filosofia oculta do Renascimento. E foram precisamente os judeus chegados na Itália, procedentes da Espanha, que transmitiram a Cabala ao jovem conde. Dentre esses judeus, alguns eram conversos e, por conseguinte, conhecedores tanto da Cabala quanto do cristianismo. Era o caso de Leão Hebreu, Flávio Mitrídates e Paulo de Heredia, que orientam a Pico no sentido de dar uma interpretação cabalística do cristianismo, readaptando, de certo modo, uma tradição à outra. Convencido de que a Cabala confirmava as verdades do cristianismo, Pico dá forma à Cabala cristã, que se complementa perfeitamente com o gnosticismo hermético e neoplatônico herdado de Ficino (ver neste Módulo o título N.º 80). O estudo e conhecimento dos nomes divinos, e a invocação de suas potências mediante a alquimia da oração, constituíam a pedra angular do edifício cabalista cristão, pelo que se deduzia uma teurgia que predispunha o adepto a uma comunicação com os estados angélicos. Seguindo os rabinos cabalistas e os doutores da Igreja como São Jerônimo, para os cabalistas cristãos cada uma das palavras, signos, sílabas e pontos dos livros sagrados (Bíblia, Zohar, Sefer Yetsirah, Bahir, etc.) manifestam a plenitude da mensagem divina na multiplicidade ordenada e hierárquica de seus significados. Modificar ou suprimir algo do contido nesses livros supõe cortar as “raízes das plantas”, e portanto interromper o acesso que conduz à Árvore de Vida, que se eleva no centro do Pardes. Outra coisa bem distinta é fazer uso da combinação e permutação entre as letras e palavras do alfabeto sagrado, pois isso permite descobrir verdades de ordem doutrinal extremamente reveladoras. Todo o sistema de combinação e permutação cabalístico procedia das ciências das letras conhecidas como Guematria, Notarikon e Themurah. Pico assimila o método de combinar as letras (acrescentando seu correspondente valor numérico) ao ars combinandi de Raimundo Lulio. O próprio Pico utilizou a “arte combinatória” para demonstrar, como explica em suas “Conclusões mágico-cabalísticas” (incluídas nas “Novecentas Teses”) que: “Não há ciência que mais certeza nos dê sobre a divindade do Cristo que a magia e a cabala”. Isto, que escandalizou os espíritos fechados do cristianismo, abria, entretanto, possibilidades insuspeitadas para todos aqueles que procuravam uma via de realização baseada na Teurgia e na Magia Natural. Por sua vez, na sétima dessas “Conclusões”, Pico afirma enfaticamente: “Nenhum cabalista hebreu pode negar que o nome de IESU (Jesus), interpretado segundo os princípios cabalísticos, significa “Filho de Deus””. E na décima-quarta, conclui-se dizendo que o nome de Jesus e do Tetragrama IHVH são idênticos, mas com o agregado de uma Shin Letra Shin no meio das quatro letras: IHSVH.  Um discípulo cabalista cristão de Pico, João Reuchlin, acrescentará anos mais tarde em seu livro De Verbo Mirifico, que a consoante “s” (Shin) do nome de Jesus, faz possível a pronúncia, e por conseguinte a audição, do inefável Tetragrama. Esta era uma forma de demonstrar, cabalisticamente, a natureza divina de Cristo, Verbo encarnado do Pai. Assim, o que o exoterismo judaico negou (por ignorância), é afirmado pelo esoterismo. Para Pico e os cabalistas cristãos, Jesus era o Messias, a culminação histórica e supra-histórica da revelação sinaítica dada por Moisés ao povo de Israel. De suas Conclusões reproduzimos as seguintes:
A unidade metafísica é o fundamento da unidade aritmética.
A essência e a existência de qualquer coisa são realmente o mesmo.
O número se encontra precisamente tanto nas coisas abstratas como nas materiais.
A essência de qualquer inteligência existe substancialmente para algo.
Nada há no mundo que careça de vida.
A magia é a parte prática da ciência natural.
O que o mago faz por meio da arte, isso mesmo fez naturalmente a natureza fazendo o homem.
Fazer magia não é outra coisa que fecundar o mundo.
Quem copula à meia noite com Tifereth, obterá que toda sua geração seja próspera.
Por meio da Cabala e concretamente por meio do mistério da parte setentrional, sabe-se por que julgará Deus o século pelo fogo.


 
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O HERMETISMO RENASCENTISTA  I
 

Os parágrafos sobre Marsílio Ficino e Pico de la Mirandola serviram-nos de introdução à filosofia hermética do Renascimento, cuja história, balizada de visões luminosas e acontecimentos mágico-teúrgicos sempre relacionados com a busca do Conhecimento, deixou um rastro indelével na cultura e na alma do Ocidente. Como já apontamos, as sínteses levadas a cabo por Ficino e Pico, junto com a irrupção do Corpus Hermeticum na Europa latina, determinaram o começo de uma nova etapa e desenvolvimento da Arte Régia, enriquecida notavelmente com a contribuição devida à Cabala cristã. Do foco inicial, centrado na Itália, o Hermetismo renascentista conheceu uma ampla difusão pela Alemanha, França e Inglaterra, para acabar implantando-se virtualmente em todo o continente, incluída a, naquela época, Espanha inquisitorial. Da Alemanha, precisamente, era oriundo o já mencionado João Reuchlin (1455-1522), que em suas viagens à Itália contata com os círculos neoplatônicos e cabalistas cristãos, representando o tipo de humanista hermético na linha do Ficino e Pico. Reuchlin estuda e se aprofunda nos mistérios da Cabala e da língua hebraica, desenvolvendo a partir desses conhecimentos aspectos fundamentais da Cabala cristã, assinalados por Pico nas Conclusões e no Heptaplus. A Reuchlin, grande conhecedor da cultura grega (foi chamado “Pitágoras redivivo”), é devido o ter trazido a numerologia pitagórica à teosofia cabalístico-cristã, por outro lado já implícita nesse sistema graças à cosmologia e à metafísica platônicas. Recordemos que Pico havia assinalado que “no número pode encontrar o modo de investigar e compreender tudo o que é possível saber”. Vemos, assim, que em sua primeira obra, De Verbo Mirífico (“O Verbo Maravilhoso”), Reuchlin afirma a analogia entre o Tetragrama e a Tetraktys pitagórica, e entre esta e as dez numerações e nomes divinos da Árvore da Vida, diagrama que, a partir de então, passa a integrar-se definitivamente na cosmovisão hermética, fora do âmbito estritamente judaico. Mas é com sua segunda obra, De Arte Cabalistica, onde Reuchlin expõe a doutrina integral da Cabala cristã, passando a ser o manual de estudo e meditação para todos os adeptos da Ciência Hermética. Em De Arte Cabalistica se diz que a Cabala é uma alquimia que transmuta o mundo das aparências externas em percepções internas, produzindo uma cada vez maior sutilização das faculdades humanas, até sua definitiva transformação em espírito e luz.
Entretanto, ao mesmo tempo que se difundiam as idéias herméticas e cabalísticas, apareceram núcleos de violenta reação contra estas e seus representantes, ataque que procediam sobre tudo de alguns teólogos e da filosofia escolástica em franca fase de degradação e incompreensão para com os princípios tradicionais. Este enfrentamento será constante em todo o Renascimento, vendo-se acrescentado com a aparição da Reforma impulsionada por Lutero e Erasmo. Neste sentido, não será demais assinalar que a Reforma se apoiou, no início, em certos conceitos extraídos da Cabala cristã, ao mesmo tempo que muitos cabalistas cristãos viram com esperanças o movimento reformista, que advogava por uma volta à pureza primitiva dos Evangelhos. Isto foi assim até que, por sua vez, a Reforma protestante decaiu em um estéril puritanismo religioso a serviço dos postulados racionalistas e anti-tradicionais que iluminaram o mundo moderno. Mas também existiram homens de Igreja que se interessaram vivamente pelo hermetismo cabalístico, e inclusive participaram de sua difusão. É o caso do cardeal Egídio de Viterbo (1465-1532), que protegeu e se rodeou de sábios versados em Cabala e hermetismo, tal como fez outro cardeal, Bessarion, na época de Ficino e Pico. Tradutor do Zohar, Egídio de Viterbo deixou uma obra considerável, destacando por seu conteúdo a que leva por título Shekhinah, em que é notório o rastro de Reuchlin. Para o Viterbo, a Shekhinah (a presença real da divindade) é a própria voz da Sabedoria, que se manifesta no coração do justo, mostrando-lhe os celestes mistérios. Ele a compara ao Espírito Santo, por cuja mediação a Lei foi sendo revelada através dos séculos aos profetas e apóstolos. Como se diz no Zohar: “Quando dois ou três se reúnan ao redor da Torah, a Shekhinah estará em meio deles”. Com palavras que evocam a “Tábua de Esmeralda” hermética, Viterbo põe nos lábios da Shekhinah: “Porque este é meu segredo: tanto na terra como no céu... Para que haveria eu criado o céu, os elementos, as pedras, os metais, as ervas, as árvores, os quadrúpedes, os peixes, os pássaros, os homens, senão para que ocorra o mesmo na terra como no céu, e que o mundo sensível imite ao inteligível: e tenho inscrito signos na matéria tal como o imitaram os egípcios”.
Um dos mestres herméticos mais destacados nessa primeira metade do século XVI italiano foi o monge Francesco Giorgi (ou Zorzi) de Veneza (1460-1540), cidade esta que, depois de Florença, passou a ser a capital da filosofia oculta do Renascimento. Bebendo das fontes neoplatônicas, pitagóricas, cabalísticas e na teologia do Dionísio Areopagita, Giorgi escreve Da Harmonia Mundi, talvez a obra que, junto à de Reuchlin e Agrippa, maior influência terá sobre os cabalistas herméticos de toda a Europa. Em Da Harmonia Mundi são constantes as correspondências mágico-teúrgicas entre as hierarquias angélicas (também sefiróticas), zodiacais e planetárias, quer dizer, de todo o conjunto da ordem celeste, que indevidamente se reflete no mundo sublunar ou terrestre.
Para o Giorgi, a harmonia do universo, sua beleza, põe ao homem em disposição de compreender e perceber a perfeição da Mônada ou Unidade Suprema. Todos os planos e níveis da criação, do superior até o elementar, vibram ao mesmo acorde, tangido sobre o diapasão do Arquiteto divino, embora em diferentes tons ou graus de intensidade. O homem capta essa sutil harmonia por meio dos módulos geométricos e numéricos, que acham suas mais formosas e essenciais expressões na arquitetura e na música. Precisamente, em alguns edifícios renascentistas se aplicaram as concepções geométrico-numerológicas recolhidas em Da Harmonia Mundi, e na construção dos quais interveio diretamente Giorgi, como foi o caso do convento de São Francisco da Vinha, em Veneza. Da Harmonia Mundi foi traduzida ao francês pelo poeta hermético Guy Le Fèvre de la Boderie (tradutor também de Pico), a quem descreveu como um tesouro de “belas semelhanças... que se diria que o conjunto está composto de um só bloco de pinturas várias (as diversas fontes doutrinais em que se inspirou), embelezado e enriquecido com arte”. Esta tradução teve grande influência sobre Guilherme Postel e sua escola, que representava o principal foco de expansão da Cabala cristã na França, país este que, dito seja de passagem, desempenharia um importante papel na conservação das idéias tradicionais até nossos dias. Não menos notável foi a influência de Giorgi na Inglaterra de Elisabete I, que na segunda metade do século XVI era na verdade uma “ilha” de tolerância para com a filosofia e a ciência herméticas, tolerância que contrastava com o que ocorria no resto do continente, onde aquelas estavam sendo perseguidas com crescente crueldade pela Inquisição e pela Contra-reforma.


 
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O HERMETISMO RENASCENTISTA  II
 

Tanto quanto à Cabala cristã, a Alquimia também participou do desenvolvimento e difusão do Hermetismo renascentista. Como é natural, ambas as disciplinas eram e são inseparáveis e, de fato, a Grande Obra alquímica facilitava aos cabalistas cristãos o conhecimento da natureza, concebida como uma entidade mágica, mediante a qual se restabelecia a realidade dos contatos com o plano ontológico e metafísico. Quer dizer, que a Alquimia representava, em certo modo, o método “prático” para conseguir a imprescindível transmutação interior que possibilitava a ascensão pelos graus da scala philosophorum.
Talvez quem expôs mais nitidamente as vinculações entre a Cabala cristã, a Alquimia e a Magia natural foi Cornelio Agrippa (1485-1535), sobretudo em seu famoso tratado Filosofia Oculta. Esta obra se divide em três partes, correspondendo-se cada uma delas com os três mundos: o Elemental, o Celeste e o Intelectual, segundo definição dada pelo próprio Agrippa. Tendo sempre presentes as permanentes relações e a unidade entre os três planos cosmogônicos, na primeira parte de seu livro –intitulada “A Magia Natural”– Agrippa detalha cuidadosamente as virtudes e propriedades dos seres e das coisas que habitam na esfera sub-lunar, ou Corpus Mundi. É dada toda classe de indicações e regras para interpretar adequadamente, “como ensinam os Magos e Filósofos”, os reinos telúricos mineral, vegetal e animal à luz de seus protótipos celestes. Na segunda parte –“A Magia Celeste”– descreve-se o Anima Mundi ou Anima Vitae, governada pelas potências das estrelas, dos planetas e do zodíaco. Esta parte está quase toda ela consagrada ao número e à geometria, pois, para a Agrippa como para o Giorgi, a geografia sutil da maravilhosa “máquina celeste” está regida e animada pelas Idéias que manifestam os números e as formas geométricas. Evidencia-se, assim, a influência platônica e pitagórica. E, por último, o terceiro livro, Agrippa o dedica a “A Magia Cerimonial”, que é precisamente a magia invocatória dos anjos e nomes divinos, que conformam o Spiritus Mundi, doador da palavra fecundante e luminosa, que vivifica com seu influxo sobrenatural o cosmo inteiro. Recolhe-se aqui o essencial da Cabala cristã, pois além de oferecer uma exaustiva interpretação das emanações sefiróticas, fazem-se constantes referências ao nome do Jesus, “que tem toda a virtude do nome de quatro letras, expande seu poder e virtude, pois este pai Tetragrama lhe deu poder sobre todas as coisas”. Da mesma forma, alude-se extensamente aos quatro “furores” divinos que o mago invoca em suas operações teúrgicas: o proveniente das Musas, o de Dionisios, o de Apolo e o de Vênus. E como advertindo as dificuldades e paradoxos que apresenta a via hermética para todo aquele que nela entra, Agrippa conclui com estas palavras extraídas do texto bíblico: “Quando procurar o Senhor seu Deus, encontra-lo-á se o busca de todo coração e em toda a tribulação de sua alma”. Infatigável viajante, Agrippa leva a mensagem por sua a Alemanha natal, Itália, França, Inglaterra... Em todos esses países ensina, forma discípulos, cria escolas, entrando em contato com os mais importantes núcleos herméticos e cabalistas. É também perseguido e tachado de enganador e feiticeiro pelos eternos inimigos da doutrina, contra os quais se defende argumentando que o mago “não é sinônimo de enganador, de supersticioso ou de demoníaco, mas sim equivale a sábio, sacerdote ou profeta”, tão elevada era a concepção que tinha de seu ministério e função.
Entre os que foram influídos por seu pensamento, merece destacar-se ao gravador e pintor Alberto Dürer, cujas duas obras, “Melancolia I” e “São Jerônimo em seu estudo”, constituem autênticos tratados hermético-alquímicos. Assinalemos que Dürer foi, além disso, mestre de um agrupamento esotérico de tipo artesanal, tal como seu contemporâneo Leonardo Da Vinci, o que era bastante freqüente em uma época que, como estamos vendo, e apesar de suas contradições e complexidade, reivindicou com força os valores perenes do espírito tradicional do Ocidente. Por outro lado, muitos alquimistas do século XVI deixaram perseverança da cosmovisão hermética em pinturas e gravuras de grande riqueza simbólica e iconográfica, continuando assim uma forma de expressão que se remontava à época alexandrina e, sobretudo, Medieval. Digamos que a utilização das artes plásticas e visuais como meios de transmitir a Grande Obra ainda perduraria entre os adeptos dos séculos XVII e XVIII, a alguns dos quais nos referiremos em posteriores títulos.


 
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ALQUIMIA
 

Continuando com os mestres alquimistas do XVI, devemos mencionar também ao grande médico Paracelso (1493-1541). Como alquimista, sua experiência médica se centrou no estudo e observação da natureza e mais exatamente na forma em que esta urde suas operações ocultas e invisíveis, pois, em definitivo é o espírito, e por meio deste a alma do mundo e do homem, o único que pode sanar os corpos doentes. Tomando como princípio o postulado hermético de que “a magia é natural porque a natureza é mágica”, a medicina do Paracelso se funda nas correspondências e analogias entre o macrocosmo e o microcosmo, que formam um só organismo “no qual as coisas se harmonizam e simpatizam reciprocamente”. Ambos “não são mais que uma constelação, uma influência, um sopro, uma harmonia, um tempo, um metal, um fruto”. Este íntimo laço entre o invisível e o visível, que contribui a edificar a arquitetura do cosmo e da vida, Paracelso o resume da seguinte maneira: “Os astros não influem diretamente sobre os corpos, mas sim sobre a força vital. Por isso os órgãos não são em si mesmos senão representações (símbolos) corporais de energias invisíveis que atuam em todo o organismo. Na realidade, o verdadeiro fígado é uma força que circula em todas as partes do corpo, mas que tem sua sede em um órgão ao qual chamamos assim”. A enfermidade aparece no momento em que se produz uma dissociação no seio dessa unidade macro e microcósmica, pois cada órgão ou parte do corpo está em correspondência com um planeta ou signo zodiacal, os quais, por sua vez, influem em determinados minerais, metais, plantas e animais. Por este motivo, ao se resultar de uma carência um órgão doente, haja compensação administrando –ou anulando a influência se, pelo contrário, tratar-se de um excesso– o conseguinte produto natural com o que dito órgão simpatize. Entretanto, segundo Paracelso, a enfermidade não é unicamente excesso ou carência de algo (que seriam só o efeito), senão que se trata de um “ser” ou de uma entidade do plano anímico intermediário, vinculada, tal como a velhice, ao poder dissolvente e corrosivo do tempo, pelo que a medicina alquímica e tradicional persegue “extrair a ‘quintessência’ das coisas, descobrir seus arcanos, preparando os elixires capazes de devolver ao homem a saúde perdida”; e, o que é mais importante, reintegrá-lo ao estado primordial. A enfermidade seria, pois, não um mal em si mesmo, senão um suporte como outro qualquer para “remontar-se ao plano divino”, conciliando os opostos que surgem de sua ação.

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A ESCALA
 

Quando Jacob fugia de seu irmão Esaú, detendo-se para passar a noite, tomou uma pedra que pôs de cabeceira:
“E teve um sonho; sonhou com uma escada apoiada na terra, e cujo topo tocava os céus, e eis aqui que os anjos de Deus subiam e desciam por ela. E viu que Yahveh estava sobre ela...” (Gênese, XXVIII, 12).
Pela escala, simbolicamente, sobem e descem as energias da criação, pois esta é como uma ponte vertical que comunica a terra com o céu, o material com o espiritual. Por ela as energias sutis e invisíveis descem aos homens, que por sua vez têm a possibilidade de subir por seus degraus para a pátria celeste.
No processo iniciático este símbolo tem o duplo papel tanto no processo de “descer” como no de “subir”. A descida aos infernos, ou visita ao interior da terra, que se tem que produzir na primeira etapa da iniciação, é às vezes representada como uma escala que conduz ao subsolo; por outra parte, os deuses, enviados ou energias celestes que visitam a terra, descem por uma escala misteriosa. Mas, em geral, seu significado é mais ascendente, representando a elevação escalonada da consciência no caminho do conhecimento.
Há uma similaridade e complementaridade entre o simbolismo da escala e o da porta, já que ambas indicam uma “passagem” a outros estados, e a primeira, em muitos casos, precede à segunda. Tal é o caso do simbolismo do templo cristão: primeiro se vêem os degraus entre o átrio e a porta exterior; em seguida, estão de novo antes da chegada ao altar; e finalmente, a mais importante é a escala invisível que comunica o altar com a cúpula, em cujo centro se acha a porta estreita à qual já nos referimos. Por outra parte, também na arte cristã se vê freqüentemente a relação da escala com a árvore e de ambos com a cruz, todos símbolos axiais cuja função consiste em enlaçar o de cima e o de baixo. A verdadeira escala está plantada no centro do mundo, e, como sabemos, qualquer espaço sagrado pode representar esse centro. Entretanto, todas as idéias de centro nos devem conduzir a nossa própria interioridade, que é de onde tem que sair a escala que nos permitirá aceder –quando chegarmos a seu topo– ao mundo dos deuses.
Também se relaciona este símbolo com o da espiral –o que é notável na escada em “caracol”–, pois ambos se referem às hierarquias da existência, os níveis do Conhecimento e os graus de leitura da realidade. Cada um de seus degraus representa um distinto “céu”, um estado do ser; e o escalá-los indica a ascensão gradual da alma que busca a fusão com o espírito único.
No simbolismo construtivo a escala é por um lado um instrumento de trabalho (escada) e pelo outro forma parte integral da própria construção (degraus). A própria estrutura da pirâmide, por exemplo, fala-nos da escalonada subida para o centro do ser; e é interessante também a relação desta com a montanha, que em determinados casos se escala ritualmente e cuja ascensão tem o mesmo significado.
O número de degraus ou degraus da escala é importante e varia segundo o que esteja simbolizando. As mais comuns são as de três e sete degraus; embora as encontra também freqüentemente em número de nove, dez, doze, trinta e trinta e três, etc. A de três degraus se relaciona em geral com os três graus (de aprendiz, companheiro e mestre) da iniciação. A de sete também tem esse sentido, quando –como no caso do simbolismo dos sete chakras– os graus são nesse número. Esta última é claramente visível na escala musical, que por sua vez se encontra ligada com a dos planetas, a dos metais, a das cores –o arco íris é às vezes representado como uma escala– e os sete dias da semana, símbolos todos que nos falam da ascensão progressiva pelos sete “céus” planetários –que as sete artes liberais e as próprias sefiroth exemplificam– que temos que visitar em nossos percursos iniciáticos e cuja realização sempre suporá uma expansão gradual da consciência.
No corpo humano, o simbolismo natural que mais claramente se relaciona com a escala é o das trinta e três vértebras que compõem a coluna vertebral, eixo axial que lhe dá o ponto de equilíbrio; embora também a divisão simples do corpo em cabeça, tronco e extremidades, tem um sentido escalonado e hierárquico.
Com efeito, o símbolo da escala nos ensina que a criação é hierarquizada, que essas hierarquias são na verdade internas, e que temos que as conhecer, as escalando dentro de nós mesmos, para despertar e conhecer nossas verdadeiras possibilidades espirituais.
A palavra escala tem uma relação também com a idéia de “proporção”, e nesse sentido pode se ver o ser humano como criado “à escala” do universo. Com efeito, o homem tem limites pois seus sentidos unicamente lhe permitem perceber uma determinada escala da realidade (não vêem nossos olhos as cores infravermelhas nem as ultravioletas; nem percebemos a olho-nu os planetas mais afastados de Saturno; nem escutam nossos ouvidos as escalas musicais mais baixas e mais altas). Entretanto, primeiro o reconhecimento desses limites, e logo a ascensão escalonada pelos graus do ser, permitir-nos-ão chegar ao ilimitado, onde a idéia de hierarquia perde realidade e só reina a igualdade pura da essência.


 
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A TRADIÇÃO PRÉ-COLOMBIANA
 

Em finais do século XV e no XVI, os europeus “descobriram” a América. Entretanto, a Tradição Pré-colombiana existia há muito e era conhecida essa existência pela antigüidade segundo testemunho de Platão, que, falando da Atlântida, continente-ilha desaparecido por uma catástrofe, diz-nos que suas colônias se achavam pulverizadas pelo ocidente em pequenas ilhas, arquipélagos e terra firme. Do mesmo modo, outras das colônias deste continente se achavam na África e na Europa e delas são herdeiros nada menos que o Egito (e por seu intermédio a Grécia e todo Ocidente), Caldéia (de ingerência fundamental nos povos do Oriente-Médio e mediterrâneos) e os celtas (de particular influência na Espanha, Irlanda, Inglaterra e França).
Entretanto, durante séculos, foi tabu o cruzar as Colunas de Hércules e penetrar o oceano Atlântico (a raiz Atl, encontra-se ainda hoje muito difundida entre os povos Nahuatl) o que, finalmente, por imperativos cíclicos e históricos, foi levado a cabo pela Espanha, seguida de Portugal e posteriormente da Inglaterra, França, Holanda, etc. Foi assim como se “descobriu” a América e, a partir desse momento, ela se converteu no objetivo econômico de toda a Europa, deslumbrada exclusivamente pelo ouro e pelas riquezas destas terras, a tal ponto que não souberam emprestar nenhuma atenção à cultura desse imenso continente, à sua tradição e seus homens, que foram exterminados fisicamente, e menosprezados seus ritos, mitos, símbolos, usos e costumes, expressões vivas de sua concepção cosmogônica e teogônica. Esta última situação se prolongou até nossos dias, e só uma minoria de estudiosos (em particular desde meados do século XIX e no transcurso do XX) dedicou-se a resgatar os valores tradicionais pré-colombianos, que se encontram em número indefinido e em qualquer parte, nas centenas de povos (e línguas) distintos que se acham pulverizados desde o Alasca à Terra do Fogo. Entretanto, todas estas nações, que incluíam tanto a povos nômades ou semi-nômades como a medianas ou grandes civilizações, têm uma óbvia origem comum, apesar de suas diferenças culturais, muitas delas surgidas como adaptações geográficas e históricas diversas, e inclusive por possíveis contatos com outras sociedades.
O estudo da Tradição Pré-colombiana é muito importante tanto para aqueles que, por uma ou outra razão, tiveram contato com a América, como para os investigadores das tradições, religiões e filosofias comparadas. Particularmente dos símbolos, ritos e mitos, pois se poderá comprovar, com surpresa, como esta cosmogonia e teogonia se identificam com as mediterrâneas (a tal ponto que os sacerdotes cronistas da conquista não deixam de destacar as estreitas relações com o judaísmo e com o cristianismo) e até com as da Índia e da China, para dar só um par de exemplos, demonstrando-se a identidade essencial de todas as tradições, vivas ou mortas, como é este último o caso da Pré-colombiana, cujos símbolos esperam ser revivificados para transformarem-se em energias atuantes no desenquadrado e crepuscular mundo moderno. Deve, entretanto, o leitor atuar com suma prudência e não deixar-se tentar por falsos indícios ou entusiastas aspirações. Talvez poderia tomar a reconstrução deste imenso quebra-cabeças que traçam as antigas culturas indígenas, ou outras igualmente pouco conhecidas, como auxiliares na própria Iniciação; sobretudo, se pudesse compreender a simbólica desta Tradição como arquetípica, e portanto capaz de manifestar-se e atuar em nossa psique, em nossa própria vida. Fechamos com um fragmento do Peri Agamaton de Porfírio, apropriado para a idéia da vivificação de uma Tradição virtualmente morta.
“Desvelo noções de uma sabedoria teológica; é Deus e as potências de Deus o que os homens revelaram mediante estas noções. Têm-no feito através de imagens apropriadas aos sentidos, imprimindo as coisas invisíveis nas obras visíveis, para aqueles que aprenderam a decifrar nas representações o que se encontra gravado referente aos deuses, da mesma maneira que se faria nos livros. Além disso, nada tem de estranho em que os mais desprovidos de instrução tomem às estátuas por blocos de pedra ou de madeira, exatamente como aqueles que não sabem ler não vejam nas estelas, as pranchas ou os livros, mais que pedras, madeiras ou papiro encadernado”.


 
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O RENASCIMIENTO ELISABETANO
 

Em meados do século XVI se produziu um certo declinar do movimento hermético que com tanta força emergiu cem anos antes na Itália. Neste fato, tiveram muito que ver as ações levadas a cabo pela contra-reforma, que, em seu pretendido afã por conservar e defender o que ela entendia pela “pureza” da religião católica, perseguia todas aquelas idéias que não correspondiam a seus limitados critérios. Só nas nações onde os respectivos estados abraçaram a Reforma persistia a tolerância religiosa, tal o caso da Alemanha, Boêmia e Inglaterra. Mas as particulares circunstâncias geográficas deste último país fizeram possível que ali se desse, mais que em nenhum outro, um novo ressurgimento tradicional, propiciando o que com razão se deu em chamar o Renascimento Elisabetano, no qual também participou o hermetista e neoplatônico italiano Giordano Bruno, que residiu durante vários anos na Inglaterra, e ao que se devem obras tão importantes como De umbris idearum, Da causa, princípio e um, Dos heróicos furores, De innumerabilibus, immenso et infigurabili, Do infinito, do universo e dos mundos, Expulsão da besta triunfante, etc. Com efeito, sob o reinado de Elisabete I, que vai de 1558 a 1606, a antiga Albion conheceu sua maior época de esplendor no terreno cultural, e no qual certamente exerceram uma notável influência as concepções herméticas. Do mesmo modo, deve-se considerar que na Inglaterra daquela época sobreviviam algumas correntes do cristianismo templário e cavalheiresco, que seguiam mantendo vivo o antigo ideal medieval do Império cristão, encarnado ali na figura mítica do rei Artur e seus doze cavaleiros da “Távola Redonda”, cuja lenda está baseada também nas antigas tradições celtas. Assim, as favoráveis condições que naquela época vivia a Inglaterra e sua decidida oposição ao poder quase exclusivamente temporal em que havia caído a Igreja Católica, foram fatores decisivos para que essa idéia da monarquia imperial renascesse com força. O suporte doutrinal no qual se apoiaria dita monarquia não seria outro que o Hermetismo e a Cabala cristã.
Por outro lado, e do ponto de vista em que aqui nos situamos, pouco importa que a tão esperada reforma universal não chegasse a cumprir-se totalmente, tal e como desejavam seus promotores. Longe de ter sido em vão, esse intento gerou toda uma plêiade de escritores, poetas, artistas e cientistas profundamente interessados na Ciência Sagrada. Baste recordar a Shakespeare, cujas peças teatrais transluziam uma visão do mundo fundada na cosmogonia hermética e cabalista cristã, especialmente em “A Tempestade”, “O Mercador de Veneza” e “O Rei Lear”. Sem esquecer tampouco a Edmund Spenser e seu poema épico “A Rainha Fada”, intensamente saturado de neoplatonismo hermético e claramente alusivo à função reformadora da monarquia Tudor. Mas o personagem chave do Renascimento Elisabetano é sem dúvida John Dee, até tal ponto que resulta impossível compreender este período da história esotérica do Ocidente sem ter em conta este mestre, de quem se diz que possuía uma enorme biblioteca abrangendo todos os ramos do saber hermético. Renomado matemático, Dee desenvolveu sua concepção do cosmo apoiando-se inteiramente nas proporções harmônicas dos números e da geometria, em total acordo com o exposto por Reuchlin, Giorgi, Agrippa e inclusive Dürer, de quem Dee extraiu sua teoria sobre ditas proporções no corpo humano. O essencial de seu pensamento o verteu na que aparece como sua obra fundamental, a Monas Hieroglyphica, quer dizer, a figura, gravura ou símbolo sagrado (hieróglifo) representativo da Mônada ou Suprema Unidade. Basicamente, a Monas Hieroglyphica explica como o Ser se desdobra, e é imanente, nos três mundos, que por sua vez, e tomados em seu conjunto, formam uma imagem “matemática, mágica, cabalística e anagógica”, pela qual é possível remontar-se para a contemplação da própria Unidade, de sua transcendência. Com efeito, é por meio da matemática pitagórica, da magia, da cabala e da anagogia (busca e interpretação do sentido metafísico encerrado nas Santas Escrituras) que o mistério fecundo da existência se revela em toda sua plenitude e majestade. Para Dee, no mundo elementar as leis divinas se expressam através da ciência matemática, entendida como tecnologia aplicada; no intermediário, ditas leis regulam os ciclos astrológicos e astrais; e no espiritual se manifestam como energias angélicas. Dee tampouco foi alheio à Alquimia, especialmente à legada por Agrippa, que como sabemos estava unida à Cabala cristã. Em Dee, Alquimia e Cabala efetuam um sistema mágico-teúrgico, cujo principal objetivo consistia na comunicação direta com os anjos, mediante o poder da invocação e da oração.
Neste sentido, Dee desenvolve uma Cabala de tipo “prático”, que é na realidade uma forma cristianizada da magia Angélica, fundamentada no conhecimento dos nomes divinos e nos princípios da cosmologia hermética e da metafísica, pelo que não tem nada que ver com a “cabala prática” nem tampouco com a “magia cerimonial” em uso entre os ocultistas dos séculos XIX e XX, nascida de uma grosseira confusão entre o psíquico e o espiritual. Dentro do período elizabetano, Dee chegou a ser um dos principais inspiradores do movimento político-hermético que deveria conduzir à nova ordem imperial, à frente do qual estaria a própria rainha Elizabete I. Nesta perspectiva, deve se ver a série de viagens que Dee leva a cabo por diversas cortes da Europa Central, onde, ao mesmo tempo que difunde a mensagem da monarquia cristã, realiza fecundos contatos com os núcleos herméticos-cabalistas por ali existentes. Por exemplo, reside algum tempo na corte do imperador Rodolfo II, da Boêmia, que se rodeou sempre de mestres cabalistas e herméticos, e a cujo serviço precisamente esteve o médico alquimista Michael Maier. Significativamente, durante os anos em que Dee permaneceu no continente (de 1583 a 1590) estava sendo gerado o movimento hermético rosa-cruz, que tão destacada importância teria na primeira metade do século XVII.


 
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NOTA: DOUTA IGNORÂNCIA OU IGNORÂNCIA DOUTA?
 

Como já foi dito, existe uma grande diferencia entre a “douta ignorância”, chamada assim por Nicolas da Cusa ao querer explicar aqueles estados que tão bem descreve a “teologia negativa”; e outra por certo a simples ignorância geral que, por ser tal como é, presta-se à cumplicidade com o êxito, ou a hipócrita bênção oficial, ou com o que exigem a moda e o mercado. Ambas estão invertidas, nos extremos da polaridade, e os seres que encarnam estas realidades são opostos; os primeiros experimentam o não saber, os segundos, os “doutores” ignorantes, não sabem do saber e, portanto, acreditam que os outros tampouco sabem, e isso os faz capazes de fingir saber.


 
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O MOVIMENTO ROSA-CRUZ
 

O conjunto da filosofia hermética do Renascimento encontrou sua última expressão no que se chamou movimento rosa-cruz, ou rosacruciano, ao qual pertenceram Robert Fludd, Michael Maier, Valentín Andreae, Enrique Khunrath e Comenius, entre outros. Como já dissemos, este movimento nasce em princípios do século XVII, concretamente nos países onde John Dee dera a conhecer a mensagem da reforma universal, apoiada nos postulados doutrinais do hermetismo alquímico e cabalístico-cristão, do qual também é herdeiro o teósofo alemão Jacob Boehme (1575-1624), que teve que lutar toda sua vida, como tantos outros mestres herméticos, contra a intolerância religiosa, chegando inclusive a conhecer por algum tempo a amargura do cárcere. Em suas obras –principalmente A Aurora que desponta, De Signatura Rerum e Mysterium Magnum– Boehme expõe com verbo inflamado as etapas pelas quais o homem pode recuperar seu “corpo de luz” anterior à queda adâmica, nascendo como filho da Sabedoria Eterna.
O movimento rosa-cruz toma força com o resultado da aparição dos manifestos entitulados Fama Fraternitatis e Confessio Fraternitatis, cuja autoria, direta ou indiretamente, pertencia ao misterioso “Colégio Invisível da Rosa-Cruz”, do qual os rosacrucianos obtiveram precisamente o nome. Pela importância que reveste para compreender a história sutil da época que estamos tratando, convém que nos detenhamos um momento no conteúdo desses manifestos, e especialmente nos eventos acontecidos ao fundador legendário dessa Fraternidade iniciática: Christian Rosenkreutz (literalmente “Cristão Rosa-cruz”). Em primeiro lugar, diremos que esse nome é simbólico, pois não designa um personagem concreto, mas sim uma “entidade coletiva” que desempenhou uma função tradicional em um período determinado. Diz-se que a “vida” de Christian Rosenkreutz está na transição entre os séculos XIV e XV, quer dizer, quando se gerava a passagem da Idade Média ao Renascimento, com tudo o que isto implicava de reajustamento dos princípios tradicionais às novas condições históricas e cíclicas. Como já sabemos, uma das organizações que na Idade Média detinha o conhecimento iniciático e esotérico era a Ordem da Templo, que além disso mantinha relações doutrinais com análogas organizações do esoterismo islâmico, o que propiciava o vínculo espiritual entre o Ocidente e Oriente. O cruento desaparecimento dos templários nos inícios do século XIV, concretamente em 1314, produziu uma eventual ruptura desse vínculo, com o que se supunha a perda para o Ocidente de uma parte essencial de sua própria sabedoria tradicional, pois na verdade o Oriente não designa senão a região simbólica onde reside o Centro Supremo e primordial, a fonte de todo conhecimento metafísico e espiritual. Neste sentido, as “viagens” que efetuou Christian Rosenkreutz por diversos países do Oriente (no transcurso dos quais “recebeu os segredos da magia e da cabala”) tinham como objetivo o de voltar a restabelecer o laço que se quebrara, com o fim de que o Ocidente mantivesse a regular comunicação com o Centro Supremo. Ao voltar para a Europa, Christian Rosenkreutz funda a “Fraternidade da Rosa-Cruz”, de conteúdo hermético-cristão que, ao contrário de seus antecessores templários, não conservava uma organização de tipo exterior, mas sempre permaneceu no mais completo anonimato, passando a atuar de um plano estritamente espiritual e invisível; por este motivo, então, a denominação de “Colégio Invisível”.
Assim, pois, podem-se compreender quais foram na realidade os “inspiradores” de virtualmente todos os movimentos esotéricos que apareceram no Renascimento, movimentos cujo caráter hermético-cristão não deixa nenhuma dúvida. O fato de que os manifestos Rosacruzes se fizessem públicos em princípios do século XVII, indicava que tinha chegado o momento de passar a uma ação muito mais direta, já que as condições adversas que naquela época existiam no Ocidente assim o requeriam. Desta maneira, motivados por ditos manifestos, uma série de adeptos herméticos se agruparam para criar o movimento rosacruciano, que devia ser como uma espécie de braço exterior, mas sem relação aparente, com o “Colégio Invisível da Rosa-Cruz”. Esse movimento teve inclusive um alcance político-religioso, pois também se tratava de organizar um Estado semelhante ao que existia na cristandade medieval: o Sacro Império Romano Germânico. Com segurança, os projetos de John Dee e dos reformistas elisabetanos, para restabelecer uma monarquia cristã de alcance universal, abonaram o caminho para acometer semelhante empresa, à frente da qual se encontrava o príncipe renano Frederico V do Palatinado. Este pequeno principado no centro da Europa foi, durante a segunda década do século XVII um autêntico “Estado Rosa-cruz”, aonde confluiriam quase todas as correntes herméticas do último período do Renascimento. As universidades de Heidelberg e Oppenheim converteram-se em centros de ensino propagadores da filosofia oculta, gerando assim uma cultura que ficou impressa em numerosas obras arquitetônicas, científicas, artísticas e literárias. Nesse clima de extraordinária e fecunda criatividade em todos os campos do saber, vemos o engenheiro e arquiteto Salomão de Caus, que desenhou jardins e monumentos mágicos e simbólicos, tomando como referência as leis da perspectiva, das proporções e harmonias do número, da geometria e da música. Encontramos deste modo os editores Teodoro de Bry e Mateo Merian, que imprimiram e realizaram os emblemas e gravuras de “As Bodas Químicas de Christian Rosenkreutz”, de Valentín Andreae; os vários volumes da “Historia Metafísica do Macrocosmo e do Microcosmo”, de Fludd, e “Atalanta Fugitiva” de Maier, para citar apenas alguns.
Recordemos também as gravuras alquímico-cabalísticas de Khunrath em sua obra “Anfiteatro da Eterna Sabedoria”, e especialmente a que leva por título “A Cova dos Iluminados”, onde se conservavam os tesouros da filosofia rosa-cruz, herdeira do pensamento de Ficino, Pico de la Mirandola, Reuchlin, Agripa, Giorgi, Postel, Paracelso e Dee, principalmente, embora por razões de brevidade omitamos outros numerosos adeptos da Arte e da Ciência Hermética. Digamos que a utilização da técnica da gravura, para apresentar visualmente as idéias contidas nos livros herméticos, supunha não só uma forma de embelezá-los esteticamente, mas também brindar uma seqüência de imagens ordenadas que facilitassem o despertar da intuição intelectual (espiritual) do leitor, quer dizer, que desempenhavam uma função didática apta para veicular o Conhecimento. O desaparecimento do movimento rosacruciano trouxe como conseqüência uma concepção cada vez mais racionalista do saber científico, que desembocaria de modo irreversível na solidificação positivista do século XIX, que supôs um limite no descenso da degradação cíclica, dando passagem assim a esta nossa época de completo caos e dissolução em todas as ordens da existência.

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OS CICLOS  II
 

Como já sabemos, a precessão dos equinócios (25.920 anos) é o número cíclico fundamental, pois, a partir dele e de suas subdivisões, organizam-se e se estruturam os diferentes períodos da humanidade (ver Módulo II, títulos N.º 54  e N.º 105). A principal dessas subdivisões é justamente a metade da precessão, quer dizer, 12.960 anos (13.000 em números redondos), módulo de tempo que era conhecido por todos os povos da Antigüidade, alguns dos quais, como os caldeus e os gregos, deram-lhe o nome de “grande ano”, dando a entender assim que se trata de um ciclo completo em si mesmo.
Na tradição hindu, cinco desses “grandes anos” constituem também o Manvántara (5 x 12.960 = 64.800), o qual acrescenta uma nova perspectiva a nossos estudos sobre os ciclos, pois até agora tão somente tínhamos considerado sua divisão quaternária em correspondência com as quatro idades da humanidade. Se estas últimas assinalam as etapas do descenso cíclico, que se acompanha por um encurtamento na duração de cada idade, a divisão em cinco “grandes anos” de igual duração estaria em correspondência com os períodos de tempo que dentro do Manvántara transcorrem entre dois cataclismos geológicos, que sempre provocaram mudanças consideráveis na geografia do planeta, sujeito indevidamente ao ritmo marcado pela sucessão dos grandes ciclos cósmicos.
O Dilúvio bíblico se refere em realidade a um desses cataclismos, que entre outras conseqüências, provocou o desaparecimento do continente atlante (a Atlântida, a mítica “ilha do Ocidente”) e a civilização que se desenvolveu dentro dele, civilização em que existiu um centro espiritual diretamente emanado da Tradição Primordial. Esse cataclismo representou o passado do quarto “grande ano” ao quinto, ao final do qual nos encontramos atualmente, coincidindo portanto com o fim do Manvántara. Numerosas tradições guardaram a memória dessa civilização, muitas das quais se consideraram suas herdeiras, como é o caso da Tradição Hermética e de todas aquelas que com o passar do último “grande ano” habitaram a costa oeste da Europa, a bacia do Mediterrâneo e Oriente Médio, e é obvio as culturas da América pré-colombiana. Recordemos que o mesmo Platão fala da Atlântida em dois de seus “Diálogos”: Timeu e Crítias.
Se tivermos em conta que esse cataclismo, segundo os dados tradicionais, teve lugar ao redor do ano 11.000 A. C., o anterior ocorreu em torno do ano 24.000 A. C., marcando assim o passado do terceiro “grande ano” ao quarto. Diz-se que dito cataclismo provocou o deslocamento de um grande continente (que recebeu o nome da Gondwana) situado nas regiões mais meridionais da Terra. É bastante provável que a civilização que floresceu em dito continente tivesse como descendentes a todas aquelas tradições que se desenvolveram principalmente na África e Austrália.
Por volta do ano 37.000 A. C. temos a passagem do segundo “grande ano” ao terceiro, marcado por um cataclismo que afetou, sobretudo, os povos que habitavam outro grande continente localizado nas regiões extremo-orientais, cujos restos formariam todas essas milhares de ilhas dispersas hoje em dia pelo sudeste asiático e grande parte do Pacífico. E quanto à passagem do primeiro “grande ano” ao segundo, pouco se sabe do cataclismo que a marcou, embora sua data, 50.000 A. C., coincida com a que a ciência moderna atribui à primeira glaciação, quando as regiões hiperbóreas, que até então gozavam de uma “eterna primavera”, cobriram-se de gelo. É interessante destacar que na sucessão das quatro idades da humanidade, os dois primeiros “grandes anos” (de 63.000 a 37.000 A. C.) pertencem inteiramente à Idade de Ouro que, como sabemos, cobre um ciclo completo da precessão dos equinócios (2 x 12.920 = 25.920 anos), indicando-nos que dentro dessa Idade há que se distinguirem também dois períodos distintos, embora para aquela humanidade primitiva tão somente existisse uma só e única Tradição.


 
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AGARTHA
 

Ao longo deste Programa, referimo-nos muitas vezes a Agartha sob diferentes formas, e acreditamos oportuno efetuar algumas elucidações sobre este país invisível, sobre este território não localizável de maneira espacial –mas que existe efetivamente no invisível e que todo ser humano pode encontrar em seu interior mediante um processo ordenado e gradual– de que este manual de introdução aos símbolos e à doutrina tradicional tomou seu nome. René Guénon, o esoterista mais importante do século XX, referindo-se à Agartha, disse:
“Falamos antes de alusões feitas por todas as tradições a alguma coisa que está perdida ou oculta, e que se representa sob diversos símbolos; isto, quando se toma em seu sentido geral –o que concerne a todo o conjunto da humanidade terrestre– se relaciona precisamente com as condições do Kali-Yuga. O período atual é, portanto, um período de obscurecimento e de confusão; suas condições são tais que, enquanto persistam, o conhecimento iniciático deve necessariamente permanecer oculto; de onde o caráter dos “Mistérios” da Antigüidade chamada “histórica” (que nem sequer se remonta até o princípio deste período) e das organizações que dão uma iniciação efetiva onde ainda subsiste uma verdadeira organização tradicional, mas da que não oferecem mais que a sombra quando o espírito desta doutrina deixou que vivificar os símbolos, que não são mais que a representação exterior; e isto porque, por diversas razões, todo vínculo consciente com o centro espiritual do mundo terminou por romper-se, o que é o sentido mais particular da perda da tradição, que concerne especialmente a tal ou qual centro secundário, que deixa de estar em relação direta e efetiva com o centro supremo”.
“Deve-se falar, então, como já o dizíamos precedentemente, de algo que está mais oculto que verdadeiramente perdido, pois não está perdido para todos, e alguns o possuem ainda integralmente; e, se for assim, outros têm sempre a possibilidade de voltar a encontrá-lo, contanto que o busquem como convém, quer dizer, que sua intenção esteja dirigida de tal modo que, pelas vibrações harmônicas que desperta segundo a lei das “ações e reações concordantes”, possa pô-los em comunicação espiritual efetiva com o centro supremo”.
E adiciona:
“Trata-se sempre de uma região que, como o paraíso terrestre, torna-se inacessível para a humanidade ordinária, e que está situada fora do alcance de todos os cataclismos que transtornam o mundo humano no final de certos períodos cíclicos”.
Quanto à introdução que procura o Programa Agartha, relaciona-se fundamentalmente com a Cosmogonia, como suporte imediato do Ser, e com a Metafísica. Nesse sentido, assinalamos determinadas vias iniciáticas para aqueles que tenham afinidade com elas como o islã, o judaísmo, o budismo mahayana, o zen budismo, etc., em particular para os que necessitam prementemente do rito exotérico comunitário, ou da emoção religiosa. Só queremos advertir aos estudantes a respeito de certas seitas que existem em todo mundo; mas acreditam que depois de ter seguido o Programa o leitor estará capacitado para distinguir entre o joio e o trigo. Entretanto este manual está dirigido para o ocidente, e se refere mais particularmente à Tradição Hermética. Se alguma instituição iniciática moderna e internacional poderia adotar o direito de representar essa Tradição, esta é a Maçonaria, que até tendo perdido em geral o sentido dos mitos e dos ritos que ela conserva e que ainda continuam vivos em algumas de suas lojas maçônicas, está capacitada para transmitir o influxo espiritual que representa. E por certo que está igualmente viva a Tradição Cristã, cujo esoterismo nos deu a maior parte do pouco que temos e pela qual também podemos recuperar o muito que tivemos. De todas maneiras, insistimos em que o estudante da Tradição Hermética pode trabalhar sozinho; embora deste modo, sublinhamos que é conveniente assimilar-se uma forma Tradicional, quando se adverte da grave responsabilidade que se deposita sobre nossos débeis ombros, e simultaneamente admitimos a inconveniência de alimentar nossos egos. Uma sentença islâmica assegura que no começo de um ciclo ao aprendiz se lhe exige pelo menos o conhecimento de nove das dez partes da totalidade, mas que nos últimos tempos só com uma décima parte poderá ser salvo, o que não deixa de ser reconfortante para nós, ignorantes atuais, e o que, além disso, deve ficar em relação com o Evangelho cristão que afirma que, para o fim deste ciclo, até os próprios meninos poderão ver e ser transfigurados na luz eterna, o que constitui, sem dúvida nenhuma, uma imensa esperança também para nossos filhos. Tomando devida nota de que este Programa é muito mais para aqueles que estão desiludidos de suas ilusões que para iludidos.


 
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O ESOTERISMO CONTEMPORÂNEO
 

A presença da Tradição Hermética não se esgotaria com o desaparecimento do movimento rosa-cruz em meados do século XVII, mas sua influência seguiria sendo decisiva em todas aquelas correntes esotéricas e iniciáticas que surgiriam ao longo dos séculos XVIII e XIX, como é o caso, por exemplo, da Maçonaria moderna. Na verdade, a energia espiritual do Deus que é Triplo em sua Sabedoria não deixou de se manifestar nunca no Ocidente até nossos dias, embora tenha havido momentos em que, devido às dificuldades do meio profano e dessacralizado, esse influxo tão somente fecundasse o coração de uns poucos, os quais, entretanto, têm feito possível a continuidade da transmissão da Ciência Sagrada, adaptando-a à mentalidade de seus contemporâneos e às circunstâncias especiais deste final de ciclo. Este é o caso de René Guénon (1886-1951), considerado, como já se disse, o maior metafísico e esoterista do século XX, e cuja obra representa a síntese mais completa da doutrina tradicional realizada em nosso tempo e nesta parte do mundo, e que foi também decisiva para validar os estudos e as investigações sobre os símbolos, considerados como os veículos do Conhecimento, atuando neste sentido seu autor como um verdadeiro hermetista, pois a revivificação dos símbolos, portadores das idéias da Sabedoria Perene, foi sempre uma das funções mais importantes dos mestres herméticos em todo tempo e lugar. Uma obra que em definitivo serviu, e servirá, como guia intelectual a numerosos homens e mulheres que procuram sua realização interior mediante o aprofundamento na Via Simbólica, que é precisamente uma das formas que tomou hoje em dia o esoterismo contemporâneo no Ocidente, e portanto a Tradição Hermética, ao compreender todas aquelas disciplinas que fazem referência direta à Cosmogonia e à Ontologia, ou seja, ao conhecimento do Ser e dos diferentes planos de sua manifestação, cujo conjunto compreende a totalidade do que antigamente se chamou os “Pequenos mistérios”. Mas estes, longe de representarem a totalidade do Conhecimento, constituem tão somente um suporte (mas, este sim, imprescindível) para aceder ao “Grandes Mistérios”, quer dizer, à Metafísica, cujos princípios gerais foram também expostos por Guénon, e que completariam, coroando-os, seus estudos sobre a Ciência Sagrada.
Recordemos que a Metafísica se refere a tudo aquilo que está mais à frente do edifício cósmico, e inclusive além de seu princípio criador, que não é outro que o Ser, ocupando-se exclusivamente do conhecimento transcendente do Não-Ser, por cima do qual tão somente se encontra a Não-Dualidade ou Perfeição Infinita da Suprema Identidade. O Ser, a Unidade, é o Não-Ser afirmado e, portanto, representa já uma primeira determinação, que embora seja a mais primordial de todas, está ainda condicionada com relação a aquelas outras possibilidades, verdadeiramente infinitas, que não se manifestarão jamais por sua natureza inefável e incondicionada, e que pertencem inteiramente ao Não-Ser, o qual, por conseqüência, contém tanto o que será manifestado através do Ser como o que nunca se manifestará. Assim, distinguir entre o Ser e o Não-Ser, entre Kether e En Sof, é essencial para quem empreende o caminho da verdadeira Gnose, que sempre têm que ter como referência permanente o supra-cósmico e as idéias e princípios mais universais, embora os interessados estejam recém iniciando esse caminho e ainda tenham que complementar suas primeiras transmutações alquímicas. Ou talvez por isso mesmo é que devam ser advertidos e conhecer essa diferença no começo, evitando assim posteriores confusões que lhes impediriam de ultrapassar as condições que lhe prendem a seu estado individual e contingente.
O mesmo podemos dizer da confusão entre metafísica e religião, que é outra das questões que Guénon procurou sempre clarear, como também o tem feito nosso Programa em várias oportunidades (ver, sobretudo, o Módulo II, título N.º 99). Essa confusão é bastante comum hoje em dia, inclusive entre alguns dos que se nutriram da obra do Guénon, à qual, por este motivo, distorceram, quando não simplesmente manipularam e traíram. É necessário distinguir nitidamente entre o metafísico e o ponto de vista religioso, entre outras razões porque este se limita sempre ao mais exterior, considerando ao elemento sentimental e devocional acima do verdadeiramente intelectual e espiritual, com o que esse ponto de vista não contempla a idéia de uma Cosmogonia, e em conseqüência a possibilidade da iniciação nos mistérios da vida e do Ser, ante-sala dos grandes mistérios da Metafísica. Confundir o metafísico com o religioso supõe a inversão total das relações hierárquicas entre o exotérico e o esotérico e, mais ainda, entre o psíquico e o espiritual.
Neste sentido, e para concluir, eis aqui o que diz a respeito o próprio Guénon: “A metafísica e a religião não estão, nem estarão jamais, no mesmo plano; disso resulta, por outra parte, que uma doutrina puramente metafísica e uma doutrina religiosa não podem competir nem entrar em conflito, posto que seus domínios são claramente diferentes”. (Oriente e Ocidente, 2ª parte, Cap. IV). E do mesmo modo: “Pretender que a iniciação pudesse ter nascido da religião [...] é inverter todas as relações normais que resultam da natureza própria das coisas; e o esoterismo é verdadeiramente, com respeito ao exoterismo religioso, o que é o espírito em relação com o corpo, tanto é assim que, quando uma religião perdeu todo ponto de contato com o esoterismo, não fica nela mais que 'letra morta' e formalismo incompreendido, porque o que a vivificava era a comunicação efetiva com o centro espiritual do mundo, e esta somente pode ser estabelecida e mantida conscientemente pelo esoterismo e pela presença de uma organização iniciática verdadeira”. (Apreciações sobre a Iniciação, cap. XI).


 
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FIM DE CICLO
 

A velocidade com a qual transcorrem os acontecimentos do mundo, e a crescente sensação de instabilidade que se deriva de tudo isso, é uma das características principais do fim de ciclo que estamos vivendo. O tempo está a ponto de esgotar-se por sua própria aceleração, fazendo com que a humanidade se encontre hoje em dia mais afastada que nunca de seu Princípio. Neste sentido, poderia se dizer que o desenvolvimento cíclico e temporário supõe um afastamento gradual e paulatino do pólo essencial da manifestação, que é a Unidade primordial, e inversamente uma cada vez mais progressiva queda no pólo substancial, ao qual pertence o reino da quantidade e da multiplicidade. Em analogia com isto, dito afastamento provocou também que o ser humano fosse perdendo, pouco a pouco, consciência de suas realidades superiores, vendo-se exposto finalmente a desenvolver aquilo que nele existe de mais inferior e superficial. Esta é a tendência geral, aquela que marca o tom de nossa época terminal, considerada como a fase mais escura da “Idade Sombria” (o Kali-Yuga ou Idade de Ferro), e que por isso mesmo reveste um caráter anômalo e invertido com respeito ao que foi a história da humanidade em épocas anteriores, e não muito longínquas.
De uma ou outra maneira, quase todas as tradições mencionaram em suas profecias e textos sagrados as características com que se revestirá o fim de ciclo, e que se ajustam inclusive nos detalhes ao que estamos vivendo na atualidade. Mas por cima dos horrores e tristezas que trazem os sinais deste tempo, abre-se para todos os homens e mulheres de coração reto a esperança de um mundo verdadeiramente novo, onde “já não haverá noite, nem se terá necessidade de luz de tocha, nem de luz do sol”, pois a roda terá deixado de girar e o tempo se absorveu na Realidade de seu centro imutável.
“Quando reinam o engano, a mentira, a inércia, o sonho, a maldade, a consternação, a aflição, a confusão, o medo, a tristeza: isto se chama a Idade Kali, que é tenebrosa”. Bhagavata Purana. Livro XIII.
“Na Idade Kali a riqueza, entre os homens, substituirá em muito a nobreza de origem, a virtude, o mérito; o direito e a regra estarão determinados pela força”. Ibid.
“... agora existe uma estirpe de ferro. Nunca durante o dia se verão livres de fadigas e misérias nem deixarão de consumir-se durante a noite, e os deuses lhe procurarão ásperas inquietações (...). O pai não se parecerá com os filhos nem os filhos ao pai; o anfitrião não apreciará a seu hóspede, nem o amigo a seu amigo, e não se quererá ao irmão como antes. Desprezarão a seus pais apenas se façam velhos e lhes insultarão com duras palavras, cruelmente, sem advertir a vigilância dos deuses (...). Nenhum reconhecimento haverá para o que cumpra sua palavra nem para o justo e o honrado, mas sim terão em mais consideração ao malfeitor e ao homem violento. A justiça estará na força das mãos e não existirá pudor; o malvado tratará de prejudicar o varão mais virtuoso com retorcidos discursos e, ademais, valer-se-á do juramento. A inveja murmuradora, apreciadora do mal e repugnante, acompanhará a todos os homens miseráveis”. Hesíodo, Os Trabalhos e os Dias, versos 174-195.
“Cuidei que ninguém vos engane, porque virão muitos em meu nome e dirão: ‘Eu sou o Messias', e enganarão a muitos. Ouvireis falar de guerras e rumores de guerras, mas não vos turveis, porque é preciso que isto aconteça, mas não é ainda o fim. Levantar-se-á nação contra nação e reino contra reino, e haverá fome e terremotos em diversos lugares. Mas isto será o começo das dores do parto (...) Então se escandalizarão muitos e uns aos outros se farão traição e se aborrecerão; e se levantarão muitos falsos profetas, e pelo excesso de maldade se esfriará a caridade de muitos, mas o que perseverar até o fim, esse será salvo”. Mateus 24, 4-13.


 
102
ALQUIMIA: A REMINISCÊNCIA
 

A reminiscência é recordar a Origem e por isso penetrar no Eterno Presente. Assim, a reminiscência atualiza o que sempre foi, ou seja, o que é (e o que dá a vida) e o conhecimento de outra realidade multi-dimensional, e o espaço em que ela se produz. É necessário advertir que nesse outro âmbito se compreende –ainda que seja nebulosamente– a presença de uma ampla cadeia de testificação, das origens, incluindo deuses, heróis ou personagens incríveis que transmitiram estas energias que se recebem mediante operações de alquimia, manifestam-se sempre pela dualidade de opostos solve-coagula, dissolver e coagular, graças ao fogo do coração que preside toda a Obra e se conjugam sempre no Presente, que outorga a autêntica maestria aos Adeptos ao Conhecimento.
A anamnese, ou seja, a Recordação, adquire muitas instâncias que se transformam em reminiscências. O déjà vu é uma delas, assim como a recuperação da identidade que pressupõe o ingresso num plano diferente, mercê a desvelar a Potência, superior à soma de todos os atos. A Antigüidade, o país dos ancestrais, é agora. O que algumas civilizações nomearam como o reino dos mortos é a matéria atual da Obra e indica que o nigredo foi assimilado. Então, o Adepto deixa o luto e luze uma nova vestimenta caracterizada pela perenidade, assim que se encontre embelezado com uma serena alegria, ou consumido na agonia sacrifical do suicídio reiterado, ou alternando ambas as situações.
Quem cruza o umbral guarda em silêncio o Segredo de algo que se revela em sua consciência, mas que não se manifesta de modo ordinário. Bem-vindos à Certeza e aos Grandes Mistérios.
Tudo isto já aconteceu. O fim do mundo já foi.


 
 
Fim do Módulo III

 

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